Pesquisar
Close this search box.

A arte do apito sob o olhar atento da FIFA

Poucas profissões no mundo demandam tanta perfeição, presteza e onipresença de uma maneira tão silenciosa e discreta como a dos árbitros de futebol. Ser um protagonista invisível ou não ser propriamente um protagonista. Ter o comando sobre o principal espetáculo do planeta, pois tudo se começa e termina com um apito, sem, na verdade, tê-lo, já que nada efetivamente acaba com um simples ato de apitar.

Partidas, feitos, campeonatos, vitórias ou fracassos são eternos. Odiados por muitos e reconhecidos por poucos. Durante a semana que precede um encontro decisivo, são costumeiramente pressionados por todos, sejam eles jogadores, dirigentes e imprensa. O que não se tem dúvidas é que são primordiais para o funcionamento do esporte e para a aplicação das regras do jogo. A propósito, merecidamente, por isso, sobem ao palco após as finais para receberem as suas medalhas.

Nesse sentido, em um ambiente totalmente profissional, que movimenta cifras bilionárias, onde nem todos países possuem árbitros profissionais que se dediquem exclusivamente àquilo, um investimento na arbitragem faz-se totalmente necessário.

Para tanto, se aplica tempo e capital com treinamentos, tecnologia de auxílio, novas práticas, adaptando-se às novas realidades e ao aumento da dinâmica e velocidade do jogo, que se torna cada vez mais difícil de acompanhar. Tudo isso, possui o intuito de que a atuação esteja cada vez menos suscetível aos erros, humanamente comuns, porém imperdoáveis para uns por se tratar de futebol e de paixão.

Com efeito, cada detalhe, cada centímetro, cada segundo, pode representar milhões para uns e menos para outros, felicidade de uns e tristeza de outros, sucesso de um trabalho para um lado e angústia para a outra parte. Uma fração de tempo tem o condão de construir uma história de anos. Sob esse viés, essa semana foi discutido, por exemplo, a grossura e equiparação das linhas de impedimento do VAR[1].

Como não poderia deixar de ser, a entidade máxima do futebol, sabendo da importância de uma arbitragem eficiente em todo o esporte, estabeleceu uma normativa que é desconhecida por muitos operadores do Direito Desportivo. O Regulamento sobre a Organização da Arbitragem nas Associações Membro[2] da FIFA, que teve sua última edição publicada no final 2020, busca instituir parâmetros de qualidade mínimos, regulando e criando, em âmbito nacional, procedimentos e regras mínimas para essa função essencial para o esporte.

Em outras palavras, esse regulamento descreve a organização da arbitragem dentro das Associações Membros, desmembrando e auxiliando as filiadas e os árbitros com suas respectivas funções e responsabilidades.  A Federação detém a competência exclusiva para desenvolver e implementar esse regulamento a nível nacional, não podendo ser conferida a quaisquer outros órgãos, como ligas, sindicatos ou até governo.

A Comissão de Arbitragem deve fazer parte da estrutura de cada Associação Membro. Esse órgão é responsável pela organização, regulamentação e desenvolvimento da arbitragem. Deve estar sob o controle exclusivo da Federação e sob nenhuma circunstância cair sob a supervisão ou controle de outros entes, como ligas ou governos, incluindo parlamentos e quaisquer outras autoridades.

A título de curiosidade, no âmbito nacional, está prevista no Estatuto da CBF[3], que delimita suas competências no artigo 112, dentre eles, o de promover a capacitação dos árbitros, analisar o desempenho dos componentes do quadro de árbitros e realizar a escalação de árbitros e auxiliares para as partidas.

A Comissão de Arbitragem deve ser composta apenas por ex-árbitros (de preferência os que tenham atuado no mais alto nível do futebol jogado no país) e contar com um presidente, um vice presidente e um número adequado de outros membros. Seus componentes não podem ser filiados a nenhum clube, liga, qualquer outra organização de futebol. Além disso, os árbitros da ativa, que estejam exercendo a profissão, não serão elegíveis para se tornarem membros desse organismo.

Ademais, a normativa determina premissas mínimas, que devem ser reproduzidas e adotadas por todas as Federações em seus regulamentos, como, por exemplo: i) classificar os árbitros em cada categoria com base nas avaliações de desempenho, além de determinar promoções ou rebaixamentos, com critérios bem definidos; ii) aprovar a nomeação de árbitros para competições organizadas sob sua jurisdição; iii) supervisionar a nomeação de candidatos para as listas internacionais de arbitragem da FIFA; iv) supervisionar o cumprimento das Regras do Jogo em todas as competições organizadas em seu país; v) cumprir a metodologia padrão de arbitragem estabelecida pela FIFA, garantir, assim, a uniformidade na implementação das Regras do Jogo; vi) utilizar os mesmos critérios de avaliação dos árbitros do que a FIFA; vii) selecionar e aprovar treinadores de arbitragem nacionais; viii) aprovar os regulamentos administrativos da arbitragem.

Some-se a isso, o dever de cada Associação Membro em criar um Departamento de Arbitragem, que atuará em diversos campos como: i) auxílio e execução das decisões tomadas pela Comissão de Arbitragem, ii) Gerir a nomeação de árbitros para jogos em competições organizadas em seu território; iii) desempenhar tarefas relacionadas com a organização e logística da arbitragem ; iv) exercer, de maneira autônoma, todas as funções administrativas, incluindo o controle do orçamento; v) organizar cursos para árbitros; vi) Produzir materiais didáticos de acordo com os princípios de arbitragem estabelecidos pela FIFA; vii) Preparar planos estratégicos de desenvolvimento de árbitros a curto e longo prazo incluindo os orçamentos.

Contudo, uma das indagações e curiosidades do público em geral é como se faz para se tornar um árbitro, quais são os requisitos. Muito embora o sonho da maioria das crianças no país permaneça conectado à carreira de atleta de futebol, que requer uma dedicação e preparação contínua desde a juventude, com os árbitros não é diferente, pois estão submetidos e levados ao extremo em suas preparações e avaliações.

Nesse contexto, a FIFA institui que cada Federação deve implementar requisitos mínimos gerais para que uma pessoa possa ser registrada como árbitro, dentre os quais: i) passar no teste de aptidão física da FIFA, que é bem rigoroso; ii) passar por um exame médico anual que afirme a sua capacidade para o desempenho físico das atividades; iii) passar por um teste teórico para avaliar seu conhecimento técnico das regras do jogo; iv) oficiais de vídeo e árbitros que trabalham com a assistência de VAR estarão sujeito aos requisitos adicionais descritos na Assistência à Implementação e Programa de Aprovação (IAAP, em inglês).

Assim como os atletas, os árbitros atuam em diferentes categorias e são separados a critério das Federações, de acordo com a sua preparação e desempenho, sendo exigidos de maneira distinta. A única exigência da FIFA é que os árbitros que façam parte do seu quadro pertençam, obrigatoriamente, à primeira categoria da Associação Membro onde está registrado.

Conforme já mencionado anteriormente, o protagonismo do árbitro, para o bem ou para o mal, não passa desapercebido pelos players do mercado. Multiplique-se a isso, o fato de, atualmente, a visibilidade da profissão ganhar um destaque enorme devido à reprodução maçante e debates sobre os lances das partidas nos programas de televisão, nas plataformas de streaming, jornais, redes sociais. Afinal, quanto vale uma propaganda na cabine do VAR durante a decisão de um lance fundamental para uma partida, onde os olhos do público estão voltados para a tecnologia. Potencial muito difícil de se mensurar.

Sendo assim, o uniforme do árbitro e os lugares onde são utilizadas as tecnologias passaram a ser uma fonte de receita para as Federações, uma vez que ocupam um espaço importantíssimo, de interesse das marcas, em todos os veículos de comunicação.

Dessa forma, a FIFA foi instada a estabelecer parâmetros mínimos para a publicidade na vestimenta dos árbitros, na cabine de consulta do VAR e na sala do VAR, de modo a manter a integridade do jogo, e, simultaneamente, não impedir a obtenção de recursos financeiros pelas Federações, que podem ser reinvestidos para o desenvolvimento do esporte.

Por conseguinte, vetou-se qualquer publicidade de produto relacionados ao tabaco, bebidas alcoólicas, narcóticos, casas de apostas, jogos de azar, bem como quaisquer slogans políticos, de natureza racista ou religiosa, em conformidade com o seu Estatuto.

Ato contínuo, para evitar um conflito de interesses com a publicidade usada por qualquer uma das duas equipes participantes por meio de um mesmo patrocinador, uma vez que para o conceito de integridade desportiva não basta apenas ser como também aparentar, os árbitros não devem exibir publicidade do patrocinador em questão e qualquer publicidade relacionada também deve ser removida da área de revisão do árbitro e/ou sala de operações do VAR antes da partida.

Além disso, a publicidade não é permitida na frente da camisa, nos meiões, shorts ou calçados, somente o logotipo da arbitragem juntamente ou a da fabricante de material esportivo. A exibição dos patrocinadores na camisa poderá ocorrer nos ombros e nas costas da camisa, com o tamanho limitado pela normativa. Todas as receitas oriundas dos contratos de publicidade do patrocinador devem ser reinvestidas em temas referentes à arbitragem.

Diante do exposto, conclui-se que a entidade máxima do futebol buscou implementar um modelo para que se tenha um corpo arbitral uníssono, com um padrão de qualidade capaz de atender às demandas dos torcedores, clubes e atletas. Por outro lado, ressalte-se que a FIFA, em suas principais competições, convoca árbitros de diferentes Federações justamente com o propósito de incentivar o desenvolvimento global da arbitragem.

Na edição de 2022, o Brasil e a Argentina foram os países que contaram com mais indicações no corpo arbitral da Copa do Mundo, com 7 membros ao todo, entre assistentes e árbitros. Da mesma forma, uma das preocupações da entidade suíça é fomentar a atividade dos árbitros, dedicando, nesse sentido, remunerações consideráveis por cada partida durante o Mundial, com aumento proporcional de acordo com o avanço das fases. Nos próximos três anos, a FIFA pretende investir 55 milhões de dólares com questões de arbitragem.[4]

Por fim, todos os avanços práticos e evoluções normativas não serão capazes de mudar o entendimento da maioria do público, uma vez que é inerente à cultura do futebol, que vem desde as crônicas de Nelson Rodrigues, carregadas de crítica e ironia à classe, até os programas de televisão com quadros somente para avaliação dos árbitros. Enquanto houver paixão haverá irracionalidade.

O trabalho da arbitragem, em geral, é tornar essa irracionalidade cada vez mais evidente e condenável por ser totalmente injusta, o que virá somente com a globalização, desenvolvimento, investimentos e aumento da eficiência nessa área tão importante para a existência do futebol. É inegável o esforço feito pela FIFA e pelas Federações para isso.

Crédito imagem: FIFA

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] Com comunicação no telão e linhas de impedimento que beneficiam ataque, CBF divulga novidades do Brasileirão (msn.com) – última consulta: 05.04.2023

[2] Regulamento sobre a Organização da Arbitragem nas Associações Membro – tnwtz0s2f6yihpqqfiid-pdf.pdf (fifa.com) – última consulta: 05.04.2023

[3] Estatuto da CBF – 20220617160856_326.pdf (cbf.com.br) – última consulta: 05.04.2023

[4] Orçamento FIFA 2023/26 – 2023-2026 cycle budget and 2024 detailed budget | FIFA Publications – última consulta: 05.04.2023

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.