O direito desportivo e seu desenvolvimento notório passa pela identificação e respeito ao principal princípio norteador da matéria que é a autonomia desportiva. Esse princípio se caracteriza pelo reconhecimento e garantia constitucional das pessoas físicas e jurídicas se organizarem para a prática da atividade desportiva, sem que ocorra uma interferência do Estado na sua organização, funcionamento e decisões.
A partir da autonomia desportiva as entidades de práticas desportivas se organizam e praticam suas atividades, organizando seus campeonatos, definindo suas premiações, estipulando suas regras e punições. Em suma, por meio da autonomia desportiva nenhum agente do estado pode interferir, sob pena de violação constitucional flagrante, que poderá gerar efeitos na continuidade de competições, bem como utilizar tal atividade e todo o seu envolvimento na sociedade como um meio de coerção dos indivíduos para a consecução de interesses particulares dos governantes, o que jamais pode ser admitido.
Como exemplo da autonomia desportiva e o futebol é possível citar a Confederação Brasileira de Futebol e a FIFA, as quais são reconhecidas internacionalmente pelos Clubes, torcedores, empresas de publicidade e demais agentes do desporto, como as responsáveis pelas organizações desportivas de campeonatos, de regras de competições dentre outros efeitos.
Certo, também, que a prática desportiva como reconhecida atualmente, tanto no Brasil, quanto no Exterior, é uma forma de efetivar os objetivos constitucionais e as cartas de direitos humanos, em especial no que diz respeito o desenvolvimento da sociedade, a erradicação da pobreza, e combate as discriminações. Assim é possível concluir que a prática da atividade desportiva possui uma clara e importante função social.
Considerando a importância da prática desportiva e a sua função social, em especial do futebol, o Estado Brasileiro, seguindo o que já acontece fora do Brasil, passa a reconhecer que a atividade do futebol como uma atividade econômica, possibilitando que as entidades de prática desportivas sejam empresárias, aumentando, ainda mais suas responsabilidades para com a sociedade.
No Brasil se tem, no momento, a lei que institui a Sociedade Anônima do Futebol, a qual regula as formas jurídicas que os atuais clubes podem se tornar sociedades empresárias, ou novos clubes serem constituídos para a prática da atividade econômica, a partir desta Lei inúmeras regras, responsabilidades e vantagens empresariais, que até o momento não eram aplicadas passam a vigorar, sem ferir ou interferir na autonomia desportiva.
Dentre as novas regras que passam a vigorar para as entidades de práticas desportivas, se tem a Recuperação Judicial, a qual tem como objetivo a manutenção da atividade econômica e da fonte pagadora, o qual se torna um instrumento fundamental para o Estado e para as, agora, sociedades empresárias continuar praticando suas atividades econômicas e consequentemente efetivando a função social tão cara para o desenvolvimento da sociedade.
A Recuperação Judicial possui suas regras muito claras e dentre elas se tem o concurso de credores, o qual é reconhecido por ser uma concentração de credores que, aplicando o princípio da igualdade são estipuladas formas de pagamento, de maneira que seja respeitada a vontade dos credores e, também, a possibilidade da empresa. Esse modelo de recuperação da empresa somente tem sucesso se houver uma comunhão de vontade entre todos os agentes envolvidos.
Acontece que quando se trata de uma Recuperação Judicial se tem uma interferência do Estado, por meio do poder judiciário, na sociedade empresária, para que esta consiga atingir o objetivo final, que é se recuperar. Com isso passamos a ter um grande um grande conflito jusdesportivo, uma vez que a autonomia desportiva não aceita a interferência do Estado, e o Estado, por sua vez, e como um agente coercitivo não está sujeito as regras da autonomia desportiva, dos órgãos de organização visto acima, o que faz com que se tenha uma necessidade de análise entre o direito desportivo e direito empresarial.
Nesta intersecção entre direito empresarial e direito desportivo a Recuperação Judicial e a Autonomia desportiva ganham um contorno importante, pois como uma não está subjulgada a outra, pode haver uma sanção, como exemplo do transferBan da FIFA em razão de um não pagamento de um débito trabalhista, o qual pode estar no rol de credores da recuperação judicial.
Certo é que a ocorrência deste conflito poderá prejudicar a continuidade da prática da atividade econômica do futebol, o que impactará na manutenção da empresa e consequentemente no cumprimento da Recuperação Judicial, de outra sorte a autonomia desportiva não pode tratar iguais de maneira desigual, o que poderá acarretar uma desobediência coletiva de suas regras, causando um dano imensurável para a prática desportiva.
Assim, é fundamental que aqueles que estão e irão se socorrer do auxílio do estado para sua Recuperação deverão analisar de maneira detalhada e rigorosa a natureza de seus créditos, antes de fazer seu pedido de recuperação, evitando que esse conflito ocorra e prejudique toda a coletividade.
Portanto, o que se tem é que entre o conflito entre a Recuperação Judicial Brasileira e a autonomia desportiva não existe subordinações entre estas, devendo, ambas serem respeitadas, e as decisões adotadas devem seguir sempre em prol da manutenção da fonte pagadora e da prática desportiva, para que o esporte, em especial o futebol, possa continuar sendo praticado, visando e efetivando a função social desta atividade.
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