Search
Close this search box.

A base das regras contra o racismo no esporte

O conflito de competência entre o direito público (lex publica) e o direito desportivo (lex sportiva) se refere a uma questão relevante no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo diante do alcance do esporte na sociedade. Situações em que há uma sobreposição ou colisão entre as normas e decisões dos órgãos governamentais e entidades esportivas culminam em um conflito de competências.

Recentemente, o projeto de lei denominado “Lei Vini Jr” foi sancionado pelo governador do Rio Grande do Sul, que passou a estabelecer um protocolo específico para interrupção de partidas que ocorrerem no Estado do Rio Grande do Sul em casos de racismo e homofobia. A ideia consiste na paralisação da partida imediatamente a partir da identificação de um ato racista, e até que a situação seja controlada, devendo ser paralisada por 10 minutos, caso a pratica discriminatória persista, podendo ate ser encerrada definitivamente.

Referida legislação se refere a um direito público, compreendendo um conjunto de normas e princípios que regem a organização do Estado, ou seja, as relações entre os entes públicos e entre o Estado e os particulares,

Vale citar que a Constituição Federal estabelece a igualdade e proíbe qualquer forma de discriminação, incluindo o racismo em seu artigo 5º, incisos XLI e XLII, tipificando o racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão.

Ainda, na esfera infralegal, a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/23) trouxe novas disposições para combater o racismo no esporte, passando a determinar que atos de racismo cometidos em eventos esportivos são considerados infrações graves, sujeitas a penalidades rigorosas, como multas, perda de pontos, interdição de estádios e até exclusão de competições. Além disso, a lei reforça a responsabilidade das entidades esportivas em adotar medidas preventivas e educativas para combater a discriminação racial, promovendo um ambiente de respeito e igualdade nos eventos esportivos.

Por sua vez, na lex sportiva, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê sanções severas para casos de discriminação, incluindo racismo, durante partidas de futebol, sendo imposto penalidades como multa, perda de pontos e desclassificação de competições.

Adicionalmente, o Regulamento Geral das Competições emanado pela CBF inclui procedimentos especiais em casos de manifestações racistas, podendo a partida ser interrompida, suspensa temporariamente ou até encerrada definitivamente pelo árbitro, após advertir os torcedores através do sistema de som do estádio.

Na esfera internacional, da mesma forma, o Código Disciplinar da FIFA estabelece medidas rigorosas contra a discriminação. As sanções podem ser aplicadas aos jogadores, clubes e associações nacionais, e igualmente incluem multas, suspensão de jogos e até exclusão de competições.

Nesse sentido, a FIFA implementou um protocolo em três passos para lidar com incidentes de racismo durante as partidas. O árbitro interrompe o jogo e solicita que um anúncio seja feito pelo sistema de som do estádio, pedindo o fim das manifestações racistas. Se a pratica discriminatória persistir, o árbitro pode suspender o jogo e os jogadores são instruídos a se dirigirem aos vestiários. Por fim, se as manifestações continuarem, o árbitro pode encerrar a partida definitivamente.

As entidades de pratica desportiva cujos torcedores se envolverem em atos discriminatórios podem ser punidos com multas, perda de pontos, jogos com portões fechados e até desclassificação de competições, incorrendo os jogadores e oficiais serem suspensos e incorrerem em multa, ainda que fora do ambiente de jogo.

Tais regras integram a lex sportiva, compreendendo um conjunto de normas e regulamentos privados que regem as atividades esportivas, como as regras de competições, disciplina, organização de eventos esportivos, abrangendo normas internas das entidades esportivas, como federações e confederações, e as legislações específicas ao esporte de cada país.

Reitera-se que as entidades esportivas possuem autonomia para estabelecer suas próprias regras e regulamentos, sendo tal autonomia reconhecida constitucionalmente, tendo como limite as disposições legislativas impostas no ordenamento jurídico.

A autonomia das entidades desportivas não é absoluta, devendo respeitar os princípios constitucionais, a legislação ordinária e os direitos fundamentais. A intervenção do Estado em questões esportivas se justifica caso haja violação de direitos fundamentais ou quando há questões de ordem pública envolvidas, como casos de doping, manipulação de resultados ou na ocorrência de crimes como racismo e outras infrações graves.

A jurisprudência tem se debruçado em casos onde há conflitos entre normas emanadas pelas entidades esportivas e as normas de direito público, tendo como norte a consideração dos direitos fundamentais e a presença e interesse público relevante.

Um exemplo comum de conflito de competência se atribui a legislação antidoping, que apesar de alinhada com os padrões internacionais estabelecidos pela Agência Mundial Antidoping (WADA), ainda assim, a aplicação das sanções pode gerar conflitos entre as entidades esportivas e as decisões emanadas pelo Poder Judiciário.

 Da forma semelhante, os conflitos originados por contratos estabelecidos por entidades esportivas e a legislação trabalhista, especialmente no que diz respeito aos direitos dos atletas empregados.

Outro exemplo em que o conflito de normas e competência suscita uma análise subjetiva e ampla, se refere à intervenção estatal em federações, ocasião em que o Estado intervém na gestão de federações esportivas ante à irregularidades administrativas ou violações de normas públicas.

A resolução de conflitos entre o direito público e o direito desportivo exige uma abordagem equilibrada que respeite a autonomia das entidades esportivas, ao passo que assegura a proteção dos direitos fundamentais e o cumprimento das normas públicas.

A jurisprudência e a doutrina desempenham um papel crucial na definição dos limites e na harmonização dessas duas esferas normativas, assegurando que o esporte se desenvolva de forma justa e em conformidade com os princípios constitucionais e legais.

As formas de resolução de possível colisão de normas jurídicas consistem em i) hierarquia de normas, onde normas superiores prevalecem sobre normas inferiores; ii) especialidade, onde normas especiais prevalecem sobre normas gerais, ou seja, uma norma específica existente tem precedência sobre uma norma geral; iii) temporalidade, onde lei posterior revoga a anterior; iv) competência legislativa, onde normas devem respeitar a competência legislativa estabelecida pela Constituição, a depender da competência da União, Estados ou Municípios, em casos em que se verifica colidencia entre conflitos federativos, de leis ordinárias e complementares.

Verifica-se, por fim, que as entidades de administração desportiva, nacional e internacional, contam com regulamentos robustos e claros para lidar com casos de racismo durante as partidas de futebol, tendo ainda o respaldo legal que insere o racismo como crime grave.

A implementação de protocolos específicos para a interrupção de partidas, e a aplicação de penalidades severas, reflete um compromisso com a erradicação no esporte. Contudo, diferentes direcionamentos nos procedimentos para tais incidentes pode ensejar em uma colisão de normas, devendo ser observados os aspectos hermeneuticos e a partir da interpretação sistemática e coerente das normas, sendo essencial garantir a harmonia e efetividade do ordenamento jurídico.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.