Fernando Silvestre Filho
Eduardo Luz
Para os amantes dos jogos eletrônicos e em tempos de lançamento do EAFC25, já não é novidade que há alguns anos alguns games como o Football Manager (jogo de propriedade da multinacional SEGA e que simula a realidade de verdadeiro manager do futebol moderno) deixou de ser comercializado em território nacional, sendo necessário contas estrangeiras para conseguir adquirir o jogo. O próprio EAFC (antigo jogo “FIFA”) deixou de disponibilizar os atletas atuantes dos principais clubes nacionais, os substituindo por jogadores genéricos. No entanto, tal realidade não reflete em nossos países vizinhos, os quais continuam com seus atletas originais sendo plenamente veiculados nos e-games. Assim, uma pergunta se erige em nossa mente: porque tal situação existe apenas no Brasil?! Será que foi porque perdemos relevância e interesse dos grandes centros?!
Evidentemente que o futebol brasileiro segue ainda muito mais atrativo que as demais ligas sul americanas, como a chilena, a colombiana e até mesmo a argentina. Na verdade, o grande problema de tal ponto é a segurança jurídica oferecida aos principais players do mercado de e-games em nosso território, ou melhor, a falta dela.
Para atrair uma melhor atenção (e consequentemente maior faturamento) a esses jogos, as principais empresas buscam que a realidade virtual seja a mais parecida possível com o mundo real, de modo que é de seu interesse que clubes e atletas estejam retratados de maneira idêntica, como seus símbolos, uniformes, identidade física e nome, disponíveis no jogo.
Apesar de estarmos tratando de figuras públicas, a veiculação e exploração comercial de tais atributos gera direitos à royalties a ser percebido pelo proprietário do “direito de imagem”. Direito este personalíssimo e que garante a proteção da imagem de uma pessoa, impedindo que sua imagem seja capturada, reproduzida ou divulgada sem sua autorização, devidamente positivada em nossa Carta Magna no art. 5º, X[1], no art. 20[2] do Código Civil e no art. 164[3] da Lei Geral do Esporte.
Assim, trata-se de um bem devidamente tutelado, sendo necessário que as empresas de e-games celebrem contrato de licenciamento individuais ou com aceitação coletiva com os proprietários desse direito para poder veicular a sua imagem ou até mesmo a sua marca (nos casos dos clubes e ligas de futebol).
Ocorre que o ponto da controvérsia em nosso território é que as empresas possuem um entendimento de que o simples fato de conseguir o licenciamento da imagem com a Fifpro (Federação Internacional dos atletas profissionais de futebol – espécie de sindicato internacional da classe) e com os clubes de futebol já seria suficiente para poder veicular a imagem dos atletas.
E é justificável tal entendimento, na medida em que cerca de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que um clube paga aos seus atletas profissionais é proveniente de um contrato de licenciamento de uso de imagem. Assim, ao negociar com as empresas de e-games, o clube nada mais estaria do que cedendo o direito por ela adquirido a essas empresas. Vale ressaltar que tal entendimento é bastante aceito ao redor do mundo, não tendo as empresas enfrentando tantos problemas[4], diferentemente do Brasil.
A empresa EA Sports vem sofrendo diversas indenizações diferentes a atletas atuantes no futebol nacional, como podemos ver em diversas matérias[5] e consulta a julgados nos Tribunais Brasileiros. Desse modo, ante o prejuízo milionário, não restou outra alternativa a EA Sports a não ser parar de retratar os jogadores atuantes em nossa principal liga nacional.
Outra grande empresa que vem sofrendo com problemas judiciais é a SEGA, idealizadora do Football Manager, game o qual, ao contrário do Fifa e do PES não utiliza a imagem do atleta propriamente dita, mas sim apenas os nomes e seus dados públicos, visto que não há qualquer semelhança física entre o atleta real e o seu avatar, sendo estes meros “bonecos” que não retratam a realidade.
Ainda assim, há uma chuva de ações judiciais contra a proprietária do game sob o argumento de que há uma violação clara ao direito de imagem dos atletas. Inclusive, há um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas em vigor no TJSP, tendo o STJ determinado a sua suspensão em 2021.
O cerne principal de tal ação é justamente a seguinte: o uso de desígnios representativos dos autores importa a violação ao direito de imagem? Entende-se por desígnio representativo o nome do atleta e suas estatísticas, como a sua altura, os clubes nos quais atuou, quantos jogos ele marcou etc…
Tais dados inclusive são públicos, tendo qualquer um acesso e tampouco são considerados sensíveis, nos termos da[6]Lei Federal nº 13.709/19 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), sendo também dispensado o consentimento do titular dos dados quando estes são considerados públicos.[7]
Assim, fica aqui o questionamento, como será enfrentado tal impasse pelas cortes superiores? Será que o uso de tais informações – consideradas públicas – de fato representa uma grave violação ao direito de imagem ou trata-se apenas de uma “janela de oportunidade” a qual alguns atletas estão aproveitando para “embolsar” uma indenização?
Ora, não se está pretendendo fazer nenhum juízo de valor ao mérito da questão, até porque o direito de imagem é personalíssimo e sua tutela é fundamental para o Estado Democrático de Direito. No entanto, fato é que tais ações estão afetando o mercado de e-games no Brasil e sobretudo à exposição publicitária de nossos atletas, os quais poderiam faturar ainda mais com tal visibilidade, vide o caso do renomado craque Roberto Firmino, o qual chegou à Europa justamente por conta do jogo Football Manager[8]:
É público e notório que a indústria da e-games está crescendo e poderia estar ainda mais forte salvo se os autores tivessem tratado melhor ponderado a controvérsia aqui debatida. Neste sentido, a dicotomia reside no fato de que os atletas estão com razão ao requerer o pagamento individual a título de royalties por direito de imagem ou deve o Tribunal entender que tal situação está afastando as empresas que fomentam o referido mercado do ecossistema brasileiro, devendo haver uma mitigação dos direitos de imagem, pensando em atrair tais empresas ao mercado nacional.
De toda forma, qualquer que seja a decisão, é difícil falar em decisão completamente justa, posto que é uma controvérsia na qual o interesse de ambos os lados é legítimo, tendo o Estado a árdua missão de mitigar as perdas e maximizar os ganhos de todos.
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[1] Art 5º (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[2]Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
[3] Art. 164. O direito ao uso da imagem do atleta profissional ou não profissional pode ser por ele cedido ou explorado por terceiros, inclusive por pessoa jurídica da qual seja sócio, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho esportivo.
[4] Podemos citar como um problema o caso do Atleta Zlatan Ibrahimovic, o qual em 2020 reclamou de direito de uso de sua imagem de maneira indevida pela EA SPORTS, a qual retrucou afirmando que diante de sua parceria com o AC Milan (então clube do jogador sueco), tem direito ao uso da imagem de maneira lícita. Veja mais em: https://psxbrasil.com.br/jogadores-profissionais-questionam-a-ea-por-direitos-de-imagem-em-fifa-21-ea-responde/
[5]https://www.jusbrasil.com.br/artigos/ea-sports-e-condenada-a-indenizar-ex-atacante-do-flamengo-e-sao-paulo-por-uso-indevido-de-imagem/463450891#:~:text=V%C3%ADdeo%20Games-,EA%20Sports%2C%20%C3%A9%20condenada%20a%20indenizar%20ex%20atacante%20do%20Flamengo,uso%20indevido%20de%20sua%20imagem.
[6]Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se: (…) II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.
[7] Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses: § 4º É dispensada a exigência do consentimento previsto no caput deste artigo para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular, resguardados os direitos do titular e os princípios previstos nesta Lei.
[8]https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2016/11/olheiro-revela-firmino-foi-descoberto-pelo-hoffenheim-no-football-manager.html