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A chuva no molhado – o projeto de lei que ignora disposições regulamentares esportivas

Como informado pelo Lei em Campo nesta matéria do Gabriel Coccetrone, o deputado federal Alexandre Frota apresentou um projeto de lei que prevê punições a entidades de prática e administração do desporto pro atos de racismo e LGBTfobia em locais de prática desportiva. O projeto de lei prevê que as sanções serão aplicadas administrativamente pelo Poder Executivo, cabendo aos Municípios e ao Distrito Federal a regulamentação e fiscalização destas.

Ocorre que já existe previsão de punição administrativa pela prática de ato de racismo e LGBTfobia em locais de prática desportiva: trata-se do artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. O CBJD, inclusive, é fruto de ato do Poder Executivo: é a Resolução n° 01/2003 do Conselho Nacional do Esporte (CNE), posteriormente alterado pelas Resoluções 06/2009 e 37/2013. Há, inclusive, uma comissão de 14 membros – incluindo nosso colega colunista do Lei em Campo, Dr. Milton Jordão – que atualmente trabalha na reforma do CBJD – a Comissão de Estudos Jurídicos Esportivos; tal comissão foi criada pela Secretaria Nacional do Esporte por meio da Portaria 36 em setembro do ano passado.

O referido artigo 243-G pune a prática de “ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Cabe ressaltar que, ainda que o artigo 243-G do CBJD não trate da LGBTfobia de forma específica, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol – STJD, firmou entendimento quanto a tipificação e culpabilidade de atos considerados discriminatórios em razão da orientação sexual.

Pouco tempo depois da decisão do STF que reconheceu a mora do Congresso Nacional para legislar sobre atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGTB+ e enquadrou a homofobia e a transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo – Lei 7.716/1989, a Procuradoria do STJD do Futebol emitiu uma recomendação para que clubes e Federações atuem de forma preventiva com campanhas educativas e que os árbitros relatem qualquer tipo de manifestação preconceituosa nas súmulas e documentos oficiais.

Esta recomendação veio pouco tempo depois de a própria FIFA, por meio da circular nº 1682 de 25 de julho de 2019 determinar a adoção de procedimentos por todas as Federações Membros e respectivos árbitros no combate a ocorrência de comportamentos discriminatórios durante as partidas de futebol.

Parece claro, portanto, que o movimento esportivo já percebeu a importância de adequar seus meios aplicação de sanções disciplinares e punir aqueles que praticam atos de racismo de LGBTfobia, na esteira do que o projeto de lei do deputado Alexandre Forta pretende fazer.

Em outras palavras, no gozo da autonomia desportiva estabelecida no artigo 217 da Constituição Federal, o movimento esportivo já regulou seus dispositivos disciplinares, tanto no âmbito nacional quanto internacional, para garantir a punição daqueles que praticam atos racistas, homofóbicos e outros atos discriminatórios.

Não obstante, assim como outras condutas puníveis no CBJD, se a punição desportiva no caso concreto não for suficiente para a proteção do bem jurídico, busca-se o direito penal – a ultima ratio. Nas palavras do Prof. Cezar Roberto Bittencourt[1]:

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável.

Não há de se falar, portanto, em qualquer tipo de lacuna regulamentar ou legal que justifique a aprovação do projeto de lei proposto pelo deputado Alexandre Frota. Para além desta questão, o projeto de lei também peca em não definir com exatidão qual seria a conduta punível; quais seriam os atos racistas e homofóbicos puníveis? O projeto de lei não estabelece critérios e condutas definidas para a aplicação das sanções administrativas, deixando, ante a omissão legal, à discricionariedade do julgador, o que traz insegurança jurídica.

O projeto de lei, lamentavelmente, a despeito de sua intenção, em nada contribui para o efetivo combate à homofobia.

……….

[1] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 16. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

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