O caso envolvendo o Vitória, o Grêmio e o jogador Lucas Esteves levanta uma importante discussão sobre cláusulas contratuais no futebol brasileiro. O cerne da questão está na validade de uma cláusula específica no contrato do atleta com o Vitória, que merece uma análise detalhada.
A cláusula indenizatória e sua função
A cláusula indenizatória é um elemento fundamental nos contratos desportivos. Ela estabelece o valor devido ao clube empregador em caso de transferência do atleta antes do término do contrato. Esta cláusula é prevista em lei e serve como um dos mecanismos para encerrar a relação entre clube e atleta de forma antecipada, com efeitos imediatos após o pagamento.
A cláusula controversa do Vitória
O contrato do Vitória com Lucas Esteves contém a seguinte cláusula:
“Na hipótese de exercício da Cláusula Indenizatória pelo ATLETA para transferência a outra agremiação, será resguardado ao VITÓRIA o direito à recusa de transferência, mediante o pagamento, pelo VITÓRIA, em favor do ATLETA, do valor de UDS 100.000,00 (cem mil dólares americanos), ou o valor equivalente em Reais no dia da comunicação do ATLETA ao CLUBE. O pagamento será realizado em até 05 dias úteis da comunicação de recusa pelo VITÓRIA ao ATLETA.”
Esta cláusula é problemática por várias razões:
- Contradição com a lei: A cláusula contradiz a legislação vigente, que estabelece a cláusula indenizatória como forma de extinção do vínculo entre atleta e clube.
- Restrição de direitos: Ela limita os direitos do atleta, obrigando-o a permanecer em uma relação jurídica contra sua vontade, mesmo após o pagamento da cláusula indenizatória.
- Desequilíbrio contratual: A cláusula cria um desequilíbrio na relação jurídica, favorecendo excessivamente o clube em detrimento do atleta.
Para além da análise sobre a validade da cláusula, é relevante analisá-la sob a ótica do direito de preferência. Seria possível afirmar que a cláusula do contrato do Vitória é uma cláusula de preferência?
Entendemos que não. A comparação entre a cláusula do Vitória e as cláusulas de preferência revela diferenças significativas em sua natureza e aplicação. As cláusulas de preferência comumente utilizadas no meio esportivo seguem um rito:
- Notificação: o clube empregador é notificado sobre uma proposta pela aquisição dos direitos econômicos do atleta.
- Prazo para contraoferta: O clube empregador tem um prazo de alguns dias para apresentar uma proposta igual.
- Decisão do clube:
- Se o clube não apresenta proposta equivalente, o atleta fica livre para negociar com outros clubes.
- Se o clube apresenta proposta igual ou superior, o atleta deve aceitá-la.
- Consequências da recusa: Caso o atleta recuse a proposta equivalente do clube atual, ele pode ser obrigado a pagar uma indenização por descumprimento da cláusula de preferência.
Este processo respeita a liberdade do atleta, ao mesmo tempo em que oferece ao clube empregador a oportunidade de manter o jogador em condições de mercado.
Em contraste, a cláusula do contrato do Vitória, a qual nos referimos como “cláusula de recusa de transferência”, opera de maneira fundamentalmente diferente:
- Pagamento da cláusula indenizatória: O processo é iniciado quando é paga a cláusula indenizatória.
- Direito de recusa: O Vitória teria o direito de recusar a transferência, mesmo após o pagamento da cláusula indenizatória.
- Compensação ao atleta: Em caso de exercício do “direito de recusa”, o Vitória deve pagar ao atleta USD 100.000,00 em até 5 dias úteis.
- Manutenção forçada do vínculo: Como consequência, o atleta é obrigado a permanecer na relação jurídica com o Vitória, independentemente de sua vontade ou das condições oferecidas por outros clubes.
Desta forma, dentre as diferenças fundamentais, destaca-se a liberdade de escolha, já que a cláusula de preferência permite ao atleta escolher outro clube se o atual não igualar a oferta; a cláusula do Vitória remove essa liberdade. Ademais, a cláusula de preferência busca um equilíbrio entre os interesses do clube e do atleta.
A cláusula do contrato do Vitória difere substancialmente das cláusulas de preferência típicas. Enquanto estas últimas buscam um equilíbrio entre os interesses das partes e respeitam a dinâmica do mercado, a cláusula do Vitória cria uma situação de retenção forçada do atleta, potencialmente violando princípios fundamentais do direito trabalhista e esportivo.
Esta diferença fundamental reforça os argumentos sobre a possível nulidade da cláusula do Vitória, uma vez que ela não se alinha com as práticas aceitas no meio esportivo nem com os princípios legais que regem as relações entre clubes e atletas.
Crédito imagem: Vitória/Divulgação
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