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A contingência é a mãe dos princípios do Direito Esportivo

Os fundamentos do Direito Esportivo (III) – A contingência é a mãe dos princípios do Direito Esportivo

Se já vimos, nas duas últimas colunas, que os fundamentos do Direito Esportivo estão na relação entre direitos humanos e prática esportiva, assim como na tensão entre a busca pela melhor performance e a incerteza do resultado no esporte, o que dá base aos princípios jusesportivos?

Posso afirmar que todos eles se baseiam na contingência? Esse é o fundamento dos princípios do Direito esportivo? Sim e, portanto, vejamos o porquê.

Segundo o Dicionário Houaiss, “contingência” é palavra derivada do latim contingentĭa,ae, no sentido de “acidente, acaso”, e significa, em nossa língua, “fato imprevisível ou fortuito que escapa ao controle; eventualidade”.

Assim, o resultado da partida, prova ou competição é sempre contingente, mesmo que desejemos a melhor performance atlética e a vitória. A incerteza do resultado é contingência, incerteza, imprevisibilidade. É a alegria de se ver uma equipe que ninguém acreditava ser possível ganhar o campeonato. Não foi o que ocorreu com o Leicester no Campeonato Inglês 2015/2016 (Premier League)? Veja o que a imprensa noticiou à época sobre esse resultado altamente inesperado:

“Para você ter uma ideia do que significa o título da equipe e do tamanho da surpresa no futebol inglês do fato, casas de aposta no Reino Unido chegaram a pagar 5 mil para cada libra investida no time comandado por Claudio Ranieri no início da temporada. A título de comparação, a probabilidade de Elvis Presley ter sido encontrado vivo no início da temporada inglesa era cinco vezes mais alta que a do triunfo do Leicester.”¹

Aconteceu o mesmo na última temporada da NFL, com um inusitado título de futebol americano nos EUA: o “Super Bowl: Eagles superam Patriots e são campeões pela 1ª vez”.²

Nesses dois casos (poderíamos aqui também contar outros tantos no Brasil), o favorito do campeonato perdeu para a equipe que não se acreditaria poder ser vencedora. No caso do Leicester, seu último campeonato ocorrera em 1929. Os Eagles nunca haviam vencido um Super Bowl.

Até que se prove o contrário, aqui a essência da participação do direito no esporte de rendimento funcionou no seu apogeu. Garantiu-se a incerteza do resultado sem que isso tenha significado perda de rendimento atlético. Nos dois exemplos, as equipes foram consideradas vencedoras por seus méritos esportivos, não por algum tipo de influência externa.

Se já está claro que o princípio jusesportivo básico, a “incerteza do resultado”, exerce o magnetismo que trouxe o “contingente” ao esporte, também está certo que sua garantia depende de outros princípios e que dele derivam: igualdade esportiva e autonomia do esporte.

Se alguém comprovar que algum desses títulos que citamos tenha sido conquistado por algum tipo de manipulação do resultado ou dopagem de atletas, cai-se por terra o asseguramento da igualdade esportiva, e o princípio da incerteza do resultado perece. A vantagem indevida macula a performance esportiva e trai o elemento contingência. A interferência externa aí passa a ser decisiva, e não a melhor exibição atlética em campo.

É justamente o que aconteceu com um dos maiores ciclistas de todos os tempos, Alberto Contador, como então noticiado: “TAS condena Contador por doping e retira título de campeão da Volta da França de 2010”.³ O Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) considerou que o atleta espanhol estava sob efeitos de substância proibida, o clembuterol, que funciona como um estimulante que aumenta a capacidade respiratória e intensifica o fluxo de oxigênio na corrente sanguínea. Ou seja, Contador venceu a prova retirando-se da situação da igualdade entre os outros disputantes, colocando-se em vantagem esportiva de modo fraudulento, utilizando-se de um elemento externo (dopagem) para se colocar em superioridade artificial. Falseou, assim, a contingência, a incerteza do resultado, visto que o medicamento lhe dava melhores condições atléticas. A paridade de armas foi deixada de lado.

Por isso o afastamento das interferências externas é também um fundamento do Direito Esportivo e se faz não apenas na “igualdade”, como também, principalmente, por meio da “autonomia esportiva”.

Esperem a próxima coluna. Lá falaremos sobre isso.

……….
¹ Revista GQ Brasil de 2/5/16.
² Revista Veja de 5/2/18.
³ Rádio França Internacional – RFI (6/2/12)

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