Search
Close this search box.

A controversa flexibilização do dress code feminino no esporte

Por Alberto Goldenstein e Luiza Rosa Moreira de Castilho

O debate em torno dos uniformes femininos nos esportes olímpicos vem deixando a timidez dos últimos anos e se tornando cada vez mais calorosos. Dias antes do início dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, a situação envolvendo a Seleção Norueguesa de Handebol de Praia aflorou a percepção dos espectadores no que diz respeito às roupas usadas pelas atletas em determinadas modalidades.

Com isso, os olhares se fizeram mais críticos em face dos biquínis nos esportes de areia, e dos collants na ginástica. A vestimenta, que na visão de alguns pode ser desconfortável, e de outros, a única possível para se usar em uma competição é, na verdade, matéria subjetiva, discutida previamente à confecção do regulamento da competição.

Na disputa pela medalha de bronze no Campeonato Europeu de Handebol de Praia, as atletas da Seleção Norueguesa usaram shorts ao invés de biquínis durante a partida. Em razão disso, a Federação Europeia de Handebol aplicou uma multa de pouco mais do que o equivalente a 9 mil reais à equipe, por entender que o uniforme usado não estava de acordo com o regulamento previsto pela Federação Internacional de Handebol.

Portanto, em que pese o louvável apoio da Federação Norueguesa às atletas, as coisas não são tão simples quanto parecem. É claro que gestos de protesto são – ao nosso ver – válidos no esporte, em especial, quando as questões atingem os competidores de forma pessoal, como é o caso da vestimenta. No entanto, a discussão pode morrer, literalmente, na praia se não for ampla e voltada para os valores reais do pleito.

Cumpre constar que essa não foi a primeira vez que atletas se revoltaram com a necessidade de seguir um padrão de traje que não as deixa cômodas para a prática do esporte. Em um caso recente, e também prévio aos Jogos Olímpicos, a ginasta Sarah Voss participou do Campeonato Europeu vestindo um macacão longo, uniforme nada comum para a categoria feminina da modalidade, já que só era usado por questões religiosas.

A atitude da atleta tomou grandes proporções, fazendo, inclusive, com que toda a equipe Alemã viesse a disputar Tóquio 2020 com um uniforme semelhante. A reivindicação é, no fundo, para que a possibilidade fique aberta para as ginastas que não se sentem confortáveis ao vestirem o collant da maneira implicitamente imposta.

Certo é que essas mulheres querem ser vistas e reconhecidas por seus feitos, por sua capacidade e habilidades, e não pela estética ou sensualidade. Um exemplo interessante, e que foge do contexto esportivo é o da SkyUp, companhia aérea ucraniana, que recentemente alterou as vestimentas da tripulação feminina, proporcionando às comissárias de bordo roupas mais confortáveis para o trabalho. Em seu instagram oficial, a empresa declarou que a profissão desempenhada por essas mulheres existe há mais de 100 anos e, nesse período, muita coisa mudou, inclusive as próprias mulheres. A partir daí, entenderam que era necessária uma nova visão geral sobre a profissão.

No esporte não é diferente, embora os comentários voltados para o corpo da mulher atleta tenham sido absolutamente aceitos até pouco tempo atrás, hoje o cenário é outro. E a sociedade e os operadores do esporte precisam acompanhar essa transformação. Em suas novas diretrizes de igualdade de gênero e inclusão, publicadas em julho do corrente ano, o Comitê Olímpico Internacional enfatiza a desproporcionalidade na cobertura esportiva que, costumeiramente, evidencia as características físicas e pessoais das atletas, desprestigiando seu desempenho e habilidades esportivas. O referido documento é uma verdadeira aula sobre a equidade no esporte.

E por falar em equidade, estaria o equilíbrio das competições ameaçado diante dos protestos silenciosos pela alteração dos trajes? A uniformização da vestimenta esportiva é, claramente, uma premissa da par conditio e, portanto não pode, simplesmente ser alterada individualmente, de acordo com o desejo de cada atleta.

É, então, que a discussão passa a outro patamar. O COI pretende que a esportista seja vista por seu apelo esportivo, não pelo apelo sexual que pode vir a ser criado ao seu redor. Mas, a falta de conhecimento técnico-prático da modalidade, pode fazer com que muitos dos que não compreendem a necessidade da utilização de determinadas roupas, façam o julgamento equivocado sobre a verdadeira vontade das atletas, diante do binômio uniforme x desempenho.

Um dos exemplos mais comentados durante as competições olímpicas, foi – como já mencionado – o vôlei de areia. A Federação Internacional de Vôlei dispõe, em seu regulamento, que o uniforme masculino deve ser composto por regata e shorts, que não podem ser largos e devem respeitar o limite de 10cm acima da altura patelar. Já para as mulheres, a vestimenta é top e biquíni.

Há que se considerar que toda definição de traje esportivo passa por experimentos e estudos de performance, sempre prezando pela paridade entre os competidores. Sem embargo, não se pode esquecer que as atletas não são consideradas apenas pela capacidade que ostentam, e que a forma como se apresentam através de suas roupas pode influenciar diretamente em seu preparo, até mesmo mental, para as partidas.

Por isso, a mídia, os espectadores e os reverberadores das mais deploráveis notícias, possuem a responsabilidade de reorientar a narrativa que valoriza a silhueta acima da aptidão para o esporte. Ademais, considerar a voz das atletas, em especial na elaboração dos regulamentos, conferindo um tratamento isonômico desde a pré participação em uma competição é, de fato, respeitar seus direitos.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.