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A controvérsia olímpica: as novas regras do judô e o declínio da modalidade

Elthon Costa*

Gabriel Hussid**

RESUMO

O artigo trará, num primeiro momento, a explicação sobre as mudanças das regras do Judô desde as Olimpíadas de Pequim, em 2008. Após, será feita uma breve reflexão sobre como as novas regras tem causado polêmicas e insatisfação dos próprios atletas, bem como fãs, técnicos e espectadores, principalmente nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, com a punição polêmica do atleta Rafael Macedo e perda da disputa da medalha de bronze.

AS CONSTANTES MUDANÇAS DE REGRAS NO JUDÔ

Nos últimos anos tem se tornado constante as alterações nas regras do Judô, situação que acarreta constantes mudanças nos estilos de luta, de decisões e até mesmo do modo como é visto esta modalidade olímpica.

Isto porque, desde os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008, o Judô sofreu três grandes alterações em suas regras, sendo a mais recente feita em 2022, para a Olimpíadas de 2024 que está ocorrendo no presente momento.

A primeira grande mudança foi a retirada da pontuação chamada como koka depois das Olimpíadas de Pequim, em 2008. Tal pontuação era marcada quando o oponente derrubava seu rival sentado. Após a realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, também deixou de existir o yuko, pontuação que era marcada quando se derrubava o rival de lado (não necessariamente com uma parte das costas tocando o chão).

Sendo assim, apenas duas pontuações restaram na modalidade, o waza-ari, que ocorre quando se derruba o oponente não totalmente de costas, no chão, e o mais conhecido ippon, que se dá quando se derruba o adversário totalmente com as costas no chão.

Paralelamente a isso, o judô também criou muitas regras novas, a grande maioria com a intenção de proteger os atletas, como, por exemplo, a proibição do atleta tentar impedir a queda de cabeça com um mergulho, ou a proibição de impedimento da queda de costas com o cotovelo, o que hoje acarreta a eliminação direta do judoca.

Além disso, o Seoi invertido[1] está sendo penalizado com um shidô (punição), bem como, ainda no campo das penalizações, está o ato de arrumar o judogi ou o cabelo. Estas situações podem ser feitas apenas uma vez, a partir da segunda é shidô.[2]

Ademais, todas as lutas, sejam no feminino ou masculino, terão duração de 04 (quatro) minutos, além da possibilidade de 03 (três) shidos antes de classificação, bem como a imobilização (Osae Komi) de 10 (dez) segundos para waza-ari e 20 (vinte) segundos para ippon.[3]

Tais mudanças levaram o atual presidente da Federação Internacional de Judô (FIJ), Marius Vizer, dizer estar “convencido de que os novos elementos das regras e metodologia do Judô serão um grande benefício para a família do Judô, espectadores, parceiros e mídia”.[4]

Desse modo, é válido dizer, inclusive, que a união disso tudo criou uma forma nova de lutar. Diante das novas regras, determinados judocas criaram um plano de jogo de bastante volume (mas não necessariamente em busca de ippon), ocasionando na punição do adversário por falta de combatividade, situação que pode definir o vencedor, a depender, claro, da interpretação dos árbitros.[5]

Um caso recente onde se viu isso em prática foi a disputa da medalha de bronze na categoria até 57kg nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 entre Rafaela Silva, do Brasil, que perdeu para a japonesa Haruka Funakubo. Restou evidente que a estratégia da atleta japonesa foi a de criar muito volume, para que a judoca brasileira fosse punida com shido. A estratégia foi bem implementada, até que o momento em que Rafaela tenta evitar um golpe com o mergulho de cabeça e acaba desclassificada, perdendo a luta.[6]

A GRANDE POLÊMICA do judô NOS JOGOS OLÍMPICOS DE PARIS 2024

Ao longo desses anos, as novas regras claramente não agradaram os atletas ou fãs da modalidade. Isto porque sempre há reclamações da quantidade de lutas decididas pela arbitragem (através do shido) ou até mesmo um modo de lutar chato, em que, como já dito, o atleta não busca a finalização, mas somente a punição do oponente.

Contudo, a maior polêmica, para não dizer injustiça, ocorreu na luta entre o atleta brasileiro Rafael Macedo e o francês Maxime-Gael Ngayap Hambou, na categoria até 90kg em disputa da medalha de bronze. Antes mesmo de completar 2 (dois) minutos de luta, a arbitragem já tinha dado duas punições aos atletas, por suposta falta de combatividade de ambos.

Faltando 20 segundos para o término e início do golden score[7], Rafael aplica um golpe que todos suspeitavam ter sido um waza-ari, mas a luta seguiu com os judocas no chão, e, logo após, o árbitro interrompeu o combate, puniu o judoca brasileiro e deu a vitória ao atleta francês.

Assim sendo, após a final da categoria, a comissão técnica do Brasil foi até a mesa onde ficam os árbitros que checam os vídeos das lutas no torneio olímpico, uma vez que queriam uma explicação mais convincente para a punição ao atleta Rafael, que tirou a medalha de bronze do Brasil.[8]

Muitas hipóteses foram levantadas pelos especialistas e até mesmo ex-atletas, mas na súmula oficial da luta constava como “indeterminada” a última e decisiva punição.[9]

Ademais, o próprio chefe da equipe de Judô do Brasil, Marcelo Theotonio descreveu como confusa a conversa que tiverem com a equipe de arbitragem[10]:

“Realmente ficou confuso, não entendemos a punição. Inicialmente entendemos que ele tinha dado punição por pegar dentro do quimono. Não foi isso, não ficou claro. Quando fomos até a mesa, conversar com os responsáveis pela arbitragem, essa posição, quando você pressiona só a cabeça, é realmente considerado matê e shido. Seria esse último ponto que o Rafael sofreu. O duro é que tem um guia que mostra uma situação um pouco diferente. Mas ali eles abriram um outro guia, com uma regra mais atualizada, e mostra que é shido. É uma pena, lamentável. Era evidente que o Rafael estava superior na luta. É bastante discutível, mas ele vai manter o foco na disputa por equipes.” (Grifamos)

Tal situação é controversa, uma vez que não foi dada uma explicação plausível para a terceira punição, o que provocou não só a eliminação, mas também a perda da chance de conseguir uma medalha olímpica, além da revolta dos fãs da modalidade[11].

A mídia oficial da FIJ divulgou[12] que uma tentativa de shime-waza[13] fracassada por Rafael fora convertida em tesoura ilegal ao redor da cabeça do adversário, o que o árbitro parece sinalizar aos atletas (o que também parece ser um sinal para o atleta ajeitar o gi), mas não foi isso que constou na súmula ao final.

Não obstante, forçoso é que não seja esquecida a preparação e abdicação que os atletas de alto rendimento passam para disputar o maior evento esportivo de todos, os Jogos Olímpicos. Para o atleta, saber que a chance de subir ao pódio foi perdida não por erro ou incompetência sua, mas por uma decisão injustificada da arbitragem, pode estimular problemas psicológicos expressivos, vez que o judoca brasileiro ainda disputaria a categoria por equipes.

Ainda que Rafael tenha ajudado a equipe brasileira garantir o bronze por equipes ao ganhar sua luta, fato é que a perda do bronze no individual poderia ter desestabilizado o atleta e ter ocasionado um grande prejuízo para a equipe brasileira.

Desse modo, importante após o término dos Jogos Olímpicos de Paris que a FIJ analise novamente e repense nas atuais regras do Judô, tendo em vista a reprovação destas não só parte dos atletas e treinadores, mas também pelos fãs e amantes da modalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, se a aplicação das novas regras do Judô foi feita no intuito de promover ainda mais a modalidade, incentivando mais combatividade, a fim de beneficiar espectadores e a própria mídia, é necessário urgentemente uma revisão.

Isto porque as novas regras vêm causando polêmicas, inseguranças, incertezas e situações controversas, vez que o atleta precisa mudar o modo de lutar, desenvolvido por anos, para se adequar às novas aplicações, onde, sem nem precisar entrar com um golpe contundente, pode um atleta alcançar a vitória por provocar punições nos adversários.

Indiscutível que a atual situação do Judô é preocupante, vez que produz desgosto e frustração não só nos espectadores, mas também em seus atletas. Torna-se necessária uma nova análise e uma nova mudança nas regras, dessa vez, para melhor.

Crédito imagem: Roberto Castro/Brasil2016.gov.br

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REFERÊNCIAS

Federação Internacional de Judô – Explicação Detalhada das Regras de Arbitragem do Judô ‐ versão atualizada 21.02.2023. Disponível em: https://www.fjms.com.br/wp-content/uploads/2023/05/230310_FIJ_Rules2023-v200131_v02-CBJ-Final.pdf.

SITES VISITADOS

https://cbj.com.br/pt/noticias/fij-anuncia-novas-regras-para-o-proximo-ciclo-olimpico-e-yuko-e-extinto/. Acesso em: 2 ago. 2024.

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/07/31/judoca-rafael-macedo-chega-ate-a-disputa-do-bronze-mas-comete-infracao-decisiva.ghtml. Acesso em: 3 ago. 2024.

https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2024/07/31/por-que-rafael-macedo-foi-desclassificado-no-judo-entenda-a-regra.ghtml. Acesso em: 3 ago. 2024.

  https://olympics.com/OG2024/pdf/OG2024/JUD/OG2024_JUD_C73I_JUDM90KG————–REPF000100–.pdf. Acesso em: 4 ago. 2024.

  https://revistaquem.globo.com/esportes/olimpiadas/noticia/2024/07/olimpiadas-causa-indeterminada-viraliza-e-web-se-revolta-com-desclassificacao-de-rafael-machado.ghtml.  Acesso em: 3 ago. 2024.

https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/olimpiadas/paris-2024-rafaela-silva-perde-o-bronze-no-judo-apos-duelo-com-japonesa/. Acesso em: 3 ago. 2024.

https://www.espn.com.br/olimpiadas/artigo/_/id/13981450/brasileiro-lamenta-mudancas-e-regras-confusas-do-judo-nas-olimpiadas-as-vezes-nem-eu-entendo.  Acesso em: 3 ago. 2024.

https://www.ijf.org/news/show/90kg-bekauri-is-a-magician-for-his-second-olympic-gold. Acesso em: 4 ago. 2024.

https://judorio.org/fij-anuncia-mudancas-na-regra-de-competicao-para-o-ciclo- olimpico-paris-2024/. Acesso em: 2 ago. 2024.

* Master in International Sports Law (Instituto Superior de Derecho y Economía – ISDE). Advogado, professor, palestrante e autor e organizador de livros jurídicos. É membro da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho no Grau Oficial, especialista em Direito Desportivo (CERS), pós-graduado em Direito Processual Civil (Unileya), diretor jurídico do CNB (Conselho Nacional de Boxe), diretor do Departamento Jurídico da CBKB (Confederação Brasileira de Kickboxing), diretor do Departamento Jurídico da WAKO Panam (World Association of Kickboxing Comissions Región Panamericana) e da CBMMAD (Confederação Brasileira de MMA Desportivo). É membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD-Lab), membro do núcleo de estudos “O Trabalho além do Direito do Trabalho: Dimensões da Clandestinidade Jurídico-Laboral” (NTADT), da Faculdade de Direito da USP, auditor do TJDU-DF, membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF (2022-2024), membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e colunista do website “Lei em Campo” (Coluna “Luta e Desporto”). [email protected].

** Gabriel Gomes de Mattos Hussid, advogado pós-graduado em Direito Desportivo pela ESA/OAB-SP, Cofundador do Grupo de Estudos de Direito Desportivo Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie (GEDDE-MACK), Procurador Suplente da 1ª Comissão Disciplinar do Tribunal de Justiça Desportiva da Liga Paulista de Futsal, Membro da Comissão Especial de Direito Desportivo da OAB/SP e Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Motociclismo.

[1] Também conhecido como Seoi coreano, uma variação de um golpe tradicional, o Seoi Nage.

[2] https://judorio.org/fij-anuncia-mudancas-na-regra-de-competicao-para-o-ciclo-olimpico-paris-2024/. Acesso em: 2 ago. 2024.

[3] https://cbj.com.br/pt/noticias/fij-anuncia-novas-regras-para-o-proximo-ciclo-olimpico-e-yuko-e-extinto/. Acesso em: 2 ago. 2024.

[4] Federação Internacional de Judô – Explicação Detalhada das Regras de Arbitragem do Judô ‐ versão atualizada 21.02.2023. Disponível em: https://www.fjms.com.br/wp-content/uploads/2023/05/230310_FIJ_Rules2023-v200131_v02-CBJ-Final.pdf.

[5] https://www.espn.com.br/olimpiadas/artigo/_/id/13981450/brasileiro-lamenta-mudancas-e-regras-confusas-do-judo-nas-olimpiadas-as-vezes-nem-eu-entendo. Acesso em: 3 ago. 2024.

[6] https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/olimpiadas/paris-2024-rafaela-silva-perde-o-bronze-no-judo-apos-duelo-com-japonesa/. Acesso em: 3 ago. 2024.

[7] Ponto de ouro, em inglês, uma espécie de prorrogação, com o vencedor sendo aquele que pontuar primeiro.

[8] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/07/31/judoca-rafael-macedo-chega-ate-a-disputa-do-bronze-mas-comete-infracao-decisiva.ghtml. Acesso em: 3 ago. 2024.

[9] https://olympics.com/OG2024/pdf/OG2024/JUD/OG2024_JUD_C73I_JUDM90KG————–REPF000100–.pdf. Acesso em: 4 ago. 2024.

[10] https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2024/07/31/por-que-rafael-macedo-foi-desclassificado-no-judo-entenda-a-regra.ghtml. Acesso em: 3 ago. 2024.

[11] https://revistaquem.globo.com/esportes/olimpiadas/noticia/2024/07/olimpiadas-causa-indeterminada-viraliza-e-web-se-revolta-com-desclassificacao-de-rafael-machado.ghtml. Acesso em: 3 ago. 2024.

[12] https://www.ijf.org/news/show/90kg-bekauri-is-a-magician-for-his-second-olympic-gold. Acesso em: 4 ago. 2024.

[13] Técnica de estrangulamento.

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