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A conveniência do caos

Por Cáscio Cardoso

Desde os primórdios da minha relação com o futebol, me acostumei a ouvir, de muitos, que alguns eventos do jogo extrapolam a questão da competência, da sorte, da imprevisibilidade e se relacionam com a trapaça, com a má-fé, com a incapacidade de alguns poderes e poderosos de conviverem com os possíveis resultados indesejados no campo.

Acompanhei, com 15 anos, a virada de mesa do Campeonato Brasileiro de 1996. Depois, um pouco mais velho, a bagunça que originou a Copa João Havelange em 2000 e, em 2005, o escândalo do apito, protagonizado pelo árbitro Edílson Pereira de Carvalho. A reboque de jogos que precisaram ser disputados novamente, resultados diferentes mudaram os rumos da competição. E, como uma cereja no bolo, um lance grosseiro no Pacaembu, apitado por Márcio Rezende de Freitas, consagrou o campeão brasileiro, Corinthians, contra o seu perseguidor e principal prejudicado, o Internacional.

Também vi com muita frustração os eventos de 2013 , do famoso caso Héverton, que também mancharam o final do Campeonato Brasileiro daquele ano, culminando no rebaixamento da Portuguesa, livrando Fluminense e Flamengo.  Em outros momentos da vida, um ex-jogador já me disse que tirou o pé para não fazer gol contra time do coração e um ex-dirigente já me disse que comprou uma defesa inteira do time adversário no campeonato estadual, inclusive “marcando a hora do pênalti.” Existem até livros na praça romantizando “jogo de bastidores”.

Mesmo com tudo isso e mais um pouco não descrito aqui, sempre resisti à tese de que há uma poderosa organização para beneficiar A, B ou C, ou prejudicar D, E ou F.  Eu resisto à essa ideia porque eu não vejo capacidade no futebol brasileiro para se organizar para algo tão elaborado. Principalmente por precisar de ações coletivas. 

Não, meu nome não é Poliana. Para mim,  todos esses eventos em desrespeito ao jogo e à confiança dos torcedores, como trapaça, corpo mole, arbitragens deliberadamente ruins, arranjos de tabela com uma intenção “oculta”, regulamentos direcionados para privilegiar a incompetência, “se esta for minha”, julgamentos viciados, entre outros, existem, mas foram “crimes desorganizados”.  A falta de transparência, de acesso a informações, de mecanismos de controle, de clareza das regras, associada à dificuldade de aplicar uma punição direta, de dar rosto e nome aos responsáveis por atos danosos ao jogo, preservam o sentimento de impunidade e a recorrência de muitos eventos negativos. Em vez de banir cada um dos torcedores que invadiram um campo para atos de vandalismo e violência, “banem” organizadas ou fecham os portões dos estádios. Não parece mais conveniente? O raciocínio egocentrista, do interesse individual acima de qualquer coisa, nesse cenário, joga livre e fica na cara do gol, para que cada um ache um jeito de promover suas ações controversas com base em seus desejos, mesmo que isso vá ferir a ética, as regras, a confiança. 

O mais curioso é que agora, na versão 3.0 do “choro”, temos instituições e dirigentes duvidando daquilo que fazem parte de uma maneira bem explícita. Redes Sociais, microfones, câmeras e um festival de “eles não vão conseguir”, “contra tudo e contra todos”, “querem que time A seja campeão” , entre outras pérolas. Além de tudo, uma sabotagem ao próprio produto que eles querem (eu acho) valorizar.

A pergunta que faço para encerrar o meu choro (sim, eu também posso) é: QUEM SÃO ELES? Tribunais, cartolagem, federações, torcidas organizadas, elenco, entre outros “vilões sem rosto” são os heróis do caos. Protetores da impunidade. Vivem assim alimentados por dirigentes de clubes, de federações, por torcedores e jogadores, tão perdidos que não sabem nem contra o que lutam mas sabem que esse caos ajuda nas incompetências. “O futebol brasileiro é uma várzea”, bradou um jogador em 2021.

A verdade é que o caminho ainda é longo. “Eles” vão passar. O futebol vai ficar. Interprete a frase acima como achar melhor.  

……….

Cáscio Cardoso é apresentador e comentarista esportivo da Rádio Sociedade da Bahia, do Podcast 45 Minutos e do Futebol S/A. Acredita em um futebol melhor a partir do aprofundamento das ideias e do equilíbrio na relação entre paixão e razão na condução do esporte mais encantador do mundo. É sócio do Futebol S/A.

 

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