Por Ricardo Porto
Quando alguém morre no entorno de um estádio em dia de jogo, mata-se lentamente o que resta da mística do futebol. O encantamento, o brilho no olhar, as conexões afetivas – tudo se enfraquece.
É fácil botar a culpa na paixão desenfreada. É fácil botar a culpa na torcida. Só que não.
Paixão é justamente o que falta. Paixão é fruto do amor. Quem ama não mata. Torcida é paixão. Quando, de maneira irresponsável, a mídia associa torcida à violência, está matando a paixão pelo esporte. Está afastando o amor da equação que representa a solução. Resgatar o amor dos torcedores por suas equipes significa criar as situações para que o amor floresça.
Em 2019, antes do Fla x Flu que sucedeu a tragédia do Ninho do Urubu, uma torcida organizada do Fluminense se postou no alto da rampa que dá acesso do metrô ao estádio do Maracanã. Aos torcedores do Flamengo que passavam, os tricolores ofereciam flores e palavras de carinho. Houve quem recusasse. Houve quem fugisse do contato. Mas houve cenas comoventes, temperadas com abraços e lágrimas. Torcidas, afinal, são movidas por paixão.
Onde estava a mídia para registrar esse momento? Não apareceu.
Em 2022, quando torcidas organizadas, banidas de estádios há anos, negociaram um TAC – termo de ajuste de conduta – com o MP, intermediado por deputados da ALERJ, a mídia desdenhou. Não deu cobertura. Aliás, nunca apareceu em nenhuma das reuniões de implementação do TAC que se seguiram.
Nessas reuniões semanais, que precederam a volta das organizadas aos jogos, MP, PMERJ e torcidas organizadas desenhavam trajetos e condutas a serem cumpridas para evitar confusão e construir o espetáculo. Os encontros engradeceram o futebol do Rio.
No último dia 5 de março, quando a PMERJ foi flagrada em vídeo conduzindo pessoas armadas com bastões rumo ao estádio, antes do confronto que antecedeu o jogo Vasco x Flamengo, a mídia se calou. Preferiu amplificar e aplaudir a decisão do MPE e do Governo do Estado que baniram novamente as organizadas, prenderam seus dirigentes, desta vez sem provas da participação deles e das torcidas no tumulto e morte de um cidadão.
Em 1. de abril, enquanto usava as ruas para soltar bombas de efeito moral, como tem sido a prática nas últimas partidas no Maracanã, essa mesma PMERJ foi incapaz de evitar a morte de um torcedor do Fluminense num bar. Thiago Motta e Bruno Moura foram alvejados por um agente de segurança pública, fora de serviço. Um assassinato que poderia ter sido evitado caso os agentes da lei fossem menos violentos, mais preparados e principalmente, desestimulados a utilizar seus armamentos contra pessoas indefesas em locais públicos.
O despreparo dos agentes de segurança está na raiz da violência conectada à frequência de público em grandes eventos.
Foi um agente de segurança penal que matou o cinegrafista Thiago Motta.
Foi a PMERJ que viabilizou a violência e a morte antes de Vasco x Flamengo.
É o Governo do Estado sob o comando de Claudio Castro que põe em prática o plano de criminalizar organizações civis, tais como torcidas organizadas, mas não apenas elas.
É a mídia oligárquica que empresta visibilidade e credibilidade a esse plano fascista.
Nesta toada mais mortes se sucederão, mais violência será empregada, mais eco terá o discurso da torcida única, que atende aos interesses escusos de quem odeia a manifestação livre do povo organizado.
Crédito imagem: Reprodução
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Ricardo Porto é jornalista e professor, mestre em ciência da informação, diretor da Navve e apresentador do canal 60&Blau.