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A CVM e os Tokens de Mecanismo de Solidariedade

Por Caio Jannini Sawaya Oliveira

Em outubro de 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu o Ofício nº 15/2020/CVM/SRE, em resposta à consulta formal endereçada pelo clube Vasco da Gama, na qual decidiu que os tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade da FIFA que seriam emitidos pelo time não deveriam ser considerados valores mobiliários, escapando à regulação da autarquia.

A modernização das formas de captação das equipes de futebol brasileiro era uma questão de tempo, já que em anos recentes o mercado se voltou à expansão das fontes de renda e atenuação dos resultados fiscais deficitários. No entanto, a decisão da CVM abre caminho para que o futebol brasileiro explore um universo de possibilidades inéditas de capitalização: a criptoeconomia.

E, como indica reportagem publicada pelo Valor Econômico em maio deste ano[1], este movimento não só já começou, como também tem dado bons resultados. Segundo a matéria, nos últimos anos foram firmados cerca de 68 contratos entre times de futebol e empresas que oferecem serviços de originação e estruturação de criptoativos, envolvendo 13 dos 20 times disputam a primeira divisão do Campeonato Brasileiro de 2023 e com a capitalização estimada em 2 bilhões de reais.

Este artigo se propõe a analisar a chegada da tokenização como processo de sofisticação e ampliação do alcance dos mercados alternativos de captação do futebol brasileiro passando pela figura mais importante da partida: o árbitro. Que, neste caso, é a CVM e sua decisão sobre os tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade emitidos pelo Vasco da Gama.

Para tanto, (i) primeiro analisaremos conceituações relevantes a respeito do mercado financeiro e do direito desportivo, a saber a definição de tokens e algumas noções sobre o mecanismo de solidariedade da FIFA. Em seguida, (ii) partiremos para a explicação da operação pretendida (e realizada) pelo Vasco da Gama para depois nos aprofundarmos na análise técnica dos argumentos apresentados pela CVM para desqualificar os tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade da FIFA como valores mobiliários. Por fim, (iii) investigaremos os possíveis impactos que algumas das novidades normativas nacionais e internacionais podem trazer a este novo mercado e, finalmente, faz-se uma breve conclusão.

A definição de tokens para o mercado brasileiro

Os tokens, conforme definição da CVM dada no Parecer de Orientação CVM nº40 e utilizada no Processo nº 19957.004654/2020-93, são títulos digitais intangíveis que representam criptoativos (ou a sua propriedade).

Os criptoativos, por sua vez, são definidos como os ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs)[2].

Portanto, nada mais são do que títulos com representação virtual que refletem a propriedade de determinado ativo ou de direitos a ele atrelado.

A despeito das divergências teóricas que povoam as discussões doutrinárias acessórias em relação às criptomoedas, que têm origem na incapacidade de se criar definição universal para todos os tipos de token, comumente se identificam três principais espécies[3]:

  1. Currency Tokens: tokens que buscam replicar funções ou tomar a forma de moedas, como de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor[4]. As chamadas criptomoedas podem representar novas espécies de moeda ou de segmentos monetários já existentes. Exemplos: Bitcoin e Ethereum;
  2. Utility Tokens: tokens que funcionam como cupons digitais que conferem ao titular o direito de consumo de produtos especializados[5]. Exemplos: fan tokens que dão acesso a experiências exclusivas;
  3. Secutiry Tokens: tokens que representam participação em um ativo ou empreendimento, dando ao titular o direito de receber parcela dos lucros atrelados a determinado ativo [6].. Exemplos: equity tokens em empresas e companhias.

No mundo do futebol, a operação mais comum é a emissão dos chamados fan tokens, que, via de regra são considerados utility tokens. Tratam-se, portanto, de títulos digitais que possibilitam o acesso a serviços exclusivos relacionados à atividade futebolística do time. Exemplo disso são os tokens que dão direito a votar nas terceiras camisas dos times ou os tokens que promovem contato dos fãs com os ídolos do clube[7].

O Mecanismo de Solidariedade da FIFA

Esclarecido o conceito de token, é necessária explicitação do mecanismo de solidariedade da FIFA e dos eventuais direitos que dele decorrem, para a compreensão dos direitos creditórios que se pretende tokenizar.

Integrado ao conjunto de regras da reforma normativa da FIFA em 2001 como forma de fomentar a colaboração e a relação harmônica entre os participantes do ecossistema do futebol mundial[8], o mecanismo de solidariedade é o meio desenvolvido pela FIFA para compensar financeiramente os times formadores de atletas.

Isso porque a despeito de desempenharem papel crucial na formação de atletas – por possuírem categorias de base estruturadas e realizarem investimentos na formação de jogadores – muitas vezes as equipes de base não aproveitam os frutos econômicos quando estes jogadores se tornam profissionais.

Assim, no Artigo nº 21 das Regulations on the Status and Transfer of Players define-se que: If a professional is transferred before the expiry of his contract, any club that has contributed to his education and training shall receive a proportion of the compensation paid to his former club (solidarity contribution).

Ou seja, os clubes responsáveis pela formação de um atleta profissional de futebol deverão receber uma compensação financeira toda vez em que o referido atleta for transferido onerosamente a outro time – isto é, aquelas realizadas antes do vencimento do contrato de trabalho atual que acarretam quebra do vínculo de trabalho e consequente pagamento de compensação.

Em termos práticos, a partir do momento em que um atleta se profissionaliza e assina o seu primeiro contrato de trabalho desportivo, ou seja, quando findo o período de formação do atleta de base, a incidência do mecanismo de solidariedade já é admitida.

Desta maneira, com a ocorrência de qualquer transferência onerosa de um jogador, pela regra da FIFA, o time que está se desfazendo do atleta deverá repassar 5% dos valores totais recebidos pela transação ao(s) time(s) formador(es) do jogador em questão.

O valor do repasse deverá ser integralmente distribuído entre todos os times participantes do processo de formação, sendo dividido por meio de cálculos específicos definidos na norma da FIFA baseados na duração dos respectivos ciclos de formação[9]. A compensação deve ser paga em todas as transferências onerosas da carreira de um jogador, independente do momento e sem estipulação de limite quantitativo.

O mecanismo de solidariedade é, portanto, direito exclusivo do time responsável pela formação de um determinado atleta, não podendo ser negociado, cedido ou alterado, tornando-o totalmente indisponível.

No entanto, o benefício econômico decorrente do mecanismo de solidariedade – ou seja, os pagamentos recebidos pelo time formador quando da transferência do atleta – dá vazão a um direito creditório de propriedade exclusiva do time formador. Este direito é perfeitamente disponível, podendo ser negociado e cedido livremente. E é justamente sobre estes direitos creditórios disponíveis, que se dá esta a operação de tokenização desenhada pelo Vasco da Gama

A Operação de Tokenização do Mecanismo de Solidariedade

A ideia da operação realizada por Vasco da Gama e Mercado Bitcoin, em termos simples, é comercializar publicamente tokens que dão direito ao detentor de receber valores percentuais dos potenciais montantes auferidos pelo time através do mecanismo de solidariedade.

 O produto atingido pelos tokens seria a totalidade dos rendimentos que o time teria com o mecanismo de solidariedade, atrelando-os não a um jogador específico, mas a um grupamento de jogadores pré-determinados (ou até, à totalidade de jogadores considerados ‘formados pelo time’). Assim, os títulos virtuais emitidos (tokens) estariam lastreados a esta ‘cesta de ativos’.

Em termos operacionais, a emissão e comercialização dos tokens não diferem de transações padrão envolvendo ativos financeiros: o detentor de um ativo (time de futebol) contrata um prestador de serviços para estruturar a operação e originar os ativos; os títulos são emitidos e negociados a público por valor unitário inicial pré-determinado pelo emissor; e, posteriormente, podem ser negociados em mercados secundários controlados pelo próprio emissor, sujeitando-se às variações e flutuações naturais de qualquer mercado.

Foi justamente este o modelo desenvolvido pelo Vasco da Gama junto ao Mercado Bitcoin, conforme informativo divulgado no site do time em novembro de 2020[10]. De acordo com o informativo, a operação consiste na emissão de 500.000 tokens comercializados a preço unitário de R$100,00 para a captação de cerca de 50 milhões de reais.

Para chegar no valor previsto para captação, o Mercado Bitcoin e o Vasco fizeram um estudo sobre a valorização dos ‘ativos’ que utilizou como base “(i) o valor de mercado atual destes jogadores estimado no Transfermarket – renomado site do mercado de futebol que apresenta potenciais valores de mercado dos jogadores -, (ii) o potencial de valorização ou desvalorização estimado pelo avançar da idade e (iii) as possíveis transações de compra e venda destes jogadores”.

Como se pode perceber, a operação reúne um conjunto de elementos comumente presentes em operações do mercado financeiro, a exemplo da contratação de serviços de emissão de títulos, preço sujeito à variação de mercado e da negociação em mercado secundário.

Em razão disso, a operação realizada por Vasco da Gama e Mercado Bitcoin introduz uma desafiadora discussão de cunho regulatório: devem os tokens de mecanismo de solidariedade ser enquadrados como valores mobiliários?

 CVM e a desconsideração dos tokens de solidariedade como valores mobiliários

Com o incremento na complexidade do mercado de capitais brasileiro, a atuação da CVM quanto à regulação de valores mobiliários tem sido muito mais reativa do que propositiva. A sofisticação do conceito de valor mobiliário, trazida pela Lei nº 10.303/2001[11], demonstra a intenção do regulador em não criar uma definição taxativa de valor mobiliário, mas sim estabelecer um conjunto de critérios para examinar o enquadramento de um contrato de investimento coletivo qualquer (e o título que o representar) como valor mobiliário.

Tais critérios e, a bem da verdade, todo o processo de análise de enquadramento de um ativo ao conceito de valor mobiliário tem influência direta do “Howey Test” norte-americano, que é um conjunto de critérios utilizados pela Securities Exchange Commission dos Estados Unidos especificamente para este tipo de avaliação[12].

Em termos práticos, os critérios do ‘Howey Test à brasileira’ foram sintetizados no Parecer de Orientação nº 40, de 2022, da seguinte maneira:

  • Investimento: aporte em dinheiro ou bem suscetível de avaliação econômica;
  • Formalização: título ou contrato que resulta da relação entre investidor e ofertante, independentemente de sua natureza jurídica ou forma específica;
  • Caráter coletivo do investimento;
  • Expectativa de benefício econômico: seja por direito a alguma forma de participação, parceria ou remuneração, decorrente do sucesso da atividade referida no item (v) a seguir;
  • Esforço de empreendedor ou de terceiro: benefício econômico resulta da atuação preponderante de terceiro que não o investidor; e
  • Oferta pública: esforço de captação de recursos junto à poupança popular.

Foi precisamente este o método utilizado pelo regulador na decisão do Ofício nº 15/2020/CVM/SRE, responsável por consolidar o entendimento da CVM de que os tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade não são valores mobiliários.

Ofício nº 15/2020/CVM/SRE

O objetivo dos consulentes no contexto do Processo nº 19957.004654/2020-93 era provar a tese de que os tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade não poderiam ser considerados valores mobiliários por não preencherem a totalidade dos critérios que compõem o “Howey Test” e, portanto, não estariam sob a tutela da CVM.

A CVM, por sua vez, acatou integralmente o pedido dos consulentes através de interpretação pormenorizada dos requisitos do Howey Test expostos acima. Passamos agora ao exame da análise técnica realizada pela Autarquia e refletida no Ofício nº 15/2020/CVM/SER:

  1. Investimento: A existência de aporte em dinheiro é incontestável por se tratar de operação financeira em que um time de futebol oferece produtos a investidores que os adquirem mediante contrapartida financeira.
  2. Oferta Pública: Este requisito é preenchido na medida em que os tokens são comercializados publicamente.
  3. Formalização: Os investidores aplicam recursos financeiros para adquirir criptoativos registrados em blockchain na plataforma do emissor. Os tokens, portanto, são os títulos que formalizam o investimento.
  4. Caráter coletivo: Quanto ao caráter coletivo do investimento, por entender não se tratar de critério estático, a CVM utilizou-se de adaptação específica do conceito ao caso fático. Assim, embora entenda impossível a aplicação do conceito original inspirado na SEC norte-americana, de que investimento coletivo propriamente dito é aquele em que investidores unem recursos em prol de um único investimento ou projeto de interesse geral que cria um elo entre os participantes, considerou que a compra de ativos por grupo de pessoas ligadas por objetivo comum, seja ajudar o time do coração ou apostar no potencial de venda de determinado jogador, configura viés coletivo. Portanto, aos olhos da CVM, este requisito foi preenchido.
  5. Expectativa de benefício econômico: Ainda que não haja direito de participação ou parceria de fato, o investidor possui o direito de receber um ganho futuro e incerto representado pela diferença entre o custo de aquisição do token e os valores repassados pelo time quando da ocorrência de venda do jogador, atrelados ao mecanismo de solidariedade. Assim há expectativa de benefício econômico do investidor.
  6. Esforço ou empreendimento de terceiro: Por entender que este requisito se sujeita às peculiaridades de cada caso e que, por si só, o conceito original de “reasonable expectation of profits derived from efforts of others” que inspirou a Lei nº 10.303/2001, não bastaria, o regulador recorreu à versão aperfeiçoada do conceito indicada no Framework for ‘Investment Contract’ Analysis of Digital Assets, documento elaborado pelo FinHub da SEC.

Assim, de acordo com entendimento recente da SEC, o requisito só seria preenchido quando “[a] third party provides essential managerial efforts that affect the success of the enterprise, and investors reasonably expect to derive profit from those efforts”[13]. Adicionalmente, no decorrer do documento, a SEC dá contornos à figura do participante ativo que seria o empreendedor ou terceiro com papel de destaque no negócio, fornecendo expertise na área, se expondo aos riscos do negócio e sendo um relevant decision maker na operação como um todo. Portanto, o preenchimento do requisito de esforço de terceiros depende da existência de um terceiro que não participe diretamente da estruturação e comercialização dos ativos, mas que esteja intrinsecamente ligado ao empreendimento e cujo a participação seja imprescindível para a consecução do negócio e, muitas vezes, à tomada de decisões comerciais[14].

Frente a estas condições, a CVM entendeu que o requisito de esforços de terceiros não foi preenchido por dois motivos. O primeiro deles é o fato de que, na visão da Autarquia, não existe um empreendimento de fato – visto que a eventual transação futura vinculada ao negócio seria motivada por circunstâncias esportivas e não puramente econômicas.

O segundo é que a ocorrência de eventual ganho dos investidores dependeria da atuação de atores estranhos ao negócio, já que (i) o atleta; (ii) o time que se desfaz dos direitos federativos desta atleta; e (iii) o time que adquire tais direitos federativos não possuem qualquer relação com os envolvidos na operação de tokenização, que seriam o emissor e o time formador. Desta forma, é impossível considerar que o time de futebol ou o emissor que oferecem os tokens ao público poderiam ter qualquer ingerência sobre as decisões que acarretariam eventuais benefícios econômicos aos titulares dos tokens.

Portanto, o resultado do Processo nº 19957.004654/2020-93 foi a descaracterização dos tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade como valores mobiliários, quando guardadas as mesmas condições da operação realizada por Vasco da Gama e Mercado Bitcoin, em especial a inexistência de qualquer tipo de vínculo entre os participantes da transação ‘gatilho’ e o time formador que realiza a oferta pública.

O impacto desta decisão é de suma importância para a continuidade deste tipo de operação. Isto porque, se um produto financeiro for considerado um valor mobiliário, caberá à CVM “regularizar tal mercado” aplicando os regimes regulatórios constantes dos artigos 19 e 21 da Lei nº 6.385/76 e da Resolução CVM nº 80/22[15].

Tal regularização de mercados pode ser fatal para a continuidade de uma operação financeira, por implicar no aumento de custos totais atrelados à transparência informacional – como a publicação de informações periódicas e o registro na CVM – e à contratação de terceiros para realizar a oferta pública e os demais serviços previstos.

Assim, a não caracterização dos tokens baseados no mecanismo de solidariedade da FIFA como valores mobiliários, cria um vácuo regulatório que possibilita a estruturação deste tipo de operação sem óbices normativos relevantes, diminuindo drasticamente os custos o negócio e o tornando mais vantajoso do que outras fontes alternativas de renda.

E agora? Inovações normativas e futuro dos tokens de mecanismo de solidariedade

Contribuem para a delimitação dos contornos do mercado dos tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade da FIFA duas atualizações normativas muito relevantes: (i) a criação e implementação da FIFA Clearing House e (ii) a incidência do Decreto nº11.563/2023 que complementa a Lei nº 14.478/2022.

A primeira delas, a FIFA Clearing House, representa mais uma tentativa da FIFA de promover segurança jurídica e equidade aos participantes do mercado do futebol. Criada em 2022 e vinculada ao pacote de reformas apresentado em 2018, a FIFA Clearing House (FCH) nada mais é que uma câmara de compensação criada pela FIFA para aperfeiçoar e automatizar o processo de pagamento dos valores devidos a título de compensação aos clubes formadores.

Em termos gerais, a FCH armazena informações sobre todos times de futebol profissional do mundo, registrando em sua base de dados informações atualizadas sobre times e atletas registrados nas confederações afiliadas. Assim, quando da transferência de algum atleta e do cumprimento da obrigação do time vendedor de transferir à FCH a quantia destinada ao pagamento dos mecanismos de compensação, a entidade realiza o repasse automático dos valores aos times respectivos, a partir dos registros mencionados acima[16].

O impacto gerado pela FCH poderá mudar as finanças do futebol, justamente por se propor a resolver o problema da disparidade entre os valores esperados a título de solidariedade e os valores efetivamente recebidos pelos times formadores[17].

Este cenário afeta principalmente os times com recursos financeiros limitados, que muitas vezes não têm a capacidade de implementar seus próprios departamentos de registro e controle dos atletas formados pelo time ou de eventuais transferências futuras destes jogadores[18].

A criação da FCH, portanto, tem o objetivo de amenizar o desequilíbrio financeiro entre os grandes centros de futebol e demais regiões, auxiliando clubes de menor poderio financeiro a obter seus devidos lucros derivados dos mecanismos de compensação[19].

A segunda das inovações normativas, de impacto exclusivamente nacional, é o advento do Decreto nº 11.563/2023 que complementa a Lei nº 14.478/2022, considerada o “Marco Legal dos Criptoativos”. Isto porque, segundo o decreto, todo e qualquer criptoativo que não seja considerado valor mobiliário pela CVM será de exclusiva responsabilidade regulatória do Banco Central do Brasil[20]. O Banco Central, por sua vez, não possui qualquer regulamentação a este respeito, mas já se comprometeu a editar norma específica para os criptoativos, mediante a consulta pública dos participantes de mercado[21]. Resta saber como tal norma irá afetar o mercado de tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade.

Conclusão

É inquestionável a relevância da emissão de tokens como uma forma de diversificação das fontes de renda para os times de futebol, ainda que este tipo de operação dependa de alguns fatores fora do controle dos times, como a existência de ativos relevantes formados na base do clube que tenham potencial de valorização.

Desta forma, a emissão de tokens atrelados ao mecanismo de solidariedade pode ser uma via de capitalização alternativa para ajudar um mercado que cada vez mais sofre com o endividamento desenfreado (da maioria) de seus principais participantes e tem de ser incentivada pelos respectivos gestores.

Quanto às normas trazidas no item anterior, ainda que existam incertezas quanto a atuação do Banco Central em relação aos tokens que não sejam valores mobiliários, a melhora na transparência e na integridade dos valores devidos em razão da solidariedade trazida pela FCH deverá ter impacto positivo especialmente no mercado de futebol brasileiro, que há décadas figura como o maior exportador de pé de obra do mundo.

A FCH proporcionará maior segurança e proteção aos times de futebol brasileiro independente de sua estrutura e realidade financeira, possibilitando o recebimento de quantias inéditas e imensamente relevantes. Os tokens, então, se tornarão uma alternativa cada vez mais atrativa para os torcedores e investidores que queiram participar do mercado do futebol.

O futebol, como fenômeno cultural e social, naturalmente acompanha as tendências e novidades que surgem em um mercado desportivo cada vez mais globalizado. E é com alívio e esperança renovada que nós, torcedores, celebramos a entrada em definitivo do futebol brasileiro na criptoeconomia.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] Disponível em: https://valor.globo.com/financas/criptomoedas/noticia/2023/05/01/gol-ou-bola-fora-a-quantas-anda-o-mercado-de-fan-tokens-dos-times-do-brasileirao-2023.ghtml

[2] Parecer de Orientação CVM nº 40, de 11 de outubro de 2022.

[3] Zetzsche, D. A., Buckley, R. P., Arner, D. W., & Föhr, L. (2019). The ICO gold rush: It’s a scam, it’s a bubble, it’s a super challenge for regulators. Harvard International Law Journal, 63, p. 276.

[4] Esta é a definição presente no Parecer de Orientação CVM nº 40, que está de acordo com o Investor Bulletin: Initial Coin Offerings da Securities and Exchange Commission (SEC) dos Estados Unidos da América, Disponível em: <https://www.sec.gov/oiea/investor-alerts-and-bulletins/ib_coinofferings>.

[5] COSTA, Isac. Plunct, plact, zum: Tokens, valores mobiliários e a CVM in MOSQUERA, Roberto Quiroga; PINTO, Alexandre Evaristo; EROLES, Pedro. Criptoativos: estudos jurídicos, regulatórios e tributários. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 3.

[6] COSTA, Rafael Viana de Figueiredo. O novo mercado de capitais crypto: estratégias regulatórias para a transformação digital na oferta, negociação, liquidação e custódia de valores mobiliários / Rafael Viana de Figueiredo Costa – 2023

[7] Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2023/04/25/fan-token-do-palmeiras-primeira-acao-sera-workshop-com-weverton-veiga-ou-rony.ghtml

[8] DUARTE, Gabriel de Macedo. Considerações sobre a FIFA Clearing House – pode impactar Brasil e Portugal?

[9] A fase de formação de um atleta de futebol segundo a FIFA é dos 12 aos 23 anos, encerrando-se assim que ele se profissionaliza.

[10] https://vasco.com.br/conheca-detalhes-da-parceria-entre-o-vasco-da-gama-e-o-mercado-bitcoin/

[11] A Lei define que quaisquer contratos de investimento coletivo ofertados publicamente “que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros” devem ser considerados valores mobiliários.

[12] Disponível em:  https://www.sec.gov/corpfin/framework-investment-contract-analysis-digital-assets

[13] Disponível em: https://www.sec.gov/corpfin/framework-investment-contract-analysis-digital-assets

[14] Ofício nº 15/2020/CVM/SRE

[15] Primeiro (a) o de registro e acesso à informação aplicável aos emissores de valores mobiliários, que os obriga a obter registro perante a CVM e prestar informações periódicas e eventuais à Autarquia; e. em segundo, (b) os procedimentos sobre ofertas públicas de distribuição primária ou secundária de valores mobiliários e sobre a negociação de valores mobiliários em mercados regulados.

[16] DUARTE, Gabriel de Macedo. Considerações sobre a FIFA Clearing House – pode impactar Brasil e Portugal?

[17] Para se ter ideia, em 2019, a nível internacional, a diferença entre os valores esperados por meio do mecanismo de solidariedade e os efetivamente recebidos foi de mais de 300 milhões de dólares.

[18] Disponível em: https://leiemcampo.com.br/fifa-muda-mecanismo-e-isso-vai-levar-dinheiro-para-pequenos-clubes/

[19] Disponível em: https://www.fifa.com/legal/football-regulatory/clearing-house/intermediary

[20] Disponível em: http://www.csmv.com.br/regulamentacao-de-criptoativos-o-papel-do-banco-central-do-brasil/

[21] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/bc-fara-consulta-publica-para-regulamentacao-de-criptoativos/

Caio Jannini Sawaya Oliveira – Advogado de Direito Desportivo formado em 2020 pela FG/SP. Fundador e Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Desportivo e Arbitragem da FGV/SP.

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