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A derrota de um jogador e uma patinadora que foi comemorada pelo esporte

O dia 2 de outubro de 2018 trouxe alívio para o movimento jurídico privado do esporte. Nesta data, a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) emitiu julgamento há muito esperado sobre o caso  Pechstein e Mutu v. Suíça [1]. O julgamento tratava sobre a compatibilidade do artigo 6º, nº 1 da Convenção Europeia de Direitos Humanos com o procedimento do Tribunal Arbitral do Esporte.

Os personagens do processo, a patinadora alemã Claudia Pechstein e o ex-jogador de futebol Adrian Mutu, de nacionalidade romena. Eles buscaram o Tribunal Europeu – separadamente – apresentando a mesma contestação. A validade das sentenças decididas contra eles pelo CAS, depois de terem ido anteriormente sem sucesso ao Tribunal Federal Suíço, questionando a independência e imparcialidade do Tribunal Arbitral e a natureza da arbitragem forçada do TAS. Eles alegaram que seus direitos a um julgamento justo, no sentido do  artigo 6 (1) da Convenção Europeia de Direitos Humanos foram violados.

Adrian Mutu foi um atacante romeno que apareceu com destaque no início no final dos 90 e início dos anos 2000. Rápido, habilidoso, foi considerado um dos maiores jogadores romenos deste século, e recebeu o apelido de “O brilhante”. Mas é sobre uma passagem que não engrandece essa biografia que vamos avançar. Em 2005 ele teve o contrato rescindido unilateralmente pelo Chelsea por doping. O jogador foi condenado a pagar uma multa milionária.

O doping contraria o espírito esportivo. Por conta disso, a Justiça esportiva pune doping com rigor. São vários os casos de atletas que perderam grandes eventos por conta do doping. Ídolos de um país, como o nadador chinês Sun Yang[2], campeões mundiais como o norte-americano Christian Colleman[3], artilheiros como Paolo Guerrero[4] e tantos outros receberam penas pesadas que trouxeram prejuízos desportivos gigantes para a carreiras destes atletas. Mas não é só o esporte que se vê agredido pelo doping, a punição por doping também afeta a economia do esporte.

Em 2003 o Chelsea investiu 15 milhões de libras na contratação de Mutu, que era do Parma. Um ano depois, ele foi flagrado no antidoping por uso de cocaína, e foi suspenso pela Fifa por sete meses. O clube inglês rescindiu seu contrato alegando justa causa.

Sem contrato, o jogador se transferiu para a Juventus, e o clube londrino entrou com uma ação na Corte de Resolução de Conflitos da FIFA cobrando um ressarcimento por violações dos termos de contrato de trabalho. Após dois julgamentos na FIFA, ficou definido que o jogador teria que pagar multa de US$ 20 milhões, mas Mutu recorreu ao TAS.

O Tribunal Arbitral do Esporte ratificou a decisão,[5] mantendo suspensão do atleta e a multa milionária. O romeno não se entregou, e então decidiu apelar ao Tribunal Federal Suiço, um tribunal estatal que revisa decisões do TAS dentro do movimento jurídico privado do esporte. Ele alegava que o Tribunal privado do esporte, o TAS, “não era independente, nem imparcial”, características inseparáveis da justiça.

O tribunal analisou o caso e definiu que[6] “a apelação apresentada pelo jogador romeno foi considerada infundada”, que o painel do TAS poderia ser considerado independente e imparcial, e definiu que o clube londrino deveria receber o valor estipulado pela FIFA no primeiro julgamento.

Um ano depois da decisão do Tribunal suíço, Adrian Mutu solicitou a proteção da Tribunal Europeu de Direitos Humanos, argumentando, essencialmente, que ele não teve direito a um julgamento em um tribunal “independente e imparcial”. Alegou também a natureza da submissão à arbitragem forçada do TAS, afirmando que seus direitos a um julgamento justo, na acepção do artigo 6 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, haviam sido violados.

Já Claudia Pechstein, patinadora de velocidade profissional que ganhou mais de cinquenta (50) medalhas em competições internacionais, também enfrentou um julgamento por doping.

Em 2009, a União Internacional de Patinação (“ISU”) suspendeu-a com uma suspensão de dois (2) anos depois de testar positivo em exame  antidoping. Pechstein recorreu dessa decisão perante o TAS, que, após a audiência pertinente, confirmou a suspensão imposta pela ISU. Posteriormente, o Tribunal Federal Suíço também indeferiu sua ação que consistia na anulação da sentença proferida pelo CAS.

Nesse contexto, a patinadora recorreu a tribunais estatais alemães.  No entanto, tanto o Tribunal de Apelação de Munique quanto o Tribunal Federal Alemão emitiram decisões indeferindo as reivindicações do atleta. Então, a atleta decidiu tomar o mesmo caminho de Mutu.

Pechstein apresentou uma reclamação junto à Corte Europeia, alegando que os seus direitos fundamentais contidos no  artigo 6.º, n.º 1, da CEDH , tinham sido violados , que devido ao caráter ” forçado”  da cláusula compromissória contida na Regras da ISU, não havia renunciado adequadamente aos seus direitos. Além disso, alegou que seus  direitos não foram respeitados por um  “tribunal independente e imparcial”;  e que ela não teve uma  “audiência pública”  apesar de ter solicitado uma. Apresentou igualmente um pedido de indemnização por danos ao abrigo do  artigo 41.º da CEDH pelas perdas sofridas ao contestar sem sucesso a decisão do TAS nos tribunais alemães.

A Corte Europeia, entendendo as semelhanças nos pedidos dos reclamantes, decidiu julgar os dois casos em um mesmo documento.

Em outubro de 2018, o Tribunal de manifestou. E ele não deu razão ao jogador e à patinadora. A Corte afirmou que o painel do TAS não era incompatível com o artigo 6 da Convenção de Direitos Humanos. Ela destacou que o TAS era um tribunal imparcial e independente.

No que dizia respeito ao financiamento do TAS por entidades desportivas, a CEDH destacou que os tribunais estatais são financiados pelos governos e considera que este aspecto – por si só – não é suficiente para estabelecer a falta de independência ou imparcialidade dessas jurisdições. Por analogia, a Corte entende que não é possível estabelecer a falta de independência ou imparcialidade do TAS com base em seu sistema de financiamento.

A decisão trouxe um alívio ao movimento esportivo. Ela confirmou que o TAS é um tribunal arbitral independente e que a arbitragem dele (e a indicação e designação de seus árbitros) é compatível com os direitos processuais fundamentais e o devido processo legal. Uma decisão diferente colocaria em xeque toda a cadeia jurídica privada do esporte.

Segundo Antoine Duval, [7]“a partir daí, parece difícil argumentar que os procedimentos do TAS não estão sujeitos ao artigo 6 §1 da CEDH, embora ainda haja debates para determinar se os procedimentos do TAS estão em conformidade com as garantias do devido processo nele consagradas”.

O caso também escancara como a verificação externa exercida por tribunais estatais como o Tribunal federal Suiço, tribunais de defesa de direitos humanos  TEDH, e outros tribunais nacionais que cumpram normas com base na CEDH tem papel decisivo para proteger dentro do TAS os direitos fundamentais e o devido processo legal.

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[1] Em  http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-186434, última consulta em 10 de julho de 2022.

[2] Em https://www.record.pt/modalidades/natacao/detalhe/sun-yang-perde-ultimo-recurso-em-processo-de-doping-e-so-regressa-em-2024, última consulta em 11 de julho de 2022

[3] Em https://esportes.estadao.com.br/noticias/geral,campeao-mundial-dos-100m-christian-coleman-e-punido-por-perder-exames-antidoping,70003336076, última consulta em 11 de julho de 2022

[4][4] Em https://leiemcampo.com.br/caso-guerrero/, última consulta em 12 de julho de 2022

[5][5] Em CAS 2005/A/876 M. v. Chelsea Football Club , sentença de 15 de dezembro de 2005

[6][6] Em 4A_458/2009 

[7] Em https://link.springer.com/article/10.1007/s40318-022-00221-6 , última consulta em 5 de julho de 2022

 

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