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A difícil decisão de suspender ou não o Brasileirão

O Brasil acompanha estarrecido a tragédia climática que tem acometido o Rio Grande do Sul. Até o momento, contabilizam-se quase uma centena de mortes e dezenas de desaparecidos, além de destruição digna de uma grande guerra, com cidades completamente devastadas e o aeroporto de Porto Alegre interditado.

A tragédia também impactou os times de futebol do estado. Imediatamente, a CBF e a CONMEBOL, sensíveis à situação, adiaram as partidas dos clubes gaúchos.

Posteriormente, os clubes gaúchos pleitearam a suspensão do Campeonato Brasileiro, destacando que “a prioridade do momento é o apoio aos necessitados e vítimas das enchentes no estado, além da restauração da infraestrutura mínima para garantir a segurança de todos os envolvidos em eventos esportivos.” Tanto os centros de treinamento quanto os estádios de Internacional e Grêmio estão alagados e inutilizáveis. O Atlético Mineiro, inclusive, ofereceu seu CT como alojamento e espaço de treinamento para as equipes afetadas.

O argumento pela suspensão total do campeonato está enraizado, ainda, na busca por isonomia entre os clubes do Rio Grande do Sul e os outros participantes. Se os jogos não forem suspensos, os clubes gaúchos enfrentarão um calendário excessivamente carregado nos próximos meses, competindo contra adversários com agendas mais ajustadas, o que poderia gerar um desequilíbrio esportivo significativo, potencialmente resultando em maus desempenhos e até mesmo no rebaixamento, algo que afeta diretamente a integridade do torneio.

O Regulamento Geral das Competições (RGC) da CBF não prevê a suspensão ou paralisação do torneio por motivos climáticos, mesmo que extremos, como os ocorridos no Rio Grande do Sul. Contudo, há cláusulas que autorizam a modificação da tabela e alterações das partidas “por motivo de força maior,” mas não contemplam a suspensão total do campeonato.

O Regulamento Específico da Competição (REC) da Série A do Brasileirão de 2024, em seu artigo 35, parágrafo 2º, também autoriza alterações por motivos de força maior, pandemia ou razões excepcionais, mas não menciona explicitamente a paralisação completa da competição.

A CBF pode, contudo, modificar a tabela e suspender partidas, redistribuindo-as ao longo das semanas ou meses seguintes, desde que informe clubes e federações estaduais via sua Diretoria de Competições (DCO).

No entanto, isso apresenta desafios práticos, como dificuldades de calendário, desequilíbrio técnico e problemas de deslocamento. A CBF deve considerar cuidadosamente todas as opções disponíveis para apoiar os clubes gaúchos sem prejudicar a economia do futebol brasileiro e sua reputação internacional.

Um caso comparável ocorreu na Turquia, em fevereiro de 2023, quando um terremoto devastou a região sudeste do país, resultando em cerca de 46 mil mortes. Mesmo com o epicentro afastado das maiores cidades, a SuperLig turca foi suspensa por duas semanas. Clubes de áreas fortemente atingidas, como Gaziantep e Hatayspor, tiveram que abandonar a competição devido à falta de estrutura e também a questões psicológicas.

Embora as inundações no Rio Grande do Sul não devam alcançar o mesmo número de vítimas que o terremoto turco, o desastre não pode ser medido apenas pelas fatalidades. O “pós-tragédia” pode ser caótico, com proliferação de doenças, estruturas danificadas, traumas sociais e uma retomada difícil da vida cotidiana.

Tomar decisões em meio a uma tragédia é difícil, pois separar razão de emoção torna-se desafiador. Decisões contra o clamor público podem ser mal recebidas, mas é crucial agir racionalmente para evitar danos ainda maiores.

O Brasil é um país vasto, e as competições nacionais enfrentam desafios regionais distintos. Clubes do Norte e Nordeste, por exemplo, costumam enfrentar longas viagens que prejudicam o tempo de treinamento e criam desvantagens logísticas. Infelizmente, anualmente, Minas Gerais e Rio de Janeiro enfrentam tragédias com enchentes. Minas enfrentou a tragédia de Brumadinho. O Manaus, que disputa a Série B, está a milhares de quilômetros dos seus adversários. Enfim, argumentos para uns e outros buscarem isonomia não faltam.

As quatro divisões do campeonato brasileiro possuem 124 clubes, destes, 9 são gaúchas, menos de 10%.

A tragédia no Rio Grande do Sul é terrível, mas a suspensão completa do Campeonato Brasileiro afetaria 115 clubes, sendo medida extretamente desproporcional.

A indústria do futebol brasileiro movimenta bilhões de reais, com um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) indicando que gera cerca de R$ 52 bilhões anuais e emprega mais de 150 mil pessoas diretamente. Suspender a competição prejudicaria essas receitas e ameaçaria os empregos de milhões que dependem direta ou indiretamente do futebol.

Patrocinadores e emissoras de televisão investem pesado no futebol. Contratos firmados com clubes, marcas e organizadores, além de acordos internacionais, podem sofrer prejuízos incalculáveis.

Se interrompidos, os efeitos seriam sentidos por toda a cadeia produtiva, afetando até pequenos comerciantes que vendem produtos relacionados ao futebol.

Dinheiro não é mais importante quando se fala de vidas, mas a recuperação do Rio Grande do Sul e dos sobreviventes depende dele e reduzir arecadações e faturamento com o futebol não parece ser a melhor alternativa.

O calendário do futebol brasileiro é finito, e não há margem suficiente para atrasos significativos. O Brasil precisa finalizar suas competições a tempo de realizar as indicações para competições internacionais.

O adiamento excessivo prejudicaria clubes que disputarão torneios continentais, levando-os a enfrentar rivais de outros países com ritmo de jogo defasado. É muito mais fácil reordenar partidas de 09 clubes do que de 115.

Clubes de todo o Brasil fizeram investimentos significativos em infraestrutura, tecnologia, reforços e logística, além de preparação física e tática para suas equipes.

A interrupção total do campeonato resultaria em um enorme prejuízo financeiro, além de comprometer o retorno dos investimentos feitos em busca de metas estratégicas.

Manter a continuidade do campeonato, com ajustes necessários, não representa falta de empatia. Ao contrário, é uma aplicação do princípio “pro competicione”, que visa proteger a integridade das competições e minimizar os danos já causados pela tragédia.

A suspensão total pode prejudicar ainda mais pessoas do que as enchentes, com um efeito cascata sobre empregos, economia, arrecadação tributária, e o próprio PIB do país e o desenvolvimento do esporte.

A decisão, portanto, deve ser baseada no equilíbrio entre apoio às vítimas e o reconhecimento de que a paralisação completa pode ter um efeito mais nocivo.

Crédito imagem: CBF

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