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A Esperança Equilibrista

Por Tom Assmar

A Economia é uma área do conhecimento humano fascinante e contraditória, um campo de batalha onde as ciências exatas (matemática e estatística) duelam com as ciências humanas (sociologia, psicologia, antropologia e história) em busca da “verdade”. Nunca é fácil conciliar dois mundos tão diferentes e ao mesmo tempo tão complementares, mas entre todos os seus infinitos índices, taxas e indicadores há um que demonstra com clareza como esses mundos podem se encontrar, traduzindo de forma numérica a percepção de uma população em relação ao seu futuro e ocupando um lugar central na tomada de decisão de investimentos públicos e privados: o Índice de Confiança do Consumidor – ICC.

É incrível como números podem demonstrar sentimentos, como faz o ICC ao tentar captar ao longo do tempo as mudanças de humor de uma sociedade em relação às suas condições presentes e à sua crença sobre o que ainda virá. É fácil perceber que a expectativa que temos sobre o nosso futuro pessoal ou coletivo afeta diretamente o nosso comportamento atual. Se acreditarmos que nossa vida será mais difícil nossa tendência natural será por sermos mais conservadores, poupando recursos, reduzindo gastos e cortando investimentos, gerando assim uma menor produção de riqueza material e imaterial. A descrença empobrece. Por outro lado, a crença em um futuro melhor nos motiva a acelerar nosso consumo e nossa propensão a investir, criando um círculo virtuoso que – se conduzido corretamente – pode gerar maior riqueza e desenvolvimento econômico e social. O que ainda não existe será sempre uma aposta, já que o amanhã pode ser um pouco de tudo: uma parte promessa e conquista, outra parte decepção e tristeza. É do jogo … por isso é sempre saudável manter no nosso estoque afetivo um pouquinho de esperança, só para poder temperar a vida com um sabor mais doce.

Eu sonho mais alto que drones. Combustível do meu tipo? A fome … Pra arregaçar como um ciclone (Entendeu?)

Pra que amanhã não seja só um ontem com um novo nome

AmarElo – Emicida

Construir essa esperança é um trabalho coletivo, leva tempo e precisa ser reforçado continuamente pela realidade. Não bastam promessas ou apenas boas intenções. É preciso que nossa vida fique melhor para que a gente continue acreditando que ela será ainda melhor. Ainda assim, os elementos simbólicos sempre cumprem um papel importantíssimo ao abrir as janelas emocionais necessárias para que essa crença entre na nossa vida e se instale confortavelmente nos nossos corações e mentes. Datas e eventos marcantes ocupam lugar de destaque: a páscoa representa o renascimento da vida; aniversários encerram e iniciam ciclos; os brindes do ano novo trazem uma promessa (quase uma certeza) de dias melhores; eleições constroem (espero !!!) um novo pacto nacional. E no nosso futebol, a mudança regulatória da SAF possibilita acreditar novamente que – no médio prazo – nossos clubes poderão retomar o protagonismo que já tiveram no passado, qualificando sua governança e aumentando sua competitividade.

A grande riqueza que a SAF pode criar não estará no mero aporte financeiro trazido pelos novos investidores. Há coisas muito mais valiosas sendo trazidas à mesa. Para os clubes, a simples participação em redes mundiais abre janelas de cooperação que passam por todas as suas agendas estratégicas: medicina esportiva, formação de jogadores e gestores, técnicas de scouting, modelos táticos, sistemas de informação, infraestrutura de treinamento, fontes de financiamento … a lista é longa, e o potencial positivo é evidente e fácil de enxergar. Mas há um elemento difuso, invisível, pouco avaliado e com consequências ainda imprevisíveis, e que pode ser a grande transformação trazida ao ecossistema do nosso futebol. Ao assumirem a operação dos principais clubes brasileiros, a presença dos maiores grupos mundiais de negócios do esporte não passará despercebida. Eles não estão aqui apenas para adquirir e operar ativos baratos. Não serão coadjuvantes nesse espetáculo. Ao contrário, sua imensa força gravitacional será responsável por mudanças profundas na estrutura, regulação e operação dos nossos campeonatos, impulsionando os movimentos em torno da formação de uma liga de clubes e mudando de forma definitiva a geopolítica do poder dessa indústria. Como sempre, haverá vencedores e perdedores pelo caminho. Mas há de fato um movimento que traz perspectivas de dias melhores para todos. Grandes barcos só navegam em águas profundas. Quando a maré sobe, todos temos a chance de irmos mais longe.

Mas sei que uma dor assim pungente, não há de ser inutilmente, a esperança

Dança na corda bamba de sombrinha, e em cada passo dessa linha, pode se machucar

Azar … a esperança equilibrista, sabe que o show de todo artista, tem que continuar.

O Bêbado e a Equilibrista – João Bosco & Aldir Blanc

Não tenho ilusões que tudo será perfeito, maravilhoso, irretocável. Veremos ainda muitos problemas jurídicos, erros estratégicos e recuos necessários. Haverá grupos sérios e investidores oportunistas, projetos consistentes e terrenos na Lua. Mas de certa forma hoje já não estamos assim ? Como negócio, somos um grande fracasso. Os 40 maiores clubes brasileiros têm dívidas consolidadas de mais de R$ 10 Bilhões. São praticamente isentos de impostos, e ainda assim conseguem dever tributos. Em média, 40% das suas receitas estão ligadas à venda de direitos de transmissão, mas apesar disso escolheram negociá-los individualmente (todas as 5 principais ligas mundiais negociam em conjunto). A SAF não é uma imposição nem uma obrigação, mas para a imensa maioria dos clubes pode ser a oportunidade de trilhar novos destinos. Sei que ainda não estou preparado para que meu time de coração tenha dono, mas mesmo sabendo de todos os riscos que posso correr ao aceitar e abraçar essas mudanças, prefiro acreditar que nosso cenário futuro será melhor. Haverá falhas, perdas e decepções, mas esse caminho tortuoso pode nos levar a lugares mais altos com vistas melhores. Só peço que minha esperança equilibrista seja capaz de me conduzir ao ponto certo onde expectativa e realidade possam efetivamente se encontrar. Já perdi tempo demais …

Crédito imagem: getty images

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Tom Assmar tem graduação e mestrado em Administração, e atua há mais de 25 anos com gestão, planejamento e finanças. Acredita que o futuro do nosso futebol passa necessariamente pela formatação de um produto que atenda aos interesses coletivos e pela qualificação da gestão dos clubes. É sócio do Futebol S/A.

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