Por Pedro Deslandes
É inegável que nos últimos anos o número de jogadores estrangeiros no futebol brasileiro aumentou consideravelmente. Não coincidentemente, a participação dos gringos nos destaques e estatísticas do campeonato aumentaram exponencialmente. Por isso, mudanças já foram realizadas nas regras de campeonatos para aumentar esse mercado. Mas quais são as consequências dessa influência internacional no nosso esporte?
Inicialmente, devemos admitir que o futebol brasileiro é atrativo a jogadores estrangeiros, ou pelo menos aos jogadores da América do Sul. Isso porque, apesar do nosso futebol não viver seus momentos de maior “glamour”, a influência e hegemonia dos nossos clubes nas competições continentais é inegável. Na última Copa Libertadores da América, edição 2021, a presença de clubes brazucas nas quartas de final da competição era de 5/8, sendo que, pela segunda vez consecutiva, a final foi disputada entre duas equipes nacionais. Não obstante, esse último título foi o 6º conquistado por um time do Brasil nos últimos 10 anos.
Além disso, o mercado nacional se encontra extremamente aberto a jogadores vindos de países vizinhos. Isso se deve ao fato que, como nossos talentos estão sendo exportados cada vez mais jovens e em maior número para ligas de maior expressão e/ou poder econômico, como as ligas europeias e do Oriente Médio, as vagas de ídolo da torcida e craque do brasileirão encontram-se abertas para atletas que demonstrem potencial ou algum destaque em torneios vizinhos. Assim, somada à capacidade econômica de custear esses jogadores dos clubes brasileiros em relação a concorrentes América do Sul, as condições mercadológicas do esporte nacional fazem com que o cenário do país seja atraente aos jogadores gringos.
Desse modo, foi ficando cada vez mais comum a aparição de estrelas estrangeiras no nosso futebol. Em 2005, quatro gringos figuravam na seleção do Brasileirão. No brasileiro de 2010, os meias argentinos Conca (Fluminense), Montillo (Cruzeiro) e D’Alessandro (Internacional) disputavam o prêmio de craque do campeonato. Além disso, é muito comum que jogadores estrangeiros se tornem ídolos (ou ao menos conquistem boa parte da torcida) nos clubes que passam, como os exemplos: Jorge Valdivia (Chile – Palmeiras), Juan P. Sorín (Argentina – Cruzeiro), “Carlitos” Tevez (Argentina – Corinthians), Dejan Petkovic (Sérvia – Flamengo), Diego Lugano (Uruguai – São Paulo), Clarence Seedorf (Holanda – Botafogo), dentre tantos inúmeros “cases de sucesso”.
Dados de uma pesquisa do Grupo Pluri Consultoria, realizada em dezembro/2019, demonstram que houve um crescimento de 155% do número de jogadores estrangeiros atuando na primeira divisão do Campeonato Brasileiro num período de 10 anos (2009 – 2019), sendo que, nesse último ano da pesquisa, eram 84 atletas vindos de outras origens, contra “apenas” 33 em 2009.
Mesmo assim, o futebol brasileiro ainda é um dos mais “fechados” do mundo. Isso porque, com o percentual médio de 8,5% de representatividade de estrangeiros nos elencos, o Brasil figura na 80ª posição do ranking de “Porcentagem de Estrangeiros nas Primeiras Divisões do Mundo” (2019), ficando apenas à frente de outros 5 países. Nessa mesma lista, a liga mais valiosa do planeta, Premier League – Inglaterra, lidera com 65,1%. Na sequência enxergamos ligas de valor e expressão no cenário mundial, como a Portuguesa (2º – 64,8%), Italiana (5º – 58%), Alemã (10º – 52,9%), Francesa (16º – 46,6%) e Espanhola (21º – 40%). Não obstante, algumas Ligas de menor expressão, entretanto grande potencial investidor, também figuram em melhores colocações, como a dos EUA (7º – 56,3%), Turquia (15º – 46,8%), México (22º – 38,6%) e Arábia Saudita (40º – 25,7%). O primeiro campeonato sul-americano a figurar nessa contagem é o Chile, somente na 46ª colocação com o percentual de aproximadamente 24%.
Mas afinal, qual o motivo para essa diferença entre o Brasil e o resto do mundo? As respostas para essa pergunta passam pelo âmbito jurídico, econômico e cultural.
Primeiramente, abordemos o âmbito jurídico. Até o ano de 2013, existia no país o limite de 03 jogadores estrangeiros inscritos por partida para cada equipe, o que desmotivava a contratação de um número maior de atletas internacionais. Entretanto, a partir da temporada de 2014 esse limite aumentou para 5 atletas de cada time por jogo, aumentando, consequentemente, a abertura dos clubes para rechear os seus elencos de gringos. Nas grandes ligas europeias, que lideram o ranking citado anteriormente, os limites de jogadores extracomunitários no elenco são, respectivamente: Espanha (3 atletas), França (4 atletas) e Alemanha (5 atletas). No campeonato italiano as regras são um pouco mais complexas: Não existe um limite de estrangeiros por equipe, desde que contenham ao menos 8 atletas formados no país inscritos nos campeonatos, com 4 deles sendo formados no próprio clube. Além disso, existe uma imposição de apenas 2 contratações extracomunitárias por temporada.
Mesmo com restrições muito mais rígidas que a do Brasil, os países citados acima possuem um número de estrangeiros por campeonato muito superior (muitas vezes o dobro de indivíduos). Isso porque, no caso de grande parte das nações europeias, jogadores nascidos em países que compõe a União Europeia não considerados estrangeiros, facilitando o intercâmbio desses atletas. Além disso, ocorre de alguns países emitirem passaportes nacionais para atletas que já estejam há muito tempo no país, fazendo com que este pare de ser considerado um extracomunitário, como foi o caso de Lionel Messi (Argentina) na Espanha.
Já no âmbito econômico, a relação é fácil. O momento socioeconômico do Brasil, seja pela moeda desvalorizada, baixa receita dos clubes, e consequentemente poder de compra e salário das equipes, ou pelo alto custo de uma vida de qualidade no país, não permite que o mercado brasileiro compita com outros de maior poder financeiro, como o europeu, árabe, chinês, estadunidense, dentre tantos outros. Desse modo, para um jogador estrangeiro é muitas vezes mais atraente uma proposta de um clube mediano em uma liga secundária que ser a estrela de um dos gigantes brazucas.
Não à toa, a gigantesca parte dos estrangeiros que atuam no futebol brasileiro atualmente são de locais com condições socioeconômicas parecidas ou inferiores à nossa, vindos principalmente dos vizinhos sul-americanos. Dos poucos exemplos advindos de origens europeias, boa parte deles aceitou o “desafio” de jogar no Brasil por uma conexão com nossa cultura, seja por influência de um parente brasileiro ou por uma admiração de infância à seleção nacional, raramente realmente convencidos pelo projeto ou pelas condições propostas. Assim, o futebol brasileiro não consegue trazer os grandes destaques do futebol mundial, e, quando os traz, encontrar dificuldade para mantê-los.
Com isso, chegamos, finalmente, ao âmbito cultural. Como dito anteriormente, o Brasil encontra problemas para manter os jogadores estrangeiros que se destacam, mas, na realidade, o país mal consegue manter os seus próprios jogadores. Culturalmente, no contexto globalizado em que vivemos, o país é um exportador de atletas, que são negociados como promessas desde jovens, renda esta que representa boa parte dos ganhos dos clubes na temporada.
Além disso, o futebol é um esporte extremamente popular no país, possuindo um enorme número de praticantes e aspirantes. Logo, ao contrário de alguns países que figuram nas primeiras colocações do ranking onde o esporte não possui um grande número de atletas nacionais, seja por pouca popularidade do esporte frente a outras, como os EUA (7º), seja por baixo número populacional, como Chipre (3º) e Andorra (8º), os times brasileiros não precisam se esforçar e importar jogadores para preencherem seus elencos.
Desse modo, chegamos à seguinte questão: A “estrangeirização” dos elencos é uma boa para o futebol brasileiro?
Se pararmos para analisar o futebol europeu, essa resposta parece óbvia. A equipe do Chelsea (Inglaterra), atual campeão da Liga dos Campeões da Europa (2021), maior competição de clubes do mundo, entrou naquela final com apenas 2 dos seus 11 jogadores titulares possuindo nacionalidade inglesa. Seu oponente naquela ocasião, Manchester City (Inglaterra), possuía, por sua vez, somente 4 jogadores nascidos em solo britânico.
Trazendo para o futebol brasileiro, alguns times se destacam pela quantidade de estrangeiros no elenco. Nacho Fernandes, Zaracho, Eduardo Vargas, Alan Franco, Savarino, Junior Alonso e Diego Costa são nomes que não só tem prestgio dentro de suas seleções nacionais, como também possibilitaram que o Atlético-MG conquistasse o título brasileiro depois de 50 anos. O mesmo, entretanto, não pode ser dito do São Paulo. O tricolor paulista possuía 8 gringos em seu esquadrão, tendo que deixar pelo menos 3 deles de fora em cada partida. Em uma oportunidade, inclusive, a equipe chegou a relacionar 6 atletas para um confronto, mas teve que cortar o lateral colombiano Orejuela para se adequar às regras do Brasileirão. A campanha do São Paulo, entretanto, deixou muito a desejar, brigando contra o rebaixamento na maior parte da competição.
Muito valorizados no país também estão os técnicos estrangeiros. Na Série A de 2021, dos 20 times participantes, 9 foram representados por um gringo na mesma rodada. Isso sem contar treinadores que tiveram passagens marcantes nos anos anteriores e se transferiram para equipes da Europa, como Jorge Jesus, Sampaoli, Domènec Torrent e Eduardo Coudet.
Desse modo, podemos concluir que a estrangeirização do futebol brasileiro não é sinônimo de sucesso. Claro que a vinda de estrangeiros para o nosso cenário é benéfica para a comercialização do nosso campeonato e a vinda de novas visões sobre o jogo. Entretanto, um elenco recheado de estrangeiros (sejam atletas, sem comissão técnica), não garantem as glórias e o crescimento do nosso esporte. Além disso, uma abertura maior para jogadores gringos pode acarretar em um menor espaço para que possamos desenvolver e evoluir nossos jogadores “prata da casa”, também muito importantes para a valorização do futebol nacional.
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Pedro Deslandes é acadêmico de Direito pela PUC Minas e estagia no Departamento Jurídico do Cruzeiro EC, sendo participante do GEDD PUC-MG e do GEDD PUC-PR.