Pesquisar
Close this search box.

A estrutura da Justiça Desportiva brasileira

Por Isabel Azevedo[1]

Fabio Trubilhano[2]

Introdução; 1. Direito Desportivo (Paradigma Constitucional); 2. Os Princípios do Direito Desportivo; 2.1. Contraditório e Ampla Defesa; 2.2. Publicidade; 2.3. Legalidade; 2.4. Devido Processo Legal; 2.5. Motivação; 2.6. Proporcionalidade e Razoabilidade; 2.7. Celeridade e Economia Processual; 2.8. Independência; 2.9. Oralidade; 2.10. Oficialidade; 2.11. Impessoalidade; 2.12. Moralidade; 2.13. Pro Competitione; 2.14. Tipicidade Desportiva; 2.15. Fair Play; 2.16. Par Conditio; 3. A Justiça Desportiva como Entidade Autônoma e Privada; 3.1. Estrutura Piramidal e Órgãos da Justiça Desportiva; 3.1.1. Comissões Disciplinares; 3.1.2. Tribunais de Justiça Desportiva; 3.1.3. Superior Tribunal de Justiça Desportiva; 3.1.4. Procuradoria da Justiça Desportiva; 4. O Processo Desportivo; 5. Os Recursos Previstos no Código Brasileiro de Justiça Desportiva; 5.1. Recurso Voluntário; 5.2. Embargos de Declaração; Considerações Finais.

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo apresentar a estrutura piramidal da Justiça Desportiva brasileira, explorando suas particularidades enquanto justiça privada, e os elementos em comum com o Direito Processual, sob a ótica da modalidade esportiva futebol. A partir do prisma constitucional, serão abordados os princípios que norteiam esse ramo do direito, a sua organização estrutural e o seu funcionamento como uma entidade autônoma e independente.

Palavras-chave: Justiça Desportiva. Justiça Privada. Estrutura Piramidal. Órgãos da Justiça Desportiva. Processo Desportivo Brasileiro.

ABSTRACT

The goal of this study is to present the pyramidal structure of the Brazilian Sports Justice, exploring its particularities as private justice, and the elements in common with Brazilian Procedural Law, from the perspective of the sports modality soccer. From the constitutional prism, it will be addressed the principles that guide this métier of law, its structural organization and its functioning as an autonomous and independent entity.

Key Words: Sport Justice. Private Justice. Pyramidal structure. Principles: Court of Sports Justice, Brazilian Sports Process

INTRODUÇÃO

A Justiça Desportiva brasileira possui características próprias se comparada ao ramo do Direito Desportivo sob a óptica internacional. Na prática esportiva profissional do futebol, por exemplo, ao ingressar nos quadros da federação internacional, as entidades nacionais têm de cumprir o estatuto da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), segundo o qual compete à Court of Arbitration for Sport (CAS) reconhecer os litígios internacionais dessa modalidade, sendo, em regra, proibidos recursos aos tribunais da justiça comum.

A estrutura da Justiça Desportiva nacional, por sua vez, pode ser caracterizada como piramidal, em que há hierarquização de instâncias, e apresenta diversas particularidades e semelhanças com a organização do Poder Judiciário. Ela partilha de vários princípios da justiça comum, mas também tem aqueles específicos da sua seara cuja aplicação somente se dá em decorrência das relações e das práticas de desporto.

Possui previsão na Constituição Federal de 1988 e regulamentação em leis infraconstitucionais, com destaque o Código Brasileiro de Justiça Desportiva e a Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Apesar de relativamente nova, possui um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe conferem autonomia, identidade e independência em relação aos outros ramos do direito.

Isso não significa uma atuação completamente sui generis, visto que ao Direito Desportivo se aplicam várias matérias de outros campos jurídicos, como, v.g., normas e regras do Direito do Trabalho destinadas à regulamentação do contrato de trabalho dos jogadores de futebol.

O artigo em questão analisa essa justiça privada sob a óptica da modalidade de esporte futebol, que desperta nos brasileiros paixão e fascínio na disputa dos diversos campeonatos existentes. Em toda competição, torcendo ou apenas acompanhando, a presença e audiência da população brasileira são notáveis, sendo o futebol, evidentemente, o esporte de maior moção nacional e, quiçá, mundial.

  1. DIREITO DESPORTIVO (PARADIGMA CONSTITUCIONAL)

A palavra esporte conceitualmente traz a ideia da prática de exercício, realizada individualmente ou em grupo (MICHAELIS, 2008, p. 352). Essa ideia de atividade, conjugada a uma conduta humana, é denominada pela doutrina especializada de “desporto”, o qual também compreende atividades de recreação, lazer e divertimento, quando tomado em seu sentido amplo.

Como fato social, o surgimento do desporto antecede à atividade legiferante, existindo independentemente de haver ou não norma que o regulamente. Nas palavras de Rafael Fachada (2016, p. 26-28), isso tem sido uma das dificuldades em se enquadrar o direito ao desporto em uma das gerações dos direitos fundamentais, como se direito puro fosse.

Esse fato, contudo, não foi impeditivo para que a Constituição Cidadã trouxesse em seu corpo disposições expressas a respeito do desporto, destinando-lhe uma seção única, no capítulo III, do título VIII (Da Ordem Social) em que trata também dos direitos sociais da educação e da cultura. No plano formal, é também ela quem fixa a atribuição de legislar sobre desporto, conferindo competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para dispor sobre a matéria, nos termos do artigo art. 24, inc. IX.

No plano material, preleciona o caput, do artigo 217, da Constituição Federal que “É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um […]”. Conclui-se que o desporto é um direito de toda população e sua prática deve ser protegida, incentivada, desenvolvida e facilitada por todos os entes da federação, seja na sua dimensão profissional, ou como forma de atividade educacional, ou ainda como lazer.

O inciso I, do referido artigo, determinou que o Estado deve observar, no desenvolvimento das práticas desportivas, “a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento”. É justamente da construção normativa constitucional desses dois dispositivos que nasce um direito privado tão singular quanto o desportivo e a razão disso pode ser explicada pelas palavras de Pedro Lenza (2018, n.p.):

Se, por um lado, o papel do Estado [quanto ao desporto] é de fomento, por outro, o papel de prestação foi atribuído às entidades desportivas dirigentes e associações com autonomia para sua organização e funcionamento (art. 217, I), significando importante desdobramento das regras contidas nos arts. 5.º, XVII, e 8.º da CF/88.

A autonomia das entidades desportivas e das associações constitui princípio constitucional fundamental, elevado à natureza de cláusula pétrea, ante o tratamento conferido pelo constituinte ao princípio da liberdade de associação, não podendo sofrer restrição legal, doutrinária e nem jurisprudencial. Por estar prevista na Lei Maior assume patamar acima dos demais princípios e normas previstos nas leis infraconstitucionais.

A constitucionalização dessa autonomia proporcionou aos entes desportivos aptidão para buscarem, por si próprios, meios de solução dos seus conflitos, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade desportiva através de ideias criativas e soluções inovadoras adequadas às peculiaridades de sua organização e de seu funcionamento. Tal autonomia, por suposto, deve respeitar os limites da legislação desportiva nacional e os parâmetros das entidades desportivas internacionais.

O poder das entidades e associações desportivas de se organizarem juridicamente, de legislarem e de se autoadministrarem é reconhecido tanto pelo Estado quanto por aqueles que o incorporam. No entanto, é pertinente a colocação de Carlos Miguel Aidar (2003, p. 56) sobre os limites dessa autonomia: “No plano jurídico, a autonomia desportiva pode ser comparada ao poder discricionário em que há uma certa margem de liberdade de ação, afastada qualquer semelhança ou paralelismo com o poder arbitrário que estaria jungido à autonomia absoluta, ilimitada ou independente”.

Essa autonomia é verificada tanto na relação entre Estado e entidades desportivas, como entre as próprias pessoas jurídicas de direito privado responsáveis pela administração e prática do desporto, isto é, aquelas encarregadas da sua prestação. O artigo 20, §5º, da Lei 9.615/98 (Lei Pelé), por exemplo, veda qualquer intervenção das entidades de administração do desporto nas ligas que se mantiverem independentes enquanto participantes de competições do Sistema Nacional do Desporto. Já o artigo 52, caput, traz que os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das referidas entidades de administração do desporto.

Desse modo, constata-se que a autonomia desportiva assegurada constitucionalmente proporcionou a Justiça Desportiva as prerrogativas de autonormação (no sentido de que norma é mais abrangente do que o conceito de regra) e autogoverno, respeitadas pelo Estado, que não intervém no seu modo de organização, dentro dos limites estabelecidos pelo texto constitucional.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV, determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, e o artigo 217, §1º, estabelece a necessidade de esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva, nas ações relativas à disciplina e às competições desportivas, antes de se recorrer ao judiciário.

Embora constitua uma certa restrição, a exigência de esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva não afronta ao princípio do acesso à justiça, visto que a Justiça Desportiva possui característica de justiça privada, técnica e especializada no que diz respeito ao desporto, criada com o intuito de conceder julgamentos mais céleres, eficazes e especializados, o que não seria possível no âmbito do Poder Judiciário, devido ao enorme volume de processos tramitando nas varas.

Por ser cláusula pétrea, o inciso XXXV, do artigo 5º, traduz uma norma de eficácia plena, com aplicabilidade direta, imediata e integral; já o disposto no artigo 217 traz uma norma de eficácia limitada, programática, cuja aplicação é indireta, mediata e reduzida, ou seja, cabe ao Estado o papel de fomentar e estimular as práticas desportivas como direito de cada um por meio de legislação infraconstitucional, que no caso são aquelas que instituem e regulam a própria Justiça Desportiva, conforme artigo 1º, caput, da Lei Pelé.

Dessa forma, conclui-se que a legislação que trata da Justiça Desportiva representa norma especial e específica, sendo que a exigência do esgotamento de suas instâncias opera como juízo de admissibilidade para que determinadas ações sejam apreciadas pelo Poder Judiciário.

O parágrafo segundo, do artigo 217, da CF, prevê o prazo máximo de até sessenta dias, contados da instauração do processo, para a Justiça Desportiva proferir decisão. Dele decorre o princípio da jurisdicionalidade temporária da Justiça Desportiva, que, de certa forma, está vinculado aos princípios da celeridade, economia processual e oralidade, em razão da dinâmica das competições desportivas, que não podem ser paralisadas enquanto há um processo pendente.

Para compreender as linhas mestras da dinâmica privada da Justiça Desportiva, é necessário conhecer os princípios básicos decorrentes da sua autonormatização, seus principais órgãos e sua prática processual, do que se passa a discorrer.

  1. OS PRINCÍCPIOS DO DIREITO DESPORTIVO

O artigo 2º, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), lista os princípios que regem o Direito Desportivo no Brasil. Alguns deles são comuns à teoria geral processual, entre estes estão os princípios do contraditório e ampla defesa, da legalidade, da publicidade, do devido processo legal, da motivação, da proporcionalidade e razoabilidade, da celeridade e economia processual; outros são específicos do desporto, como princípio da independência, oralidade, oficialidade, impessoalidade, da moralidade, pro competitione, tipicidade desportiva, fair flay e par conditio. Nas seções seguintes são traçadas breves linhas sobre eles.

2.1. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

Ambos se encontram inscritos no artigo 5º, inciso LV da CF, são consectários lógicos do princípio do devido processo legal e envolvem o direito de informação e participação processuais. Pelo princípio do contraditório, cabe ao julgador conduzir o processo concedendo às partes oportunidade para se manifestarem – dimensão objetiva – e influenciar na decisão final – dimensão subjetiva. Caracteriza-se como um direito das partes e um dever do juiz.

Para Milton Paulo de Carvalho et al. (2010, p. 81):

[…] o contraditório deve ser entendido como participação dos interessados na elaboração do provimento jurisdicional: elementos de fato e de direito que se contrapõem, bem como a discussão da causa com urbanidade, são subsídios que autor e réu levam ao magistrado para a decisão do litígio.

O referido princípio está relacionado ao direito de produzir contraprovas e de contraditar as provas produzidas pela outra parte e à dialética processual. A ampla defesa, por seu turno, guarda correspondência com a dimensão subjetiva do contraditório, tornando-o eficiente, na medida em que as partes têm o direito de produzir as provas necessárias para influir na convicção do juiz, baseada na defesa técnica do processo e no princípio da paridade de armas, objetivando o equilíbrio processual entre os litigantes.

De forma expressa, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (art. 2º, incisos I e III) previu os princípios da ampla defesa e do contraditório como basilares para sua aplicação e interpretação. Antes ainda, a Lei Pelé (art. 58) já assegurara a observância desses princípios nos processos e julgamentos de competência dos órgãos integrantes da Justiça Desportiva.

É também a Lei Pelé, em seu artigo 48, que “[…] Com o objetivo de manter a ordem desportiva, o respeito aos atos emanados de seus poderes internos […]”, permite a aplicação de sanções pelas entidades de administração do desporto e de prática desportiva, ressaltando, contudo, ser imprescindível a observância do contraditório e da ampla defesa, os quais também devem ser verificados pelas Comissões Disciplinares na ocasião da aplicação das sanções, nos termos do artigo 53, da mesma lei.

2.2. PUBLICIDADE

Segundo Uadi Lammêgo Bulos (2015, p. 68), “Pelo Princípio da Publicidade, todos os atos públicos devem ser do conhecimento de todos, de sorte que possam ser fiscalizados pela sociedade”. Contudo esse princípio não é absoluto, visto que a publicidade dos atos processuais pode ser restringida por expressa previsão normativa, como, por exemplo, para resguardar a segurança da sociedade e do Estado, ou para preservar a intimidade ou o interesse social.

Seu principal objetivo é garantir a transparência dos atos processuais, eis que a publicidade possibilita o acompanhamento e a fiscalização difusa da atuação jurisdicional. Além disso, o princípio da publicidade “constitui projeção da garantia constitucional do direito à informação em sua específica manifestação referente ao processo” (DINAMARCO; LOPES, 2016, p. 68).

No Direito Desportivo, a publicidade também foi erigida à categoria de princípio e ganhou disposições expressas para sua concretização no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, o qual prevê, em seu art. 40, que “as decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser publicadas na forma da legislação desportiva, podendo, em face do princípio da celeridade, utilizar-se de edital ou qualquer meio eletrônico, especialmente a Internet”.

2.3. LEGALIDADE

O princípio da legalidade é originário do Estado de Direito e estabelece, nos termos do artigo 5º, inciso II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. É considerado um macroprincípio, pois rege todo o ordenamento jurídico brasileiro e dele derivam vários outros princípios.

A forma ideal de enxergar esse princípio é em seu sentido material, por intermédio do qual o juiz deve decidir não apenas com base na lei, mas no Direito como um todo, de modo a conferir harmonia e coesão ao sistema de normas e princípios, com a finalidade de concretizar os valores constitucionais. Esse princípio também é um dos pilares do Direito Desportivo, como explicado por Paulo Marcos Schmitt (s.d., p. 156):

É forçoso, portanto, reconhecer o princípio da legalidade como a viga mestra, o centro gravitacional, mandamento nuclear de qualquer regime jurídico. Dele resultam princípios próprios e peculiares que visam orientar as ações das entidades públicas e privadas do desporto, na solução ideal dos anseios sociais. O agente, investido na função desportiva, deve concentrar esforços em todas as suas atividades no contexto político, social, técnico, jurídico e administrativo, em estrita observância da ordem legal vigente.

Além disso, do ponto de vista da legalidade estrita, sua aplicação está diretamente relacionada ao processo disciplinar no que tange a previsão legal das infrações desportivas e suas respectivas penas.

2.4. DEVIDO PROCESSO LEGAL

O inciso LIV, do artigo 5º, da CF institui que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Juntamente com o princípio da legalidade, o devido processo legal também é tido como um macroprincípio, por ser fonte de origem de tantos outros aplicados ao direito processual. Visando ao processo justo, ele engloba princípios e garantias constitucionais, como, i.e., a do juiz natural, do acesso à justiça, do contraditório e da ampla defesa, da motivação dos atos e decisões judiciais, da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos no processo, entre outros.

O devido processo legal deve assegurar, igualmente, a razoável duração do processo e os meios que proporcionem a celeridade de sua tramitação, inspirando e tornando realizável a proporcionalidade e a razoabilidade, necessárias à harmonização dos princípios do direito processual vigente (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 48).

Ele ainda possui duas vertentes: substancial (material) e a processual (formal). Do ponto de vista substantivo, é direcionado à autolimitação do poder do Estado, impedindo-o de criar normas contrárias à razoabilidade e ao regime democrático. Já sob o prisma formal, diz respeito à tutela processual, pela qual o julgador deve observar todo o regramento legal na prestação jurisdicional, ou seja, o processo deve ser visto como um instrumento para se chegar à justiça.

O devido processo legal foi acrescido entre os princípios a serem observados na interpretação e aplicação do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, por intermédio da Resolução CNE nº 29, de 10 de dezembro de 2009, responsável pela reforma do mencionado código.

A Subcomissão de Relatoria da Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos do Ministério do Esporte, responsável pela alteração legal, entendeu que o devido processo legal consistiu em uma das essências da reforma, porque transformou o CBJD “em um instrumento capaz de dar a solução mais adequada aos casos concretos” (BRASIL, 2010, p. 20).

2.5. MOTIVAÇÃO

O princípio da motivação tem por objetivo principal a vedação de decisões arbitrárias e autoritárias. As partes têm o direito de saber os fundamentos que levaram o julgador à determinada decisão. Guarda correlação direta com o princípio da publicidade, por meio do qual a motivação torna-se eficaz.

A fundamentação não possui apenas o papel de trazer às partes o motivo pelo qual a decisão lhe foi favorável ou desfavorável, ela também contribui para a fiscalização da atividade judiciária pelos litigantes, pelos órgãos superiores e até mesmo pela sociedade.

Atento a esse princípio basilar de um Estado Democrático, o CBJD, em seu art. 38, prevê que “todas as decisões deverão ser fundamentadas, mesmo que sucintamente.” Em sequência, no art. 39, dispõe que “o acórdão será redigido quando requerido pela parte ou pela Procuradoria, e deverá conter, resumidamente, relatório, fundamentação, parte dispositiva e, quando houver, a divergência”.

2.6. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE

Por vezes consideradas como postulados, por estruturarem a interpretação e aplicação de princípios e regras, a proporcionalidade e a razoabilidade assumem um papel importante no ordenamento jurídico, eis que nas situações de choque entre princípios, elas são acionadas para auxiliar o julgador na ponderação de valores diante do caso concreto.

A razoabilidade aproxima-se da dimensão da igualdade, ao impor o dever de considerar as particularidades do caso concreto na aplicação das regras de direito, o dever de atenção à realidade e o dever de aplicar a norma jurídica sobre aquilo que realmente acontece. Por outro lado, a proporcionalidade otimiza o princípio da legalidade, por meio de suas três dimensões: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação é verificada quando a medida a ser tomada é útil ao caso para promover o fim a que se objetiva; a necessidade é a constatação de que a medida adequada é necessária para alcançar o fim desejado, visto que é a menos restritiva aos direitos dos envolvidos; e a proporcionalidade em sentido estrito é o momento em que se faz um juízo de valor, ponderando entre os benefícios e os malefícios da medida.

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva tem se valido desses princípios para balizar a aplicação de penalidades, como, por exemplo, nos autos do Processo nº 395/2018 (STJD, 2018), em que reduziu, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a pena de multa de R$70.000,00 para R$50.000,00 do Atlético/PR pela campanha realizada em uma partida contra o América/MG sem autorização da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

2.7. CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL

Acrescido ao rol de direitos fundamentais na Constituição Federal (EC nº 45/2004), a celeridade e a economia processual passaram a ser expressamente garantidos a todos, seja no processo judicial ou administrativo, por meio da razoável duração do processo.

A celeridade processual na Justiça Desportiva é ainda mais evidente do que no processo comum, visto o caráter dinâmico das competições esportivas. A própria Constituição Federal estabeleceu, no parágrafo 2º, do artigo 217, que a decisão final da Justiça Desportiva deve ser proferida no prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo. Findo tal prazo, a questão pode ser levada ao Poder Judiciário, ainda que não haja terminado o julgamento pela Justiça Desportiva.

A economia processual está diretamente relacionada à celeridade dos atos processuais, pois, nas palavras de Paulo Marcos Schmitt (s.d., p. 20): “O princípio da Economia Processual visa evitar que atos processuais desnecessários sejam praticados. Do contrário, a ‘máquina’ judicial desportiva será dotada do gravame da morosidade, desviando-a plenamente de sua finalidade”.

Se a resolução dos conflitos desportivos durasse anos, certamente haveria perda do interesse e da audiência, em razão da morosidade e do comprometimento da dinâmica desportiva. Imagine-se, por exemplo, um julgamento sobre a perda de pontos de determinado clube no Campeonato Brasileiro de Futebol: se tal julgamento demorasse anos para ocorrer, haveria o comprometimento de toda a dinâmica desportiva, sem que se pudesse saber, por anos, quais seriam os times rebaixados, os classificados para a Copa Libertadores da América e demais Copas e, até mesmo, o campeão. Desse modo, para a própria manutenção e viabilidade dos Campeonatos, mostra-se imprescindível que as resoluções dos conflitos sejam tomadas rapidamente, obedecendo à celeridade própria da Justiça Desportiva.

2.8. INDEPENDÊNCIA

Pelo princípio da independência, entende-se que a Justiça Desportiva deve atuar de forma autônoma e independente em relação às entidades de administração do desporto no que tange à sua organização e ao seu funcionamento. Ainda que sejam as entidades responsáveis pelo custeio do funcionamento dos órgãos da Justiça Desportiva, o CBJD foi categórico ao afirmar que funcionamento dela se dá de forma autônoma e independente. Além disso, a Justiça Desportiva também é independente em relação ao Poder Judiciário, pois só há possibilidade de se recorrer à justiça comum após o esgotamento das instâncias desportivas.

Vale dizer, ainda, que a Constituição Federal prevê a destinação prioritária de recursos públicos ao desporto educacional e, em casos específicos, ao desporto de alto rendimento (art. 217, inc. II, CF).

2.9. ORALIDADE

O presente princípio consiste na possibilidade de alguns atos processuais serem produzidos oralmente, considerando a rapidez com que as decisões precisam ser proferidas na Justiça Desportiva. Isto se dá em decorrência das particularidades da Justiça Desportiva e está diretamente vinculado ao princípio da celeridade. Em regra, a oralidade acelera a instrução e o julgamento de processos disciplinares, diferentemente do que ocorre na justiça comum, em que os atos, em sua maioria, são escritos. Paulo Marcos Schmitt (s.d., p. 20) bem ressalta que, mesmo na Justiça Desportiva, alguns atos dependem da forma escrita como, por exemplo, os termos de citação, intimação, denúncia etc.

2.10. OFICIALIDADE

Na Justiça Desportiva, os órgãos incumbidos da persecução da infração disciplinar são órgãos oficiais, tendo a lei consagrado à Procuradoria da Justiça Desportiva a titularidade para oferecer denúncia, propor medidas que visem à preservação dos princípios que regem a Justiça Desportiva e requerer a instauração de inquérito (CBJD, art. 21, incisos I, V e VI). A Procuradoria foi prestigiada como a titular da pretensão punitiva na Justiça Desportiva disciplinar. No lugar do procedimento especial da queixa, passou a ser prevista a possibilidade de oferecimento de notícia da infração à Procuradoria, a qual, diante do caso concreto, examina a pertinência e oportunidade para propor ou não a denúncia (art. 74, CBJD).

A esse princípio está também relacionado outro, o princípio da oficiosidade, segundo o qual a atuação oficial dos órgãos da Justiça Desportiva, especialmente na aplicação da infração penal, em regra, ocorre sem a necessidade de autorização, ou seja, não há qualquer condição para que possam agir, as atividades são desempenhadas ex officio, sem que haja necessidade de representação da parte interessada.

Assim, a instauração de um inquérito para apurar a existência de infração disciplinar e determinar sua autoria, para propositura da ação cabível, por exemplo, pode ser determinada pelo presidente do tribunal competente (STJD ou TJD), ou a requerimento da Procuradoria, sendo que, na instauração requerida pela parte interessada, a Procuradoria será obrigatoriamente ouvida (art. 81, §2º).

2.11. IMPESSOALIDADE

O princípio da impessoalidade assegura a igualdade de tratamento que a Justiça Desportiva deve dispensar aos envolvidos nas competições desportivas, às entidades de administração e prática desportivas e até aos próprios membros de seus órgãos, que se encontrem em idêntica situação jurídica, sem favorecimento ou discriminação de qualquer espécie, seja o denunciado atleta, árbitro, dirigente ou auditor. Assim, caso haja suspeita de prática de infração prevista na norma desportiva, o denunciado deverá ser processado e julgado sem privilégios ou prejuízos de qualquer natureza.

Para a caracterização desse princípio, a idêntica situação jurídica é condição central para assegurar o tratamento isonômico àqueles que se submetem à Justiça Desportiva. Isso porque tanto a Constituição Federal (art. 217, inciso III) como o CJDB (art. 1º, §2º) estabelecem o tratamento diferenciado ao desporto de prática profissional e ao de prática não-profissional. Diante disso, torna-se legitima, por exemplo, a previsão do artigo 70, §2º, do CBJD de que as penas pecuniárias não serão aplicadas a atletas de prática não-profissional.

Também com vistas à igualdade material estabelece o artigo 182-A, do CBJD, que “[…] a fixação das penas pecuniárias levará obrigatoriamente em consideração a capacidade econômico-financeira do infrator ou da entidade de prática esportiva”.

2.12. MORALIDADE

O princípio da moralidade exige de todos os envolvidos nas competições desportivas, das entidades de administração e prática desportiva e dos próprios agentes e partes da Justiça Desportiva conduta ética, honesta e proba. Além de agir dentro dos regramentos das competições e das leis voltadas ao desporto, todos devem agir segundo os ditames da boa-fé objetiva, ou seja, dentro da moralidade desportiva, passível de ser extraída da conduta padrão de integridade de caráter, honradez e probidade voltada à prática e administração do desporto e de sua justiça.

Pontualmente, esse princípio guarda estreita relação com o princípio do fair play, pelo qual se espera que a prática esportiva se dê de forma ética, seja em relação aos adversários (dentro e fora do jogo) e dirigentes, ou mesmo com o espectador, especialmente, quanto à prática do desporto profissional.

2.13. PRO COMPETITIONE

Esse princípio também passou a ser previsto no CBJD após a reforma dessa normativa em 2009 (art. 2º, XVII). Com ele, quer-se dar prevalência, continuidade e estabilidade aos resultados dos jogos e competições, para evitar manobras legais em prejuízo do critério técnico. É como se todo processo da Justiça Desportiva tivesse de ser analisado sob a luz da competição, do modo de agir dos competidores e da disputa, para evitar que os tribunais desportivos sejam os responsáveis por definir o vencedor.

Rafael Terreiro Fachada (2016, p. 53) explica que tal princípio irá nos garantir que os resultados desportivos obtidos em determinada competição só poderão ser alterados caso tenha havido fato grave o suficiente para macular a disputa. Esses fatos devem ainda ser típicos, contrários à ética ou a disciplina esportiva. Assim, não se pode falar em anulação de uma prova de atletismo ou na eliminação de um atleta de natação se o fato que enseja tal pedido não gerou influência direta, ainda que mínima, no desenrolar do evento.

Contudo, deve-se ter cuidado em relação à análise do que seria fato grave o suficiente para macular a disputa. O julgador deve se atentar para que não haja um juízo de valor com base na subjetividade, caso contrário, a interferência dos tribunais desportivos nos resultados de uma disputa, como uma partida de futebol, por exemplo, poderia acabar beneficiando uma equipe e prejudicando demasiadamente a outra.

Tendo em vista esse princípio, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, Paulo César Salomão Filho, indeferiu, no dia 28 de junho de 2019, o pedido de impugnação de partida do dia 12 de junho, pela Séria A, do Campeonato Brasileiro, feita pelo Centro Sportivo Alagoano (CSA), contra o Clube de Regatas Flamengo. A equipe alagoana pleiteara a anulação da partida sob o fundamento de que houve erro da arbitragem na não marcação de um pênalti a seu favor. Segundo o presidente, não poderia restar dúvida quanto ao resultado obtido em campo, por não existir, no caso concreto, fundamentos mínimos que embasassem a pretensão (PINHO, 2019).

Por fim, para que haja necessidade da intervenção externa dos julgamentos nos resultados das partidas e, consequentemente, o rompimento da prevalência e continuidade das competições, é importante constatar que as regras tipificadas no código desportivo, leis, estatutos e demais fontes do Direito Desportivo tenham sido descumpridas.

2.14. TIPICIDADE DESPORTIVA

O princípio da tipicidade desportiva aplica-se aos casos que envolvem a ocorrência de infrações desportivas. Ele está relacionado ao princípio da legalidade, pois estabelece que a aplicação do tipo infracional desportivo deve corresponder exatamente ao previsto na lei. Seu objetivo é evitar decisões arbitrárias e autoritárias, visto que essas infrações e a aplicação das sanções não permitem interpretações extensivas.

A reforma do Código Brasileiro de Justiça Desportiva esteve atenta a esse princípio, como explicado no Relatório Final da Subcomissão de Relatoria da Comissão de estudos Jurídicos Desportivos do Ministério do Esporte:

Adotou-se a utilização de incisos exemplificativos para algumas das infrações mais recorrentes do CBJD, notadamente aquelas praticadas por atletas durante a disputa das partidas, como modo de fornecer critérios interpretativos ao julgador, para que, diante do caso concreto, lhe seja permitido compreender qual é o tipo mais adequado para reger a conduta praticada pelo infrator (ex.: arts. 250, 254, 254-A e 258). Tal estrutura normativa está em linha com o princípio da tipicidade desportiva, bem como se espelha na metodologia jurídica contemporânea, que exige a conjugação de normas regulamentares com a indicação, pelo legislador, de critérios capazes de orientar a atividade do intérprete (BRASIL, 2010, p. 20).

2.15. FAIR PLAY

O Princípio do espírito esportivo se assemelha aos princípios éticos do direito processual, como a lealdade, a moralidade, a boa-fé, entre outros. Ele se refere à prática desportiva ética dentro do jogo e da competição, determinando que os jogadores ajam pautados no fair play, ou seja, em um jogo limpo, disciplinado e justo, de modo a não prejudicar injustamente seus adversários durante a partida.

Em um jogo de futebol, a título de exemplo, verifica-se a aplicação desse princípio quando um jogador da equipe que está em posse da bola se lesiona, fazendo com que a partida tenha de ser interrompida, com o arremesso da bola para fora das linhas laterais do campo. Como o retorno da partida garante a bola ao time adversário, em verdadeiro fair play este a devolve ao seu oponente.

2.16. PAR CONDITIO

O princípio da par conditio consiste na igualdade entre os competidores e os times, ou seja, deve ser oferecido a todos aqueles que participam de uma competição as mesmas condições de jogo, de forma que a disputa seja equilibrada.

É importante destacar que o fato de um time de futebol, e.g., possuir mais recursos financeiros, melhor estrutura, equipe de atletas e comissão técnica mais capacitadas em relação a outros times não constitui afronta ao princípio em questão, pois não há garantia absoluta de que o time com mais recursos vença aquele tenha menos. Mesmo porque são dadas às equipes as mesmas condições de jogo (teórico-desportivas): mesmo número de atletas para cada time, árbitro imparcial, tempo definido da partida, mesmas regras etc. (FACHADA, 2016, p. 51).

Sob o ponto de vista processual, o princípio em questão muito se assemelha ao princípio da paridade de armas, pelo qual aos litigantes deve ser garantido o mesmo tratamento processual, quanto à produção de prova, à manifestação em relação às provas produzidas, ao exercício dos direitos e faculdades, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e, até mesmo, à aplicação das sanções processuais.

  1. A JUSTIÇA DESPORTIVA COMO UMA ENTIDADE AUTÔNOMA E PRIVADA

A Justiça Desportiva pode ser conceituada como o conjunto de instâncias desportivas, autônomas e independentes das entidades de administração do desporto, dotadas de personalidade jurídica de direito público ou privado, com atribuições de dirimir os conflitos de natureza desportiva e competência limitada ao processo e julgamento de infrações disciplinares definidas em códigos desportivos (SCHMITT, s.d., p. 10).

No Brasil, ela é disciplinada pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que foi reformado pela Resolução CNE nº 29, de 10 de dezembro de 2009, além das legislações infraconstitucionais que dispõem sobre a prática e a regulamentação do desporto no país, como a Lei 9.615/1998 (conhecida como Lei Pelé), que institui normas gerais sobre o desporto, a Lei 12.867/2013, que regula a profissão de árbitro de futebol, e a Lei 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor), entre outras.

O CBJD é aplicável a todas as modalidades de esporte praticadas no território nacional. A ele se submetem também as entidades nacionais e regionais de administração do desporto, as ligas (nacionais e regionais), as entidades de prática desportiva, os atletas profissionais e não profissionais, os membros da equipe de arbitragem, as pessoas naturais que exerçam empregos, cargos ou funções diretamente relacionadas a alguma modalidade esportiva nas entidades de administração do desporto, as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto, bem como as pessoas vinculadas a esse sistema.

Para Uadi Lammêgo Bulos (2015, p. 1.604), a Justiça Desportiva tem por competência julgar com exclusividade a disciplina e as competições desportivas, não fazendo parte da estrutura do Poder Judiciário. Em complemento, é possível dizer que ela se caracteriza como uma entidade com regime jurídico de direito privado, limitada ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas.

O artigo 50, caput, da Lei Pelé, prescreve que a organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva serão definidos nos Códigos de Justiça Desportiva, facultando-se às ligas constituir seus próprios órgãos, responsáveis pelo processo e julgamento, com atuação restrita às suas competições.

Um dos aspectos que mais confere o caráter privado ao direito desportivo diz respeito ao fato de o custeio do funcionamento dos órgãos da Justiça Desportiva competir às entidades de administração do desporto que atuem junto a si. Em que pese esse modo de financiamento, o artigo 52, da Lei Pelé, não deixa dúvida de que os órgãos da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das referidas entidades de administração do desporto de cada sistema.

Partindo desse ponto, é interessante explicar os requisitos para a formação das federações e das confederações, órgãos de administração do desporto em âmbito regional e nacional, respectivamente, e responsáveis pelo custeio da Justiça Desportiva no âmbito de cada modalidade.

O Decreto nº 3.199, de 14 de abril de 1941, que estabelece as bases de organização dos desportos em todo o país, em seu artigo 18, estabelece que as federações são órgãos de direção dos desportos em cada uma das unidades territoriais do país e são filiadas às confederações. Além disso, o artigo 19 preceitua que elas podem ser especializadas (quando administram somente uma modalidade de esporte) ou ecléticas (se administrarem duas ou mais modalidades).

O artigo 21, da mesma norma, por sua vez, determina que para a criação de uma federação são necessárias pelo menos três associações desportivas, as chamadas entidades de prática desportiva (EPD). Do ponto de vista do futebol, modalidade esportiva central deste artigo, as entidades desportivas correspondem aos clubes de futebol, sendo que cada federação representa a modalidade esportiva no estado de sua jurisdição.

Quanto às confederações, segundo o artigo 12, do Decreto, são “entidades máximas de direção dos desportos nacionais”. Elas também podem ser especializadas ou ecléticas, “conforme tenham a seu cargo um só ramo desportivo ou um grupo de ramos desportivos reunidos por conveniência de ordem técnica ou financeira” (art. 13).

Um dos requisitos para a sua constituição é a reunião de pelo menos três federações que tratem da mesma modalidade que a confederação pretenda dirigir. No futebol, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) corresponde a essa entidade máxima de administração da modalidade esportiva futebol.

No sistema desportivo brasileiro, cada modalidade de esporte possui sua própria confederação, pois cabe a esta, segundo o artigo 14, §1º, do referido Decreto, “o exercício do poder desportivo no território nacional, a representação das suas atividades no exterior e o intercâmbio com as entidades internacionais”.

3.1. ESTRUTURA PIRAMIDAL E ÓRGÃOS DA JUSTIÇA DESPORTIVA

A Justiça Desportiva é formada pelas Comissões Disciplinares (CD), com competência para processar e julgar as questões previstas nos códigos de Justiça Desportiva; os Tribunais de Justiça Desportiva (TJD), com jurisdição desportiva correspondente à abrangência territorial da entidade regional de administração do desporto; e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), com jurisdição correspondente à abrangência territorial da entidade nacional de administração do desporto. Cada um desses órgãos corresponde a uma instância, conferindo, por isso, estrutura piramidal à Justiça Desportiva.

Os Tribunais de Justiça Desportiva e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva possuem organização semelhante, a diferença entre eles está na matéria sujeita à jurisdição de cada um. Ambos possuem em sua estrutura Comissões Disciplinares, como a primeira instância para julgamento das questões desportivas, bem como possuem um Tribunal Pleno, responsável pelo julgamento dos recursos e das ações que se enquadrem em sua competência originária. Além disso, o Tribunal Pleno do STJD constitui a última instância da Justiça Desportiva.

3.1.1. As Comissões Disciplinares

Assim como o Superior Tribunal de Justiça Desportiva e os Tribunais de Justiça Desportiva, as Comissões Disciplinares, embora constituídas perante e com o custeio dos órgãos de administração do desporto, são órgãos autônomos e independentes. Elas podem ser consideradas órgãos de primeira instância da Justiça Desportiva.

No STJD, funcionam tantas Comissões Disciplinares Nacionais quantas se fizerem necessárias para apreciar as matérias relativas às competições nacionais e interestaduais. Nos TJDs, as comissões assumem o mesmo papel, mas em relação às competições regionais e municipais, sendo denominadas de Comissões Disciplinares Regionais.

As comissões no STJD e dos TJDs, de modo geral, seguem a mesma formação, já que são compostas por cinco auditores cada, sendo requisitos, para a ocupação desse cargo, notório saber jurídico desportivo e reputação ilibada, desde que não façam parte do Tribunal Pleno de respectivo órgão judicante. A indicação dos auditores, tanto no STJD como no TJD, dá-se pela maioria dos membros do Tribunal Pleno de cada um deles, a partir de uma lista feita pelo presidente com os nomes sugeridos pelos próprios auditores do respectivo Tribunal Pleno.

Na seara futebolística, às comissões compete julgar e processar supostas infrações ocorridas dentro do campo, no decorrer das competições esportivas. Das decisões das comissões disciplinares cabe Recurso Voluntário para o Tribunal Pleno dos Tribunais de Justiça Desportiva ou do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, para reapreciação da matéria.

O artigo 26 do CBJD estabelece as funções das Comissões Disciplinares Nacionais do STJD:

I – processar e julgar as ocorrências em competições interestaduais e nacionais promovidas, organizadas ou autorizadas por entidade nacional de administração do desporto, e em partidas ou competições internacionais amistosas disputadas por entidades de prática desportiva;

II – processar e julgar o descumprimento de resoluções, decisões ou deliberações do STJD ou infrações praticadas contra seus membros, por parte de pessoas naturais ou jurídicas mencionadas no art. 1º, § 1º, deste Código;

III – declarar os impedimentos de seus auditores.

As Comissões Disciplinares Regionais possuem as mesmas competências das nacionais, no entanto, sua atuação se dá em relação às competições promovidas, organizadas ou autorizadas pela respectiva entidade regional de administração do desporto, ou em dizem respeito aos TJD ou seus membros, como prescrito no artigo 28, do CBJD.

3.1.2. Os Tribunais de Justiça Desportiva

Os Tribunais de Justiça Desportiva funcionam como órgãos de segunda instância quando apreciam os recursos advindos das decisões proferidas pelas Comissões Disciplinares Regionais. Sua jurisdição está adstrita à abrangência territorial da entidade regional de administração do desporto.

Além das Comissões Disciplinares, os TJDs também possuem um Tribunal Pleno, cuja competência originária processar e julgar os seus auditores, os das comissões e os procuradores que atuam perante o TJD; os mandados de garantia contra os atos ou omissões dos dirigentes ou administradores das EADs regionais; os dirigentes das EADs regionais; a revisão das próprias decisões e de suas comissões; os pedidos de reabilitação; os pedidos de impugnação de partida, de prova ou equivalentes sob sua jurisdição; e as medidas inominadas quando a matéria for de sua competência, em casos excepcionais e no interesse do desporto.

Em grau de recurso, a competência limita-se ao julgamento das decisões das suas comissões disciplinares, aos atos e despachos do Presidente do TJD e as penalidades aplicadas pela EAD regional ou por entidades de prática desportivas que lhe sejam filiadas, em caso de sanção administrativa de suspensão, desfiliação ou desvinculação.

Cada TJD é composto por nove membros, também denominados de auditores, sendo-lhes exigido notório saber jurídico e reputação ilibada. A escolha dos auditores se dá da seguinte forma: dois são indicados pela entidade regional de administração do desporto; dois, pelas entidades de prática desportiva que participam da principal competição da entidade regional de administração do desporto; dois são advogados indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio da seção correspondente à territorialidade; dois representantes dos atletas indicados por entidade representativa; e um representante dos árbitros, também indicado pela entidade representativa.

Considerando a prática esportiva futebol no estado de São Paulo, por exemplo, o Tribunal de Justiça Desportiva seria formado por dois membros indicados pela Federação Paulista de Futebol; os clubes de futebol da Série A1 do Campeonato Paulista também indicariam dois deles; além de dois advogados da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado de São Paulo; e os outros três seriam dois indicados por entidades representativas em São Paulo dos atletas e um pela dos árbitros.

Vale ressaltar que é facultado a cada modalidade de esporte constituir um TJD, ou seja, para cada entidade de administração desportiva poderá existir um Tribunal de Justiça Desportiva, responsável pelo processamento e julgamento dos conflitos de natureza desportiva da respectiva modalidade. Assim como já apontado quanto ao futebol, junto à Federação Paulista de Basketball, por exemplo, há o Tribunal de Justiça Desportiva do Basketball do Estado de São Paulo.

O artigo 27, do CBJD, ainda traz mais oito incisos com competências gerais do Tribunal de Justiça Desportiva, relativas ora à própria organização e funcionamento do tribunal, como a criação de comissões disciplinares, indicação de auditores, elaboração de seu Regimento Interno e declaração de vacância dos cargos de auditores, ora ao desenvolvimento imparcial e completo da prestação jurisdicional desportiva, como a declaração de impedimentos e incompatibilidades de seus auditores e procuradores, a instauração de inquéritos, a requisição ou solicitação de informações de matérias submetidas à apreciação e a deliberação sobre casos omissos.

3.1.3. Superior Tribunal de Justiça Desportiva

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva é o órgão máximo dentro da estrutura piramidal da Justiça Desportiva. Ele é composto pelas comissões disciplinares e por um Tribunal Pleno, formado por nove auditores de reconhecido saber jurídico desportivo e de reputação ilibada. A forma de indicação segue a mesma dinâmica daquela apresentada quanto ao TJD, com a diferença que as escolhas deixam de ser regionais e passam a ser nacionais.

A competência do Tribunal Pleno, prevista no art. 25 do CBJD, assim como as dos Tribunais de Justiça Desportiva pode ser vista sob três prismas: competência originária, recursal e geral. Desse modo, compete ao Pleno julgar e processar originariamente:

a) seus auditores, os das Comissões Disciplinares do STJD e os procuradores que atuam perante o STJD;

b) os litígios entre entidades regionais de administração do desporto;

c) os membros de poderes e órgãos da entidade nacional de administração do desporto;

d) os mandados de garantia contra atos ou omissões de dirigentes ou administradores das entidades nacionais de administração do desporto, de Presidente de TJD e de outras autoridades desportivas;

e) a revisão de suas próprias decisões e as de suas Comissões Disciplinares;

f) os pedidos de reabilitação; g) os conflitos de competência entre Tribunais de Justiça Desportiva;

h) os pedidos de impugnação de partida, prova ou equivalente referentes a competições que estejam sob sua jurisdição;

i) as medidas inominadas previstas no art. 119, quando a matéria for de competência do STJD;

j) as ocorrências em partidas ou competições internacionais amistosas disputadas pelas seleções representantes da entidade nacional de administração do desporto, exceto se procedimento diverso for previsto em norma internacional aceita pela respectiva modalidade.

Além disso, o Pleno também possui competência para julgar, em grau de recurso, os atos e despachos do Presidente do STJD, as penalidades aplicadas pelas confederações ou pelas entidades de prática esportiva a ela filiadas, que imponham sanção de suspensão, desfiliação ou desvinculação de atleta ou clube e decisões das suas próprias comissões disciplinares e dos TJDs.

Esse sistema recursal, previsto no CBJD, entre outras questões, serve para promover o controle dos atos das instâncias inferiores da Justiça Desportiva, quando houver inconformismo das partes, submetendo as decisões a um órgão superior, composto, em regra, por auditores mais experientes. Esse modelo expressa de forma mais veemente o aspecto piramidal da Justiça Desportiva, fixando a competência de seu funcionamento em instâncias hierarquizadas, em cujo topo consta um órgão de cúpula, capaz de apreciar as decisões das instâncias inferiores.

São previstas também, além das competências originárias e recursais, outras competências relacionadas ao funcionamento do STJD, como a criação das suas comissões disciplinares; indicação de auditores para as comissões, destituição ou declaração da incompatibilidade deles; elaboração de seu Regimento Interno; e declaração de vacância do cargo de seus auditores e procuradores.

A par dessas, há também a previsão de competências do STJD relacionadas com a prestação jurisdicional desportiva, a fim de que seja segura, imparcial e satisfativa.  Destacam-se, assim, as competências para declarar impedimentos e incompatibilidades dos seus auditores e de seus procuradores; instaurar inquéritos; criar súmulas vinculantes ou não; expedir instruções aos demais órgãos da Justiça Desportiva; deliberar sobre casos omissos; requisitar informações para esclarecimento de matéria submetida a julgamento; e avocar, processar e julgar de ofício ou a requerimento da Procuradoria, nos casos excepcionais de morosidade injustificada, qualquer medida que tramite nas instâncias da Justiça Desportiva, a fim de assegurar a continuidade de sua prestação jurisdicional.

3.1.4. Da Procuradoria da Justiça Desportiva

O artigo 21, do CBJD, prescreve que a Procuradoria da Justiça Desportiva tem por finalidade promover a responsabilidade das pessoas naturais ou jurídicas que violarem as disposições do próprio código desportivo. Seus Procuradores são nomeados pelo STJD ou pelo TJD.

A Procuradoria será dirigida por um Procurador-Geral, o qual será escolhido, por meio do mesmo modelo comumente utilizado pelo Poder Executivo, com elaboração de lista tríplice, no caso em questão, pela entidade de administração do desporto, a ser votada pelo Presidente do Tribunal Pleno, seja do STJD ou dos TJD.

A atuação da Procuradoria da Justiça Desportiva muito se assemelha ao papel do Ministério Público nos processos penais, na medida em que cabe àquela o oferecimento de denúncia, o dever de dar parecer nos processos desportivos, de requerer vista dos autos, interpor recursos, requerer a instauração de inquéritos, dentre outras atribuições estabelecidas pelo Código.

Como mencionado anteriormente, com a reforma do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (Resolução CNE nº29/2009), a Procuradoria da Justiça Desportiva alcançou especial destaque com a extinção do procedimento especial de queixa, passando a ser titular da pretensão punitiva disciplinar. Atualmente, como consta no artigo 74, do CBJD, a notícia da infração disciplinar pode ser oferecida à Procuradoria, cabendo a ela o juízo valorativo acerca da conveniência da propositura da denúncia.

A Procuradoria teve igualmente destaque diante da previsão do novo instituto da Transação Disciplinar Desportiva no CBJD, pelo qual lhe é permitida, assim como ao infrator, mediante supervisão de um auditor do Tribunal Pleno, a celebração de acordo a respeito da pena a ser cumprida, em determinados casos, especialmente as cometidas durante a disputa de partidas e as praticadas pelos árbitros, em qualquer fase processual.

  1. O PROCESSO DESPORTIVO

O Processo Desportivo possui dois tipos de procedimento: o sumário e o especial. O primeiro aplica-se a todos os processos disciplinares, ou seja, a todas as infrações cometidas no decorrer de uma competição. O segundo, por sua vez, aplica-se aos acontecimentos extracampo, como, por exemplo, à instauração de inquérito, à impugnação de uma partida, aos casos em que o atleta é pego no exame de dopagem (desde que não haja legislação procedimental própria da modalidade onde o fato ocorreu), à transação disciplinar desportiva, entre outras hipóteses previstas no artigo 34 do CBJD.

Assim como ocorre nas demandas que tramitam perante o Poder Judiciário, na Justiça Desportiva, o processo poderá ser extinto, de ofício ou a requerimento dos interessados, pelo órgão judicante quando houver perda do objeto ou sua finalidade for exaurida.

Uma particularidade da Justiça Desportiva é que os atos processuais não possuem uma forma pré-estabelecida, salvo nos casos expressamente exigidos pelo CBJD, sendo considerados validos todos os atos praticados que tenham atingido a sua finalidade, ainda que realizados de outra forma.

Como visto anteriormente, os atos processuais estão cobertos pelos princípios da publicidade e da fundamentação das decisões, sendo permitido o segredo de justiça apenas nos casos expressamente previstos em lei. Os acórdãos proferidos devem conter, ainda que resumidamente, o relatório, a fundamentação e a parte dispositiva do decisum.

Mais uma vez é possível perceber a forte presença e o respeito ao princípio da celeridade, visto que os prazos para a prática dos atos processuais no processo desportivo não excedem a três dias, sendo que, caso não haja previsão legal para a prática de determinado ato, compete ao Presidente do órgão fixar um prazo, não podendo ser superior aos 3 dias. Ademais, estabelece o artigo 43, § 1º, do CBJD que os prazos são contínuos, não sendo suspensos ou interrompidos aos finais de semana e feriados.

A contagem dos prazos na Justiça Desportiva ocorre da mesma forma prevista no artigo 224 do CPC, ou seja, exclui-se o dia do começo e inclui o dia do vencimento, passando a correr desde a intimação ou a citação da parte. Vale ressaltar que os prazos do processo desportivo também estão sujeitos ao instituto da preclusão.

  1. OS RECURSOS PREVISTOS NO CÓDIGO BRASILEIRO DE JUSTIÇA DESPORTIVA

De modo geral, o CBJD prevê a possibilidade de interposição de recurso por todos aqueles que atuam no processo desportivo, ou seja, o autor, o réu, o terceiro interveniente, a Procuradoria e a entidade de administração do desporto, sendo defeso à Procuradoria desistir do recurso quando por ela interposto.

Por ser a entidade máxima dentro da Justiça Desportiva, as decisões do Tribunal Pleno do STJD são irrecorríveis, bem como as decisões dos TJDs que exclusivamente interpuserem multa de até R$ 1.000,00 (mil reais).

Em caso de urgência, é permitida a interposição do recurso por telegrama, fac-símile, via postal ou por correio eletrônico, com as cautelas devidas, desde que o recorrente comprove a remessa original de suas razões recursais ao órgão competente no prazo de três dias, sob pena de não conhecimento.

O CBJD faz menção expressa a dois tipos de recursos: o Recurso Voluntário e os Embargos de Declaração, especificando as hipóteses de cabimento, o modo de processamento e a forma de julgamento dessas espécies recursais, conforme tratado nas seções seguintes.

5.1. RECURSO VOLUNTÁRIO

O recurso voluntário pode ser interposto contra qualquer decisão dos órgãos da Justiça Desportiva, exceto das decisões do Tribunal Pleno do STJD, pois, como mencionado anteriormente, são irrecorríveis.

O artigo 138, do código, determina que o recurso voluntário seja protocolado perante o órgão judicante que proferiu a decisão recorrida, bem como estabelece deveres atribuídos ao recorrente que se assemelham as características dos recursos interpostos perante a justiça comum, como o de indicar o órgão competente para o julgamento do recurso e juntar, no momento do protocolo das razões recursais, o comprovante do pagamento das despesas processuais, sob pena de deserção.

Assim que o protocolo é feito, o recurso é encaminhado à instância superior, momento que o Presidente desta fará a análise dos requisitos de admissibilidade do recurso. Constatada a presença dos requisitos, o artigo 138-C estabelece que o próprio Presidente “sorteará relator, designará sessão de julgamento, determinará a intimação e abrirá vista dos autos para as partes contrárias e interessados impugnarem o recurso no prazo comum de três dias”.

Vale ressaltar que o recurso será recebido em seu efeito devolutivo, exceto quando o recurso for parcial, não sendo admitida a produção de novas provas. Contudo, é permitido durante a sessão de julgamento, em caráter excepcional e a critério do relator, a reexibição de provas e a retomada de depoimentos que não foram reduzidos a termo.

Caso haja pedido de efeito suspensivo, cabe ao relator apreciar a questão em decisão fundamentada, sendo concedido o efeito desde que se convença da verossimilhança dos fatos alegados pelo recorrente e quando apenas a devolução da matéria puder causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Da decisão que concede o efeito não cabe recurso, mas ela poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo pelo próprio relator.

Além disso, o recurso voluntário será recebido no efeito suspensivo nos seguintes casos, segundo o artigo 147-B, do CBJD: (i) quando a penalidade imposta pela decisão recorrida for superior ao número de partidas ou aos prazos determinados em lei. Nesse caso, o efeito deve ser requerido por aquele que sofreu a punição e somente suspende a eficácia da penalidade no que exceder a quantidade de partidas ou os prazos previstos em lei; e (ii) quando houver cominação de multa, sendo a sua exigibilidade suspensa até o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Salvo se interposto pela Procuradoria, a penalidade não poderá ser agravada em decisão do recurso voluntário, no entanto, a pena poderá ser reformada, total ou parcialmente, para beneficiar o réu, independentemente de quem tenha interposto o recurso. Passada em julgado, a Secretaria tem até dois dias para devolver o processo ao juízo de origem.

5.2. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Quanto aos Embargos de Declaração, as condições para sua interposição muito se assemelham ao recurso previsto nos artigos 1.022 a 1.026, do Código de Processo Civil, eis que são admitidos quando a decisão for obscura, contraditória ou omissa a respeito de matéria sobre a qual o órgão julgador deveria ter se manifestado.

O prazo para a interposição e julgamento dos embargos na Justiça Desportiva é de dois dias para cada ato, diferentemente do que acontece na justiça comum, pois lá o prazo é de cinco dias.  Os embargos de declaração causam a interrupção do prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes interessadas. Além disso, não é necessário, para sua interposição, o recolhimento do preparo.

No prazo de dois dias, o relator deverá julgar monocraticamente os Embargos de Declaração, porém, em casos excepcionais, caso considere haver alegações relevantes por parte do embargante, o relator poderá remeter o julgamento para o colegiado, colocando-o em mesa na sessão seguinte à oposição dos Embargos, nos termos do § 2º do art. 152-A do CBJD.   Do mesmo modo, quando o relator entender que os Embargos de Declaração merecem ser providos com efeitos infringentes, isto é, alterando-se o mérito, deverá remetê-los a julgamento pelo colegiado (§ 4º, art. 152-A, CBJD).

Assim como no Código de Processo Civil, o CBJD também prevê a possibilidade de aplicação de multa nos casos em que os Embargos de Declaração são manifestamente protelatórios, a diferença é que no CPC a multa não pode exceder a 2% sobre o valor atualizado da causa, enquanto na Justiça Desportiva o valor da multa não pode ser inferior ao valor da menor pena pecuniária prevista no CBJD.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Justiça Desportiva não integra o Poder Judiciário, trata-se de uma entidade autônoma, independente, privada, mas que não exclui do Poder Público a apreciação de matérias que versem sobre a disciplina e as infrações cometidas no desenvolver de uma competição, desde que respeitado o esgotamento de todas as suas instâncias, conforme determina a Constituição da República. Há diversas leis infraconstitucionais que regulam sua estrutura e a organização, sempre enfatizando sua autonomia em relação aos demais ramos do Direito, reflexo também das disposições constitucionais.

Ela é regida por princípios que integram o ordenamento jurídico brasileiro, bem como por princípios próprios e específicos que se aplicam somente à prática do desporto. Isso evidencia mais ainda sua autonomia, ao estabelecer um conjunto normativo específico a ser observado pelos julgadores e por todos que de algum modo se submetem a sua jurisdição.

Ademais, é possível afirmar que a estrutura da Justiça Desportiva é piramidal, visto que há três instâncias de julgamento, dispostas hierarquicamente, sem prejuízo da competência originária de cada uma delas. Ainda é verificada a presença de uma Procuradoria própria, responsável pelo oferecimento de denúncias contra aqueles que praticam atos que infringem as regras do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

O modo com que seus procedimentos e recursos foram organizados e previstos coadunam-se com dinâmica das competições desportivas, que não podem ser paralisadas sempre que um processo é instaurado. A celeridade no processamento e julgamento na Justiça Desportiva é essencial para prestação satisfativa da jurisdição desportiva. Diante do exposto, percebe-se que a Justiça Desportiva possui papel relevante no ordenamento jurídico pátrio, proporcionando àqueles que atuam com o desporto uma solução técnica e específica no assunto, de modo célere e eficiente.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


REFERÊNCIAS

AIDAR, Carlos Miguel. Curso de Direito Desportivo. São Paulo: Editora Ícone, 2003.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 15 de março de 2015. Código de Processo Civil. 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>

BRASIL. Lei nº 12.867, de 10 de outubro de 2013. Regula a profissão de árbitro de futebol e dá outras providências. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12867.htm>. Acesso em: 28 jul. 2019.

BRASIL. Código Brasileiro de Justiça Desportiva. 2010. IBDD Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. São Paulo: IOB, 2010. Disponível em: <http://www.esporte.gov.br/arquivos/cejd/arquivos/CBJD09032015.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2019.

BRASIL. Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2013. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm>. Acesso em: 28 jul. 2019.

BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Lei Pelé. Institui normas gerais e dá outras providências. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9615consol.htm>. Acesso em: 28 jul. 2019.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 28 jul. 2019.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.199, de 14 de abril de 1941. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o país. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del3199.htm>. Acesso em: 28 de jul. 2019.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CARVALHO, Milton Paulo de. et. al. Teoria Geral do Processo Civil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Editora Malheiros, 2016.

FACHADA, Rafael Terreiro. O Direito Desportivo enquanto uma disciplina autônoma. Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC, 2016.

FIFA. FÉDÉRATION INTERNATIONALE DE FOOTBALLL ASSOCIATION. Status de La FIFA. Suíça, 2016. Disponível em: <https://resources.fifa.com/image/upload/the-fifa-statutes-in-force-as-of-27-april-2016-2782907-2782910.pdf?cloudid=aaelkkcji0tf0rurac2d>. Acesso em: 28 de jul. de 2019.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 22ª ed. Edição do Kindle. São Paulo: Saraiva, 2018.

MICHAELIS. Dicionário Escolar Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2008.

SCHMITT, Paulo Marcos. Regime Jurídico e Princípios do Direito Desportivo. Disponível em: <http://www.esporte.pr.gov.br/arquivos/File/regime_juridico.pdf>. Acesso em: 28 de jul de 2109.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA. Processo nº 395/2018 – Recurso Voluntário. Recorrente: Clube Atlético Paranaense. Recorrido: Quinta Comissão Disciplinar. Auditor Relator: Dr. José Perdiz de Jesus. Redistribuído para Dr. João Bosco Luz. j.29.112018. Disponível em: <https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201811/20181129171514_901.pdf>. Acesso em: 28 de jul. 2019.

PINHO, Daniela. Presidente indefere impugnação do CSA. In: Notícias STJD. 28 de junho de 2019. Disponível em: <https://www.stjd.org.br/noticias/presidente-indefere-impugnacao-do-csa>. Acesso em: 28 de jul. de 2019.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 57ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v1.

[1] ISABEL DE AZEVEDO SOUZA, Pós-graduanda em Direito Desportivo pelo Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo. Bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vice-Presidente da Comissão de Direito Desportivo da 103ª Subseção – Vila Prudente. Sócia fundadora do escritório de advocacia Azevedo, Bueno & Braga Advogados. Contato: [email protected]

[2] FABIO SOUZA TRUBILHANO, Doutor pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sócio fundador do escritório de advocacia TRUBILHANO Sociedade de Advogados. Foi Diretor Jurídico do Sport Club Corinthians Paulista na Gestão de 2018/2020. Contato: [email protected]

 

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.