Por Renato Gueudeville
Quem não lembra dos tempos fantásticos da adolescência de cada um de nós?
Músicas, filmes, amigos, farras … um punhado de recordações que constantemente nos levam a caracterizarmos como a melhor fase das nossas vidas.
A 5ª série habita cada um de nós. De uma forma ou de outra, nós encontramos sempre uma maneira de nos reconectar com as brincadeiras e a leveza da nossa adolescência. Um trocadilho ali, uma rima acolá, piadas de duplo sentido e falar muita bobagem eram requisitos para frequentar um besteirol de um ambiente leve e descompromissado. Algo de errado nisto? Claro que não, desde que saibamos separar a dose correta para que o remédio não vire veneno.
O futebol brasileiro insiste em viver numa espécie de “eterna 5ª série”. São tantos os problemas visíveis a uma mínima análise que fica difícil de encontrar argumentos que não justifiquem a busca de soluções. É como se fosse um punhado de salas de aulas que insistissem em algazarras sem nexo, não sabendo eles que brincadeira tem hora.
5ª Série – A (com “A”de arbitragem)
A cada campeonato fica evidente a má-qualidade do nosso quadro de arbitragem. Os erros se repetem a cada rodada e campeonato, sejam eles nas principais divisões do nosso futebol ou nas categorias de base.
A arbitragem brasileira tem conseguido colocar em xeque-mate até uma grande ferramenta adotada pela FIFA para dar mais assertividade às decisões do jogo: o VAR. Os nossos árbitros conseguem errar até assistindo algumas vezes pelo vídeo, além de premissas de marcações diferentes onde não conseguimos chegar em consenso do que é permitido e o que não é. Pasmem: até linhas traçadas de forma errônea, para marcar impedimento, nós vivenciamos em algumas ocorrências. Isso para não falar do tempo gasto para análise que certamente está entre os mais lentos do mundo.
Reprodução Premiére – (Atlético MG x São Paulo em 2020 com gol mal anulado)
E todos sabem que é preciso profissionalizar de uma vez por todas a arbitragem no Brasil. Por que não é dada nenhuma importância para o assunto já que esse é um ator fundamental para uma indústria que movimenta alguns bilhões de Reais por ano?
5ª Série – B (com “B”de boleiragem)
Gérson, em propaganda veiculada na década de 70 em que ele valorizava o “jeitinho brasileiro”, acabou dando um rótulo aquela famigerada forma de levarmos a vida enganando o outro. Levar vantagem virou um atributo, e não, constrangimento.
Imagem: Diário do Comércio
Nunca é demais lembrar que um dos maiores ídolos do nosso futebol é lembrado constantemente por sua malandragem na Copa de 1962. Nilton Santos, com seu passinho à frente, é constantemente mencionado como a nossa superioridade é maior até na enganação.
Nossos jogadores, em sua grande maioria, adotam essas posturas nas partidas. Seja pela simulação de diversas faltas inexistentes usadas para “amarelar” ou expulsar o oponente, seja para cavar um pênalti, seja naquele goleiro que quando seu time está tomando sufoco, ele providencialmente cai e pede atendimento em campo.
O jogador brasileiro (aliás, o sul-americano de uma forma geral) compromete a qualidade do jogo com essa boleiragem irritante, antiquada e antiprofissional. O que ele pensa que é uma qualidade que faz parte do show, é na verdade uma disfunção que desvaloriza o produto, tornando em muitos momentos um jogo sujo.
E sabe o que é pior? Ele sai daqui para um clube europeu e lá ele se adequa uma nova realidade, ratificando que conscientização é, também, produto do meio em que você vive.
5ª Série – C (com “C” de calendário)
Clubes brasileiros que chegam a disputar 5 competições no ano e outros que a partir de agosto não têm mais o que fazer. Discutido por diversas correntes por especialistas do nosso futebol, mas aquela sensação de não dar em nada, o calendário segue sendo um calo no pé do bom andamento do nosso jogo.
Os Estaduais continuam ocupando uma faixa importante do ano quando os principais clubes deveriam ter tempo para suas pré-temporadas e espremendo ainda mais a quantidade de dias restantes para competições nacionais e continentais.
Imagem: GE
Além disso, as janelas internacionais retiraram importantes peças dos elencos dos nossos clubes no decorrer dos campeonatos e isso sem falar das Datas-Fifas.
A CBF nunca deu provas de querer liderar um debate sério sobre o assunto em qualquer época que nós busquemos. Qual a razão desta pauta não ter sido levada à discussão por ela e os clubes? Todos eles sofrem com o mesmo problema há anos e absolutamente nada foi feito.
De quem é o interesse em manter tudo desordenado da forma como está concebida?
5ª Série – D (com “D” de dirigentes)
“A ferramenta mais importante de um líder é o seu próprio exemplo”. A frase de John Wooden, lendário treinador americano de basquete, nos coloca na melhor posição possível para refletirmos. É praticamente uma assistência para uma enterrada numa cesta ou um toque sutil para tirar o goleiro e sair para o abraço.
Qual foi a qualidade das nossas lideranças do futebol brasileiros nas últimas décadas? Faça uma escala de nota de 0 à 10 para qualificar a média dos dirigentes que passaram pelos nossos clubes. Será que conseguimos chegar a 5? A esmagadora maioria seria reprovada em testes de competência, ética e honestidade.
O futebol brasileiro está muito aquém do seu potencial e essa é uma conta a ser cobrada de uma leva de péssimos dirigentes. O pior deles não foi somente não enxergar à frente. Foi matar o futuro a custo de um presente irresponsável e descompromissado.
Ricardo Teixeira e Marco Polo del Nero Foto: Sérgio Barzaghi – Gazeta Press
5ª Série V (com “V” de violência)
Até março deste ano, nós vivemos 15 casos de violência nos estádios, praticamente um a cada quatro dias, segundo levantamento do Estadão em reportagem veiculada há alguns meses atrás.
Episódios de pedradas e fogos de artifícios contra ônibus, invasões de campos pela torcida para agressão à jogadores, brigas de organizadas. Na Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul. Nas séries A, B, C e D ou nas categorias de base, o futebol brasileiro vive um show de horrores do ódio e violência que assola a sociedade.
As partes envolvidas (Clubes, Torcedores, Ministério Público, Polícias e tantos outros) tentam minimizar os impactos, mas não conseguem sufocar o que a impunidade alimenta. E a sensação de que as partes só buscarão uma solução definitiva quando acontecer uma tragédia de grande impacto (uma morte de um jogador, dirigente, árbitro ou jornalista) é cada vez mais evidente. Sim, porque morrer torcedor (comum ou de organizada) já não indigna, já virou uma paisagem.
E aqui estamos nós, cobrando do futebol e de todo o seu ecossistema, a responsabilidade e maturidade necessárias para a valorização do produto. Nós estamos suplicando, por exemplo, que a violência seja combatida e duramente punida. Aqui, justamente nesse país em que um Ex-Deputado e Ex-Presidente de um dos partidos mais importantes no cenário político recebe agentes da Polícia Federal a balas e granadas…
Saudade da época em que a 5ª Série era só mais uma brincadeira de amigos. Sentiu meu saco cheio?
Crédito imagem: Canal Memenês/YouTube
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Renato Gueudeville é administrador de empresas com MBA em Finanças Corporativas, conselheiro consultivo, gestor com conhecimento em reestruturação empresarial e atuação pelas principais instituições financeiras do país. Acredita que no mundo da bola, fora da gestão não há salvação. É sócio do Futebol S/A.