Você sabia que no dia 21 de outubro de 2020 comemoramos o Dia da Ética Global?
Uma iniciativa do Carnegie Council for Ethics in International Affairs, a criação dessa data comemorativa celebrada na terceira quarta-feira do mês de outubro, o “Global Ethics Day”, foi inspirado pelo Dia da Terra e oferece uma oportunidade para organizações em todo o mundo comemorarem as boas iniciativas, debaterem o significado da ética e divulgarem as boas práticas desenvolvidas na busca por integridade.
Algumas iniciativas de gestão no campo esportivo nacional mereceriam destaque nesse dia por trazerem a ética para o centro dos debates, como é o caso de projetos como o Gestão Ética e Transparência https://www.cob.org.br/pt/cob/transparencia/gestao-e-estrategia/programa-get/ ou o Rating Integra https://www.ethos.org.br/conteudo/projetos/gestao-sustentavel/rating-integra/, importantes mecanismos em prol da governança, da gestão da integridade e da transparência das entidades esportivas no Brasil ao reconhecerem as entidades que apresentem boas práticas de gestão.
Mas, afinal, para além dos ganhos financeiros e do reconhecimento concedido às entidades, como a ética se conecta com o esporte? Que contribuições a ética traz ao segmento esportivo?
Recentemente, iniciei estudos mais profundos para minha pesquisa de Mestrado, a respeito da ética aplicada ao esporte, oportunidade em que recebi diversas indicações de pensadores para além dos clássicos Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Spinoza, Kant, Hegel ou Nietzsche e de fontes mais ao Oriente, como François Julien.
Mas, foi através das ponderações trazidas pelo historiador holandês Johan Huizinga na obra “Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura” que encontrei algumas das reflexões mais interessantes e que me levaram a incluir a ética como importante sustentação do esporte como o conhecemos.
O livro data de 1938, escrito, portanto, entre guerras, após os Jogos Olímpicos de 1936 na Alemanha e a edição cancelada de Tóquio que ocorreria em 1940, o que talvez justifique parte do desalento do autor com o desenvolvimento do esporte olímpico, que, em sua opinião, abandonou a sua origem lúdica.
O jogo e sua função social são os focos do livro: é uma imaginação da realidade, de forma que seu valor, seu fator cultural, está contido em todas as funções simbólicas da sociedade.
Já no prefácio, o autor nos mostra como a expressão Homo Ludens pode parecer mais adequada que Homo Sapiens, se consideramos jogo como toda e qualquer atividade humana. Afinal, é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve, pois numa perspectiva histórica se reconhece o jogo como algo inato ao homem, sendo possível observar alguma espécie de jogo em quase todos os fenômenos da vida animal, porquanto mesmo entre crianças e animais se reconhece a existência de jogos que ajudam no desenvolvimento e no aprendizado.
O uso na linguagem (o que são as metáforas e as ironias se não jogos de palavras?), a criação de mitos que ilustrem os fenômenos para os quais não se tem explicação científica, são outros exemplos desse elemento simbólico que é o jogo, uma categoria absolutamente primária da vida, anterior até mesmo à cultura, tendo esta evoluído através do jogo.
A partir dessa perspectiva histórica é que se cheguei às reflexões do autor a respeito da ética aplicada ao esporte, que são abordadas através do elemento tensão, que é inerente ao jogo e que desempenha um papel especialmente importante: a tensão significa a incerteza, o acaso, o desconhecimento quanto ao resultado final daquele jogo, um dos elementos essenciais à sustentabilidade do esporte como conhecemos. Afinal, quem assiste a uma partida com a mesma paixão se já se antecipa o resultado?
Sejam quem forem os participantes e seja qual for a competição envolvida, há sempre algum esforço para levar o jogo ao seu desfecho. O jogador pretende ganhar, mesmo à custa do seu próprio esforço.
Mesmo em jogos solitários, como os quebra-cabeças, as charadas, os jogos de armar ou o jogo de paciência solitário que acessamos em qualquer computador, há esse elemento de tensão e de busca constante da solução, do uso da destreza e da aplicação das melhores técnicas. Quanto mais estiver presente o elemento competitivo, mais apaixonante se torna esse jogo. A tensão atinge o seu ápice quando pensamos em jogos de azar e em competições esportivas de alto rendimento, mas está presente seja qual for o jogo.
E é o elemento tensão que confere um certo valor ético ao jogo, na medida em que são postas à prova as qualidades do jogador: a sua força e a sua habilidade, mas, igualmente, aquelas capacidades espirituais que se conectam à sua lealdade às regras do jogo. Pois, apesar do desejo de ganhar, o jogador deve sempre obedecer às regras do jogo.
É curioso notar como somos até mesmo mais compreensivos para com o desonesto do que com o desmancha-prazeres, destaca o historiador. O que, provavelmente, se deve ao fato de este último ofender a própria magia do jogo, ao privar o jogo da ilusão – palavra cheia de sentido que significa literalmente “em jogo” (de inlusio, illudere ou inludere). Torna-se, portanto, necessário expulsá-lo, pois ele ameaça a existência do jogo através da sua magia, da ilusão que proporciona.
Portanto, o que se faz ao trazer a ética para o debate quanto ao esporte é justamente garantir ao esporte um dos seus elementos essenciais: a incerteza do resultado, a confiança de que quem quer que participe, observará as mesmas regras e se guiará pelos mesmos valores capazes de garantir a igualdade entre todos os participantes, o que torna o final surpreendente.
Assim, quer se trate de um atleta em campo, piscina ou quadra, ao observar as regras antidopagem ou aquelas relacionadas à disciplina, quer se trate de um clube, ao participar de negociações por patrocínios, ao seguir as regras de fair-play financeiro ou honrar as partidas mesmo amistosas, o que se pretende resguardar é que todos estejam competindo em igualdade de condições, sob pena de se macular a própria essência do jogo, que exige respeito ao círculo sagrado do esporte e nos motiva a querer ver sempre mais.
Mais do que comemorar as boas iniciativas, lembretes externos como o Dia de Ética Global, servem para nos recordar o que realmente importa ao final de cada partida: o desejo de que realmente vença o melhor.
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