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A exclusividade nos contratos de lutadores profissionais de MMA: há prestação de trabalho intermitente?

O processo antitruste contra o UFC ajudou a esclarecer um lado financeiro e contratual do desporto anteriormente relegado à especulação e divulgações esporádicas.

Os autores da ação argumentam que as cláusulas de exclusividade vinculam lutadores a uma relação restrita com o UFC e proíbe-os de aparecer em competições organizadas por promoções rivais, a menos que aprovados pelo UFC, impedindo assim que os atletas recebam bolsas de competição de eventos de MMA concorrentes.

As lutas no MMA, como os combates de boxe, devem ser promovidas por algum indivíduo ou organização que assuma os pagamentos dos lutadores, depois comercializando o combate para cobrir esse custo e obter lucro.

A maior parte das receitas das lutas de MMA provém da venda de direitos televisivos e ingressos.

O MMA é como o boxe na medida em que existem várias organizações que atribuem cinturões de campeonato.

Porém, ao contrário do boxe, onde os cinturões são dados pelas entidades do boxe e não pelos promotores, no MMA, os eventos, como o UFC, promovem as suas próprias lutas e também atribuem os cinturões nas diversas categorias que possuem.

Diferente do boxe, onde os combates individuais são organizados um de cada vez por diferentes promotores, os lutadores de MMA pertencem a promotores específicos, tais como o UFC e seus rivais, que prendem os atletas através de cláusulas contratuais de exclusividade.

Tais cláusulas são replicadas por eventos similares ao redor do mundo. No Brasil, tal prática é comum, uma vez que aqui o modelo norte-americano do esporte é replicado sem ressalvas legais.

Em geral, um contrato no MMA brasileiro obedece ao seguinte formato: o atleta assina por um par de lutas no período de 12 doze meses um contrato cível de adesão..

Ainda conforme o modelo, a promoção contratante paga ao atleta uma bolsa de participação para cada luta, podendo o atleta receber um bônus em caso de vitória, contando, às vezes, com uma ajuda de custo por parte do evento para cobrir suas despesas de preparação.

O contrato, em geral, também prevê que o atleta não pode participar de qualquer outro evento dentro do Brasil que envolva lutas sem autorização expressa do evento contratante, havendo previsão de multa em caso de desobediência, sendo esta a questionável cláusula de exclusividade.

Pela legislação brasileira, a exclusividade geralmente não é requisito para que se configure o vínculo empregatício. No entanto, é possível se exigir a exclusividade do empregado, quando pensamos que o trabalho do empregado é indispensável na atividade do seu contratante – fazendo com que a exclusividade esteja presente na maioria dos contratos de trabalho, ainda que não seja um requisito propriamente dito.

Nos contratos de trabalho, existem outras cláusulas que limitam a liberdade do labor, como no caso da própria exclusividade. A intenção desta cláusula é dar oportunidade ao empregador, que custeou a qualificação da mão-de-obra e investiu no empregado, se beneficiar do conhecimento e experiência adquiridos.

Porém, se a relação é de natureza cível, como aplicar um elemento de exclusividade sem contrapartida, como salários e demais verbas trabalhistas?

Ocorre que a presença desse requisito da exclusividade nos contratos de atletas de MMA gera, a meu sentir, presunção de subordinação.

Ora, se o atleta não tem o poder de decidir para quem deve executar determinada atividade em determinado momento, significa que não possui autonomia de desempenho e, portanto, pode ser discutido um possível vínculo de emprego.

O contrato discutido in casu, analisado à luz da legislação trabalhista brasileira, se enquadraria nos moldes do contrato de trabalho intermitente, de acordo com o Art. 443 da CLT, senão, vejamos:

Consolidação da Leis do Trabalho

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017). (Grifo meu)

A intermitência na prestação do serviço, que é o requisito caracterizador dessa modalidade de contrato de trabalho, traz ao intérprete uma situação sui generis quando se observam os requisitos do vínculo empregatício estampados no art. 3º da CLT, já que o requisito habitualidade não é exigido nessa modalidade contratual.

Destarte, poder-se-ia entender o contrato de trabalho intermitente como modalidade de contrato de trabalho individual na qual estão presentes todos os requisitos do vínculo empregatício, enquadrando-se no modelo apresentado neste breve estudo.

Faz-se necessário reforçar, nessa ocasião, a exceção da habitualidade nos contratos intermitentes e sua identificação na relação atleta da luta/evento, vez que a prestação de serviços ocorre com alternância a períodos de inatividade, que é justamente o que permeia a vida do atleta da luta, ora treinando para um evento (ou estando à disposição do promotor para uma eventual chamada em cima da hora), ora se recuperando de lesões, sendo estes seus momentos de inatividade, pois não esta efetivamente lutando no evento.

Como vimos, além da subordinação e desnecessidade da habitualidade, o trabalho do atleta para o evento contratante pode apresentar os elementos que caracterizariam o vínculo de emprego, quais sejam:

  1. Pessoalidade, já que o atleta da luta hoje em dia é indivíduo com características personalíssimas, como técnica de luta e mesmo marca própria, não podendo ser fazer substituir por outrem;
  2. Onerosidade, pois, logicamente, atleta profissional luta por bolsas, tal como previsto em contrato.

Não se pretende, em breves linhas, esgotar tema complexo, porém, seria o caso de ser revista essa questão da exclusividade, sob pena de ser caracterizado, em algum momento, vínculo de emprego entre o atleta da luta e o evento contratante.

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REFERÊNCIAS

COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023.

LEMOS, Maria Cecília de Almeida Moreira. O dano existencial nas relações de trabalho intermitentes: reflexões na perspectiva do direito fundamental ao trabalho digno. 1ª. ed. São Paulo: LTr, 2020.

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