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A execução centralizada (concentrada) e a polêmica da semana envolvendo um clube centenário do Rio de Janeiro

A execução centralizada ou ato de execução concentrada é um regime especial que possibilita a reunião de todas as execuções contra um mesmo devedor em uma única vara (de execução, de precatórios, ou reservada pelo Tribunal), suspendendo todos os mandados de constrição judicial sobre bens que atravanquem ou impeçam o prosseguimento da atividade econômica, mas ao mesmo tempo requisitando o cumprimento rígido das execuções de maneira gradativa sobre um percentual mensal e anual dos ativos do executado para a satisfação creditícia de seus credores, sob pena de suspensão dos benefícios do procedimento.[1]

O regime de execução centralizada para os clubes de futebol foi utilizado antes do surgimento da Lei n. 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e de Falência),[2] e, por mais que a Lei não possa ser aplicada de maneira direta às entidades esportivas empregadoras, por se constituírem predominantemente em associações sem fins econômicos, não deixa de ser uma referência legal na tramitação da execução concentrada.

Atualmente, a basílica legal especial da execução centralizada em face dos clubes empregadores se encontra na aplicação direta do art. 50, da Lei n 13.155/15 (conhecida como Lei do PROFUT) e nos arts. 13 a 24 da Lei n. 14.193/21 (Lei da Sociedade Anônima do Futebol-SAF), recentemente publicada.

O art. 13, I, da Lei n. 14.193/21 prevê a execução centralizada especificamente e os arts. 13, II, 25 da mesma Lei, delineia o novo regime de recuperação judicial e extrajudicial se remetendo à aplicação da Lei n. 11.101/05.

Nesta breve nota não cabe se debruçar sobre a nova sistemática de recuperação judicial e extrajudicial das SAFs, mas somente descrever breves linhas acerca da execução centralizada.

Diante desse panorama, sempre se questionou a constitucionalidade formal do art. 50, da Lei n. 13.155/15 instituído pela Medida Provisória n. 671/15, pois o texto do art. 62, § 1º, da CF/88, no entendimento dominante do Excelso Supremo Tribunal Federal (E.STF) é extensível à matéria de processo do trabalho, não restrita à expressa literalidade constitucional ao vedar a Medida Provisória em “processo penal” e “processo civil”.[3]

O partido PODEMOS movimenta a ADI n. 6047 sobre o art. 50, da Lei n. 13.155/15 perante o E.STF, mas em conformidade com os demais artigos supradestacados não se vislumbra empecilho constitucional no efetivo uso do regime centralizado de execução envolvendo os clubes empregadores e os atletas.

De todo modo, já se concorda com doutrinadores renomados, como os pronunciamentos de ministério de Paulo Feuz, no sentido de que o art. 13, I, suprareferenciado abrange também os clubes que não virarem Sociedade Anônima ou outra espécie de sociedade empresarial, pois não deve existir a hipótese de super privilégio ou discriminação entre os tipos de pessoas jurídicas, sob pena de inconstitucionalidade.

O preâmbulo da lei destaca também “entidades de práticas desportivas”, o que intensifica a justificativa de a execução centralizada (concentrada) envolver não apenas os clubes que se transformarem em sociedades empresariais, mas também os que permanecerem associações sem fins econômicos.

O Colendo Tribunal Superior do Trabalho (C.TST) editou o provimento CGJT n. 01/2018 no dia 09/02/2018 que regulamenta a padronização do procedimento de reunião de execuções no âmbito da Justiça do Trabalho, mencionando explicitamente a regulação do ato de execução concentrada para as entidades desportivas.[4] Com a nova Lei n. 14.193/21 o C.TST, em breve, deve editar uma nova norma regulamentando a matéria.

Os Tribunais Regionais do Trabalho também regulamentaram o ato de execução concentrada, embora com nomenclaturas diversas. O Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (Estado do Ceará) aprovou a resolução n. 493/2014 que cria a Divisão de Execuções Unificadas, beneficiando os clubes empregadores cearenses com o regime de execução centralizada.[5]

Vale asseverar: a entidades de práticas desportivas do Estado do Ceará, à exemplo do Ceará Sporting Club, Fortaleza Esporte Clube, Ferroviário Atlético Clube, bem antes dessa resolução, já em 2009, usufruíam de um plano de execução concentrada em duas Varas de Execuções criadas muito em função de seus passivos judiciais trabalhistas.

O Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Estado do Rio de Janeiro) desde 2007 regulamentou o ato de execução concentrada no provimento conjunto n. 1/2007, com última atualização do provimento conjunto n. 1/2018. No mais, Os Egrégios Tribunais Regionais do Trabalho da 3ª Região (Estado de Minas Gerais), 12ª Região (Santa Catarina), 5ª Região (Bahia) também foram dos primeiros a regulamentar a matéria.[6]

Os regulamentos da Justiça do Trabalho acerca do regime de centralização de execução não afrontam os arts. 22, I, 24, XI, da CF/88, uma vez que não criam procedimento em matéria processual ou norma processual, são permitidos no processo do trabalho pelo art. 28, da Lei n. 6.830/80 c/c art. 899, da CLT, e apenas infundem normas de aprimoramento procedimental na aplicação do plano de execução centralizada, portanto, inexiste inconstitucionalidade.

Também não há transgressão ao princípio do juiz natural, pois a execução prossegue no juízo que primeiro recebeu a distribuição da demanda, além de o procedimento transparecer todo o cuidado com a comunicação entre a vara sentenciante que dita as regras executórias e as varas aonde os processos se direcionam para a concentração.[7]

O ato de execução concentrada se motiva na preservação da função social da pessoa jurídica dos clubes, traduzida em sua fonte economicamente produtiva, manutenção dos empregos, interesses dos credores, revigoramento, viabilidade de continuação das atividades, fomento à atividade econômica, manutenção de direito sociais fundamentais, como opção de lazer e cultura (referência do art. 47, da Lei n. 11.101/05 e arts 6º, 217, da CF/88), bem como ainda aperfeiçoa a organização na quitação dos débitos aos diversos exequentes.

Na prática, o procedimento de concentração na execução trabalhista das equipes empregadoras viabiliza o prosseguimento de sua existência, sem descurar da quitação dos débitos judiciais laborais pertencentes aos jogadores exequentes, deve servir ao equilíbrio dos princípios da execução menos gravosa do executado, da utilidade na constrição,[8] com os princípios da efetiva satisfação creditícia e primazia do credor trabalhista.[9]

O histórico do ato de execução concentrada demonstra que deve ser mantido, é um mecanismo que ajudou muitas entidades empregadoras desportivas a sanar as suas dívidas trabalhistas. Alguns clubes empregadores não obtiveram êxito por má administração ou fatos isolados.

Nessa esteira, caso o empregador desportivo descumpra as regras do procedimento de execução concentrada deve sofrer a perda de seus benefícios retornando ao trâmite normal da execução, pois relembre-se que o princípio da efetividade na satisfação executiva deve prevalecer sobre o princípio da execução menos gravosa, mormente, por estar-se diante de verbas de natureza alimentar, prioritária.[10]

Por outra dimensão, não significa que a execução centralizada (concentrada) seja um “mar vermelho” para violações ao direito dos atletas de satisfação dos créditos trabalhistas, devendo seguir uma sistemática efetiva de prazos, gradações e procedimentais.

Na decisão do Magistrado Laboral que provocou uma enorme polêmica de resistência pública de um determinado Clube Centenário do Rio de Janeiro nesta semana, afirmando que “fecharia as portas”, resta saber, detidamente nos autos processuais (acesso inalcançável por este autor), se os requisitos legais vinham sendo cumpridos para se manter ou não os benefícios da execução centralizada (concentrada).

Enfim, passados alguns anos, a realidade demonstra avanços em redução de passivos judiciais trabalhistas desportivos, outras permanecem com muitas dificuldades. A expectativa restante é que as entidades desportivas empregadoras se sanem definitivamente e tracem modelos permanentes de governança corporativa (compliance e fair play financeiro) para não recaírem na cultura vigente até o momento, de alternância de boas e más administrações, como ocorre na história dos clubes empregadores no Brasil.

……….

[1] Definição elementar em LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Ato das execuções concentradas – bom para o atleta, bom para o clube e bom para a Justiça. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto; GIORDANI, Manoel Francisco de Barros da Motta Peixoto. Direito desportivo: aspectos penais e trabalhistas atuais. São Paulo: LTr, 2017, p. 12.

[2] RAMOS, Gabriel de Oliveira. Execução concentrada de título judicial contra a entidade desportiva: aspectos críticos e vantagens. In: BELMONTE, Alexandre Agra et al., op. cit., 2013, p. 297.

[3] Embora o último entendimento tenha ocorrido em decisão monocrática no Mandado de Seguraça n. 34773 impetrado e decidido em 2017, o relator Dias Toffoli se remeteu à jurisprudência consagrada no E.STF a respeito da matéria. Verifcar em Sítio oficial do Supremo Tribunal Federal. MS n. 34773, processo n. 0004162-56.2017.1.00.0000. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5176702>. Acesso em: 02 ago. 2019.

[4] Tribunal Superior do Trabalho. Legislação – juslaboris – atos normativos – pesquisa. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/124870/2018_prov0001_cgjt.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 04 ago. 2019.

[5] TRT-7ª Região (Ceará). Atos normativos – resoluções do tribunal. Disponível em: <http://www.trt7.jus.br/files/atos_normativos/resolucoes/2014/BD_RESOLUO_493-2014.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2019.

[6] RAMOS, Gabriel de Oliveira. Execução concentrada de título judicial contra a entidade desportiva: aspectos críticos e vantagens. In: BELMONTE, Alexandre Agra et al., op. cit., 2013, p. 299-302., MENDES, Danielle Maiolini. A execução concentrada contra os clubes de futebol. In: OLIVEIRA, Leonardo Andreotti Paulo de., op. cit., 2014, p. 47., LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Ato das execuções concentradas – bom para o atleta, bom para o clube e bom para a Justiça. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto; GIORDANI, Manoel Francisco de Barros da Motta Peixoto., op. cit., 2017, p. 12-14.

[7] RAMOS, Gabriel de Oliveira. Execução concentrada de título judicial contra a entidade desportiva: aspectos críticos e vantagens. In: BELMONTE, Alexandre Agra et al., op. cit., 2013, p. 298-299.

[8] Com entusiasmo relaciona tais princípios LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Ato das execuções concentradas – bom para o atleta, bom para o clube e bom para a Justiça. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto; GIORDANI, Manoel Francisco de Barros da Motta Peixoto., op. cit., 2017, p. 10.

[9] Corrobora-se com SCHIAVI, Mauro., op. cit., 2018, 1123-1128. Reforço da tutela jurisdicional efetiva no processo do trabalho em WANDELLI, Leonardo Vieira. A efetividade do processo sob o impacto das políticas de gestão judiciária e do novo CPC. In: DIDIER JR. Fredie (coordenação geral); BRANDÃO, Cláudio; MALLET, Estevão (coordenação específica). Repercussões do novo – processo do trabalho. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 66-71., ALMEIDA, Wânia Guimarães Rabêllo de. Convenções processuais: disciplina no código de processo civil de 2015 e aplicabilidade no processo do trabalho. In: MIESSA, Élisson (org.). O novo código de processo civil e seus reflexos no processo do trabalho. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 512-516.

[10] A respeito da função social da execução trabalhista e do princípio da finalidade (ou efetividade) social do processo, analisar respectivamente SCHIAVI, Mauro., op. cit., 2018, p. 1129., e LEITE, Carlos Henrique Bezerra., op. cit., 2019, p. 43.

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