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A febre dos Fan Tokens

O que são? Como funcionam? Como se dá a tributação desses ativos emitidos em benefício dos clubes? Essas são algumas das questões que pretendemos responder.

Após surgirem em 2019 sem muito alarde, no início de 2020, os fan tokens viralizaram no meio esportivo, se mostrando como uma nova e importante fonte de renda, especialmente para os clubes de futebol e de outras modalidades esportivas tradicionais, seriamente impactados em suas atividades devido à pandemia do COVID-19. No campo dos e-Sports, a aceitação desses ativos digitais foi imediata, impulsionada pela familiaridade dos adeptos dos esportes eletrônicos com os criptoativos.

O Corinthians lançou 850 mil fan tokens que se esgotaram em apenas 2 horas.[1] A torcida do Atlético Mineiro esgotou 600 mil fan tokens em somente 2 minutos.[2] E o Flamengo conseguiu a proeza de vender 1,5 milhão desses ativos no tempo recorde de 12 minutos.[3]

Atualmente, os fan tokens já somam no mundo mais de US$ 340 milhões em valor de mercado[4], isto é, mais de R$ 1,8 bilhões na cotação atual. Esse número só tende a crescer visto que, seja no esporte ou no e-Sport, ainda são poucas as equipes que já fazem uso desses ativos. No futebol, os resultados são vistos dentro de campo. O Atlético Mineiro viabilizou a contratação do atacante Diego Costa graças a esses ativos[5], o Flamengo, a de David Luiz[6], e parte do salário de Messi no PSG está sendo paga em fan tokens.[7]

Os ganhos com os fan tokens trarão impactos tributários para as equipes. Mas antes de avaliarmos os impactos fiscais, é importante entender como funciona essa nova classe de ativos.

O que são os fan tokens?

Segundo a empresa Socios.com  – uma das principais parceiras dos clubes na emissão e comercialização desses bens – fan tokens são ativos digitais protegidos por criptografia, o que os torna criptoativos, que representam a propriedade de direito de voto, de acesso a recompensas e a experiências de uma determinada equipe. Trata-se de bens fungíveis, de modo que é o seu detentor que tem o direito ao voto e a participar de campanhas promovidas pela equipe ou liga emissora do ativo.[8]

Os fan tokens representam ferramentas criadas para que as pessoas possam interagir com equipe ou liga, tendo acesso a serviços e/ou produtos disponibilizados em uma plataforma digital, seja com conteúdos exclusivos, seja com direito a participar da tomada de decisões, tais como: a escolha da música a ser tocada no estádio ou durante o aquecimento dos atletas no vestiário, as personalidades a serem homenageadas, a pintura do ônibus da equipe, dentre infinitas possibilidades de recompensas. Por esses traços característicos, são considerados tokens de utilidade.

O Sócios.com, no futebol, é responsável pelos fan tokens de seleções nacionais de futebol como Portugal e Argentina, de grandes clubes internacionais como Barcelona, Atlético de Madrid, Paris Saint-Germain, Juventus, Milan, Inter de Milão, Roma, Manchester City e Arsenal, e dos clubes brasileiros Atlético Mineiro, Corinthians, Flamengo e São Paulo, dentre outros.

Mas sua gama de clientes se estende a outros esportes. Na Fórmula 1, conta com Aston Martin e Alfa Romeo. No seguimento de lutas, com UFC e PFL, no tênis, com a Copa Davis, e no basquete com grande parte das franquias da NBA, dentre elas Lakers, Celtics, Bucks, Bulls, Magic, Jazz, Cavaliers, Hornets, etc. No mundo dos e-Sports, contam com equipes internacionais como Heretics, OG, Alliance e Vitality.

O segmento conta também com outros players, como a BitCi Global, que emite fan tokens para a FIBA, a Moto GP, na Fórmula 1 para a Mclaren, para times como o Sporting de Lisboa, Rangers, Espanyol, Celta de Vigo e Alavés e, no País, o Fortaleza, além de seleções nacionais como Brasil, Espanha, Uruguai e Peru.

A novidade, vale destacar, não é uma criptomoeda, isto é, não é um item capaz de ser usado em transações como moeda de compra. Como expõe o Sócios.com em seu website, a única finalidade dos fan tokens é permitir a participação nas votações que serão elaboradas na plataforma por clubes e ligas.[9]

Os tokens, assim como ingressos para partidas esportivas, podem ser revendidos em mercados secundários. O estrangeiro Coin Market Cap e o brasileiro Mercado Bitcoin são exemplos disso. Nesses ambientes, fan tokens são listados ao lado de criptomoedas, ainda que com elas não se confundam.

Os parceiros dos clubes e ligas emissoras dos fan tokens são enfáticos ao esclarecer que o seu produto não é um ativo financeiro, pois sua finalidade primária não é especulativa. Seu objetivo básico é gerar utilidades aos seus detentores, e não a revenda.

É justamente esse traço característico que faz com que os fan tokens não sejam regulados no Brasil pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que tem por finalidade fiscalizar e regular o conjunto de produtos de investimento oferecidos ao público, como é o caso das ações das empresas e dos fundos de investimento.

Outro fato que afasta a fiscalização do órgão é que os ativos têm natureza digital descentralizada. Entender isso não é simples. Os tokens, como veremos a seguir, são adquiridos em criptomoedas (e não Reais, Dólares, Euros ou qualquer outra moeda do mundo físico). Assim, cada computador que roda o software da criptomoeda torna-se uma peça compositora de uma grande rede descentralizada (blockchain). O token, por sua vez, ao se atrelar a uma criptomoeda também usufrui do que a tecnologia proporciona, rapidez e segurança para transferência de dados, transparência e anonimato, e, é claro, a descentralização.[10] Com isso, nem a CVM nem governo algum são competentes para editar regras de funcionamento desses ativos (até que digam algo em contrário).

Como funcionam os tokens?

Uma vez assinado o contrato, a parceira – como é o caso da Sócios.com e da BitCi Global – põe tokens à venda. A primeira emissão é chamada de fan token offering, ou simplesmente FTO.

Nessa primeira emissão, as quantidades de criptoativos lançados no mercado podem variar, sendo que nem sempre o total contratado com o clube ou liga é posto inicialmente à venda. A emissão dos ativos normalmente é feita em etapas e os recursos captados são rateados entre o clube ou liga e a parceira. No formato proposto pelo Sócio.com aos clubes brasileiros a divisão tem sido de 50% para a agremiação e de 50% para a entidade emissora dos ativos.[11]

Após o lançamento de parte dos tokens, o clube ou a liga passam juntamente com a parceira a analisar o comportamento do mercado. Ficam no aguardo de um aumento da demanda pelos fan tokens para fazer o lançamento do saldo residual ou de parte deles para, com isso, obter maiores ganhos.

Adicionalmente, toda vez que usuários fizerem transações de tokens entre eles, o clube ou liga terá direito a um percentual do valor que, para os clubes parceiros do Sócios.com, em regra, gera 0,25% do valor transacionado.[12]

Mas vale destacar uma regra básica. O fan token só tem utilidade e, por consequência, valor, enquanto o clube ou liga, juntamente com seu parceiro, organizar votações para engajar seus detentores. No momento em que esses eventos deixam de existir, o ativo perde valor.

Desse modo, se o contrato entre clube ou a liga e a parceira termina e não é renovado, ou o clube busca por uma nova parceria, ou passa a explorar os fan tokens diretamente, a fim de manter tais ativos valorizados. No caso dos clubes brasileiros parceiros do Socios.com não existe, até o momento, obrigação de recompra dos tokens no caso de perda da sua utilidade.[13]

A tributação dos fan tokens pelos clubes e ligas

Toda essa contextualização é de extrema importância pois para tributarmos adequadamente os fan tokens, é preciso, antes de mais nada, entender o que são esses ativos e a sua natureza. Se estivermos diante de ativos não financeiros, isto é, que são efetivamente uma utilidade e sem perspectiva especulativa, o tratamento tributário será um. De outro lado, se os fan tokens forem vistos não como fins em si mesmos, mas como investimentos decorrentes de transações com as quais se busca auferir rendimentos, o tratamento tributário será outro. Mais do que isso, os próprios ativos, eventualmente, poderão ser fiscalizados e submetidos à regulamentação da CVM.

Os fan tokens são uma tecnologia nova e, como qualquer novidade, geram incertezas quanto ao enquadramento mais adequado. Há argumentos interessantes tanto para se sustentar a natureza de um ativo que tem um fim em si mesmo, quanto para defender sua natureza especulativa. Vejamos.

Para os que veem tais tokens como ativos não financeiros, o cerne da questão está em se identificar a finalidade principal dos tokens, que é gerar o engajamento de torcedores de diferentes partes do mundo, por meio de votações e experiências. Nas palavras de Alexandre Dreyfus, CEO da Socios.com, apesar de haver pessoas comprando e vendendo tênis, o seu propósito segue sendo andar com ele. Da mesma forma ocorre com os fan tokens, apesar de pessoas o comercializarem, sua finalidade segue sendo a de usar os benefícios que ele confere ao seu detentor.[14]

Por outro lado, é inegável que ainda que não seja essa sua principal finalidade, os tokens para muitas pessoas são vistos como ativos financeiros com potencial de lucro. Tanto que eles já são comercializados em diversas plataformas digitais no mercado secundário. Mas é preciso ter claro que a finalidade com a qual um usuário emprega seu capital ao adquirir um token, não pode ser confundida com o propósito do clube ou da liga que procura um parceiro para a sua emissão.

E nesse ponto surge outra dúvida: até que ponto os clubes e ligas não exercem um papel especulativo com os fan tokens? A oferta inicial dos fan tokens tem um preço pré-definido, o que parece afastar a caracterização do ativo, como se fosse financeiro. Porém, temos visto no Brasil que muitas vezes os clubes de futebol estão emitindo apenas uma parcela dos tokens contratados com a parceira, ficando no aguardo de uma eventual subida dos preços dos ativos no mercado secundário, para emitir um novo lote.

Indo além, é natural se esperar que o clube ou liga busque um maior engajamento dos detentores dos seus tokens, com o lançamento de pesquisas e experiências de forma constante, o que, naturalmente, deve valorizar seus fan tokens.

Essa postura dos clubes no Brasil seria suficiente para que o ativo pudesse ser considerado financeiro e sua natureza inicial de utilidade pudesse ser considerada como especulativa? Me parece que não. Mas essa é uma ideia que ainda precisa ser mais amadurecida.

Adentrando no campo tributário efetivamente, ao permitirem que parceiros explorem sua marca, clubes e ligas receberão uma contrapartida a título de royalties. Esses recursos serão receitas operacionais. Tais receitas, para os clubes que se encontram no modelo associativo, estarão isentas da cobrança do IRPJ, da CSL e da COFINS, com base no disposto nos artigos 15 da Lei 9.532/97, e 14 da MP 2.158/01. O PIS, nesta hipótese, será cobrado à alíquota de 1% incidente sobre a folha de salários, nos termos do artigo 13 da MP 2.158/01.

Para os clubes-empresas, submetidos ao lucro real, a tributação dessas receitas ordinárias será feita de forma conjunta para fins de IRPJ, CSL, PIS e COFINS, nos 5 primeiros anos de existência da empresa (SAF), sob a alíquota de 5%, depois disso, à alíquota de 4%, nos termos do artigo 32, da Lei 14.193/21.

No entanto, se eventualmente o clube optar por conservar em sua propriedade fan tolkens com fins especulativos, isto é, para abrir a venda de ativos já emitidos em um momento de alta desses títulos, os eventuais ganhos, se considerados ativos financeiros, seja no modelo associativo ou no modelo empresarial, não gozariam mais de regimes diferenciados de recolhimento (isenção para as associações e a alíquota de 5% ou 4% das SAF’s), passando o lucro da operação a ser considerado um ganho de capital, tributado a uma alíquota progressiva que parte de 15% e termina em 22,5%, conforme definido pelo artigo 21, da Lei 8.981/95.

O impacto tributário pode ser grande, a depender de como entendamos os fan tokens para os clubes e ligas, se ativos não financeiros, ou se ativos especulativos.

Conclusão

Em suma, para fins tributários, é decisivo ter uma clara compreensão da natureza dos fans tokens e a finalidade com a qual eles são empregados por clubes e ligas. A correta forma de tributar esses ativos não está clara, há bons argumentos tanto para os que os defendem como ativos de utilidade, como para aqueles que os veem como ativos financeiros. O mercado ainda precisa amadurecer. Certamente esse é um tema que voltará a ser pauta. Vamos aguardar.

Crédito imagem: Inter de Milão/Socios.com

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[1] https://olhardigital.com.br/2021/09/13/pro/fan-token-corinthians-esgota-duas-horas/, acesso em 21.10.2021.

[2] https://ge.globo.com/futebol/times/atletico-mg/noticia/atletico-mg-vende-840-mil-fan-tokens-moeda-digital-usada-pelo-psg-para-pagar-luvas-de-messi.ghtml, acesso em 21.10.2021.

[3] https://www.lance.com.br/flamengo/bombou-anuncia-mais-milhao-fan-tokens-vendidos-tempo-recorde-mundo.html, acesso em 21.10.2021.

[4] https://www.infomoney.com.br/mercados/fan-tokens-e-nfts-invadem-futebol-com-promessa-de-torcedor-feliz-e-dinheiro-no-bolso/, acesso em 21.10.2021.

[5] https://www.poder360.com.br/economia/atletico-mg-arrecada-mais-de-r-4-milhoes-em-plataforma-de-criptomoedas/, acesso em 21.10.2021.

[6] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2021/10/03/contrato-de-fan-token-gera-dinheiro-ao-flamengo-para-pagar-david-luiz.htm, acesso em 21.10.2021.

[7] https://en.psg.fr/teams/club/content/paris-saint-germain-concludes-first-player-signing-featuring-fan-tokens, acesso em 21.10.2021.

[8] https://socios.zendesk.com/hc/en-us/articles/360003236937-What-are-Fan-Tokens-, acesso em 21.10.2021.

[9] https://socios.zendesk.com/hc/en-us/articles/360003236937-What-are-Fan-Tokens-, acesso em 21.11.2021.

[10] https://coinext.com.br/blog/o-que-e-token, acesso em 21.10.2021.

[11] https://ge.globo.com/negocios-do-esporte/noticia/fan-token-entenda-como-clubes-de-futebol-faturam-com-os-criptoativos-e-os-riscos-do-negocio.ghtml, acesso em 21.10.2021.

[12] https://ge.globo.com/negocios-do-esporte/noticia/fan-token-entenda-como-clubes-de-futebol-faturam-com-os-criptoativos-e-os-riscos-do-negocio.ghtml, acesso em 21.10.2021.

[13] https://ge.globo.com/negocios-do-esporte/noticia/fan-token-entenda-como-clubes-de-futebol-faturam-com-os-criptoativos-e-os-riscos-do-negocio.ghtml, acesso em 21.10.2021.

[14] https://ge.globo.com/negocios-do-esporte/noticia/fan-token-entenda-como-clubes-de-futebol-faturam-com-os-criptoativos-e-os-riscos-do-negocio.ghtml, acsso em 21.10.2021.

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