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A Federação Internacional de Atletismo, a proibição das mulheres transgêneros em suas competições e o direito de trabalhar

O Comitê Olímpico Internacional (COI), desde novembro de 2021, deixou a critério das Federações as regras sobre elegibilidade envolvendo as atletas transgêneros.

Pautada nessa decisão do COI, a notícia que causou mais polêmica nesta última semana foi o pronunciamento público da Federação Internacional de Atletismo afirmando que a partir da próxima sexta-feira atletas mulheres transgêneros, passadas pela puberdade masculina, estarão vedadas de competir nas competições internacionais das categorias femininas.

O tema é delicado e aqui nesta coluna semanal não há espaço para aprofundamentos, cingir-se-á a breves comentários sobre um reflexo imediato que tal decisão da referida Federação Internacional poderá provocar na esfera do Direito do Trabalho.

Nessa esteira, um problema acentuado que pode surgir desta vedação federativa é o impedimento ao transgênero de ter acesso ao livre trabalho, ofício ou profissão, lembrando que o significado mais abrangente do direito de laborar não é sinônimo de ter relação de emprego. Por isso mesmo, o princípio da liberdade de trabalho está contido no art. 5o, XIII, da CF/88 (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos).

Por se tratar de um ato federativo de repercussão transnacional, não se pode olvidar que algumas normas internacionais de referência resguardam plenamente o do direito de acesso ao trabalho (art. 23/1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos; arts. 5o e 6o do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; art. 2o/1/a) da Declaração Sociolaboral do Mercosul; art. 2o da Convenção n. 111 da Organização Internacional do Trabalho-OIT).

O que todas essas normas internacionais, acima mencionadas, detêm em comum é a proteção do pleno exercício de um trabalho decente por qualquer ser humano, não podendo existir limitações de quaisquer naturezas, tampouco medidas discriminatórias em razão de sexo (leia-se atualmente gênero).

Nesses termos, quando a Federação Internacional de Atletismo exclui as mulheres transgêneros da categoria feminina pode acabar transgredindo o direito de acesso ao trabalho para pessoas que não possuem alternativa de trabalhar em uma categoria mais ainda específica, já que não existe outra categorização além da masculina, feminina e de prática das pessoas com deficiência.

Entretanto, a questão é realmente bastante sensível, já que a mulher transgênero possui uma identificação direta com o gênero feminino e rejeita o masculino, há sentimento de pertencimento ao grupo das mulheres, o que torna a situação mais ainda capciosa de lidar.

Nada obstante, em seu anúncio, a Federação Internacional de Atletismo se utiliza de uma boa justificativa, ao expressar que com tal proibição prestigia um outro segmento conhecido como grupo de minorias na sociedade hodierna, o das mulheres.

Retornando aos tratados internacionais que sustentam repetidamente o direito de trabalhar a qualquer pessoa, sem distinção de sexo (gênero), a priori, a decisão em tela viola o direito humano fundamental das mulheres transgêneros de ter acesso ao trabalho, já que inexiste uma alternativa de categoria, entre a feminina e a masculina, não podendo tais atletas participarem das categorias dos homens por ter sofrido alterações endócrinas, hormonais e anatômicas em seus corpos, que as tornam fisicamente enfraquecidas para a disputa masculina.

A respeito do hiperandrogenismo, fenômeno em que o corpo feminino produz testosterona acima da média feminina, não há manipulação externa (doping) por parte da atleta que não possui nenhuma culpa de ter nascido desta forma.

As Federações podem até estabelecer parâmetros de controles hormonais para as competições, mas jamais devem provocar, reiteradamente, mutações cirúrgicas e endógenas que violem constantemente os organismos das atletas, produtoras naturais de quantidades mais elevadas de hormônios.

Há décadas nem seria possível realizar esse controle aferrado de hormônios nos corpos de atletas. Portanto, é demasiado radical buscar o equilíbrio competitivo e a igualdade de condições em competições por meio de mutilação ou manipulação endógena de atletas, até porque mexer com produção hormonal e glândulas corporais pode ser extremamente prejudicial à saúde das competidoras de alto rendimento.

Ademais, o leitor pode estar a questionar, mas em se tratando de atletismo, modalidade não profissional no Brasil, e, portanto, passível de potencial inexistência de relação de emprego desportivo, como fica?

Em países como os Estados Unidos da América, várias modalidades do atletismo são consideradas profissionais, porém o fato de uma modalidade desportiva não ser considerada profissional não representa que rejeite completamente a relação laboral, e mesmo no Brasil a raiz do art. 5o, XIII, da CF/88 é defender a plena liberdade de trabalho, seja com ou sem vínculo empregatício, pode ser até mesmo o exercício de uma profissão liberal.

De todo modo, não se esconjura a decisão da Federação Internacional de Atletismo se minuciosamente demonstrar que está em causa a ponderação de direitos humanos fundamentais de outro grupo de minorias, as mulheres que estariam a ser intensamente prejudicadas. Contudo, essa motivação não pode ser especulativa, deve ser seguida de provas científicas e justificativas jurídicas.

No mais, sem fechar entendimento sobre a matéria, que como o visto é muito complexa, pensa-se para este momento que, a humanidade pode encaminhar para uma solução de criar outra categoria, semelhante ao que decorreu no caso dos atletas com deficiência (situação menos conflituosa por não envolver critério de gênero), mas mediante bastante diálogo e estudo social, mormente a inserir as classes mais atingidas: mulheres, transgêneros e homens atletas.

Crédito imagem: Getty Images

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