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A figura do manager e a proposta para sua regulamentação nos esportes de combate nos EUA

Semana passada, a Associação de Comissões de Boxe e Esportes de Combate (ABC), responsável pela regulamentação de lutas nos EUA, recebeu do recém-criado “Comitê de Voz do Atleta” (Athlete’s Voice Committee) da ABC várias propostas interessantes para mudança do cenário atual da regulamentação dos esportes de combate.

Juridicamente falando, o agenciamento no MMA está mal regulamentado. Ele varia de jurisdição para jurisdição e as normas estão muito abaixo daquelas de esportes mais bem organizados, onde entidades como a FIFA impõem limites rigorosos para a certificação de agentes.

No que tange à figura dos managers (ou agentes), o Comitê propôs que a ABC adotasse os seguintes padrões mínimos para sua regulamentação[1]:

  1. A ABC reconhece que a relação atleta/manager é uma relação fiduciária. Os managers têm obrigações específicas para com os atletas, tais como lealdade, boa lealdade, boa-fé, sinceridade, divulgação completa, abstenção de negociação própria, operação com rigorosa integridade e exercício de cuidados razoáveis e toda a habilidade necessária para promover os interesses do atleta. Os managers que violarem sua responsabilidade fiduciária poderão ser responsabilizados financeiramente responsáveis por todas as perdas causadas pelo comitente devido à violação. Na medida em que um manager representa vários atletas, ele não pode fazê-lo em circunstâncias que entrem em conflito com seu relacionamento fiduciário existente com um atleta que ele já representa.
  2. Os managers devem ser licenciados em todas as jurisdições.
  3. Para serem licenciados, os managers devem passar por uma verificação de registros criminais.
  4. Apreciando a natureza fiduciária do relacionamento, os atletas têm o direito de rescindir um contrato de gerenciamento à vontade. Isso não tem a intenção de impedir que um manager cobre taxas por serviços anteriores prestados de forma justa, porém garante liberdade de movimento para que os atletas mudem para managers de sua escolha a qualquer momento de sua carreira.
  5. Para serem licenciados, os managers devem ser aprovados em um curso de certificação de conhecimento aprovado pela ABC.
  6. A remuneração do dirigente pela negociação do prêmio da luta deve estar sujeita a um limite rígido. Propõe-se um limite de 15%.
  7. As Comissões Atléticas devem ter o poder de supervisionar os contratos dos managers dos lutadores e anular os contratos que não estejam em conformidade com esses padrões mínimos para dar aos atletas uma solução oportuna e barata em vez de um litígio convencional.
  8. Uma entidade que atue como manager não pode evitar essas obrigações chamando a si mesma de “consultor” ou qualquer outra palavra sinônima de manager. Esses padrões mínimos se aplicarão a qualquer pessoa que represente um atleta de esportes de combate regulamentado para fins lucrativos em negociações com promotores.

O item 1 da proposta traz um dos pontos mais controvertidos na relação atleta/manager: o do manager que, tendo mais de um atleta no mesmo evento/promoção, precisa negociar uma luta entre dois “agenciados”.

A proposta sustenta que o manager que representa vários atletas não pode fazê-lo em circunstâncias que entrem em conflito com o relacionamento fiduciário existente com um atleta que ele já representa.

Muitas vezes, é mais do interesse do promotor do evento que determinada luta aconteça que dos próprios atletas, como foi o caso que falamos da luta entre Natan Schulte e Rausch Manfio.

Em relação aos conflitos de interesse no contexto do agente (manager) e do promotor, espera-se que os agentes negociem em nome do lutador para garantir os termos de engajamento mais lucrativos possíveis do promotor. Na medida em que um promotor e um agente compartilham interesses, o interesse do lutador será colocado em risco (COSTA, 2023, p 118[2]).

Os demais pontos trazem questões importantes em relação ao licenciamento, duração de contrato e valores a receber pelos managers.

Em alguns estados norte-americanos, qualquer pessoa pode ser um agente. Em outros, os agentes precisam se candidatar a uma licença. Nesses, o padrão para licenciamento é baixo. Algumas jurisdições impõem restrições, tais como taxas máximas que podem ser cobradas e limites de duração dos contratos. Outras vão mais longe e exigem que os contratos de lutadores/agentes estejam em formulários aprovados pela comissão. Muitas vezes, essas proteções não são seguidas. Muitos agentes licenciados não se preocupam em ser licenciados em todas as jurisdições onde seus clientes competem e de onde tiram uma parte da bolsa do lutador. Isso em grande parte não é contestado e há poucos exemplos de comissões atléticas que regulam práticas de gestão de exploração de atletas (COSTA, 2023, p 119[3]).

Essa obrigação de licenciamento que envolveria aprovação em curso de certificação de conhecimento aprovado pela ABC seria vital para que o manager fosse obrigado a passar, por exemplo, por testes de conhecimento sobre lesões esportivas, o que poderia ajudá-lo a orientar a carreira de seu atleta, no sentido de melhor preservar-lhe a saúde.

A limitação da remuneração do manager pela negociação do prêmio da luta de até 15% e possibilidade de rompimento a qualquer momento apresentada na proposta do Comitê vem na esteira de reclamações de lutadores quanto à contratos longos e pouco lucrativos que teriam firmados com seus managers, que não estariam atentando aos seus melhores interesses, mesmo assim havendo nos documentos a previsão de pagamento ao manager de 20% dos ganhos totais do atleta.

Pode-se argumentar que, para os lutadores, gastar tempo lendo e entendendo um contrato complexo de MMA é pior do que abrir mão de 5 a 20% de sua bolsa de luta ou de seus ganhos totais. Porém, a maioria das histórias envolvendo lutadores insatisfeitos com seus contratos não tem nada a ver com o fato de terem assinado um contrato e não terem entendido alguns dos termos e condições ou cláusulas, mas sim com o fato de terem assinado muitas lutas por muito pouco por não estão em posição de recusar o dinheiro

Outro ponto que chama a atenção é o que permitiria às comissões atléticas o poder de supervisionar os contratos dos managers dos lutadores e anular os contratos que não estejam em conformidade com os padrões mínimos, dando aos atletas uma solução oportuna e barata em vez de um litígio convencional.

Isso seria crucial quando se observa o cenário atual: os managers de MMA nos EUA têm se tornado muito poderosos e muitos são financeiramente capazes de lidar por longos anos com processos propostos por atletas, sendo esta uma guerra difícil de ser comprada por um jovem atleta em início de carreira que se vê diante de um contrato abusivo e com muito pouco para investir judicialmente.

Destarte, a proposta quanto aos managers se apresenta bastante razoável e pode sim gerar um impacto bastante positivo nos esportes de combate caso seja aprovada.

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[1] https://www.linkedin.com/posts/erikmagraken_folks-im-very-proud-of-this-this-last-activity-7092712458984828928-2lRu?utm_source=share&utm_medium=member_desktop

[2] COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023. p. 118

[3] COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023. p. 119

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