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A figura do treinador esportivo de combate à luz do artigo 75 da Nova Lei Geral do Esporte

Muita controvérsia para ainda sobre como seriam aplicados os novos dispositivos legais da Lei Nº 14.597/2023 – a nova Lei Geral do Esporte – para os esportes de combate no Brasil.

Acerca da figura do treinador esportivo, prevista no art. 75 da referida lei, vários vídeos têm aparecido em mídias sociais sugerindo que a referida profissão foi reconhecida, no caso dos ex-atletas, sem a previsão de critérios objetivos que a definam com mais segurança, apenas dizendo a quantidade de tempo que um atleta precisaria para ser considerado treinador.

Destarte, cabe trazer à baila o texto legal, senão, vejamos:

Lei Nº 14.597/2023

Subseção III

Dos Treinadores

Art. 75. A profissão de treinador esportivo é reconhecida e regulada por esta Lei, sem prejuízo das disposições não colidentes constantes da legislação vigente, do respectivo contrato de trabalho ou de acordos ou convenções coletivas.

§ 1º Considera-se treinador esportivo profissional a pessoa que possui como principal atividade remunerada a preparação e a supervisão da atividade esportiva de um ou vários atletas profissionais.

§ 2º O exercício da profissão de treinador esportivo em organização de prática esportiva profissional fica assegurado exclusivamente:

I – aos portadores de diploma de educação física;

II – aos portadores de diploma de formação profissional em nível superior em curso de formação profissional oficial de treinador esportivo, devidamente reconhecido pelo Ministério da Educação, ou em curso de formação profissional ministrado pela organização nacional que administra e regula a respectiva modalidade esportiva;

III – aos que, na data da publicação desta Lei, estejam exercendo, comprovadamente, há mais de 3 (três) anos, a profissão de treinador esportivo em organização de prática esportiva profissional.

§ 3º Os ex-atletas podem exercer a atividade de treinador esportivo, desde que:

I – comprovem ter exercido a atividade de atleta por 3 (três) anos consecutivos ou por 5 (cinco) anos alternados, devidamente comprovados pela respectiva organização que administra e regula a modalidade esportiva; e

II – participem de curso de formação de treinadores, reconhecido pela respectiva organização que administra e regula a modalidade esportiva.

§ 4º É permitido o exercício da profissão a treinadores estrangeiros, desde que comprovem ter licença de sua associação nacional de origem.

§ 5º O disposto no § 2º deste artigo não se aplica aos profissionais que exerçam trabalho voluntário e aos que atuem em organização esportiva de pequeno porte, nos termos do § 6º do art. 61 desta Lei. (grifo meu)

Vejam que a lei delega para a entidade reguladora da modalidade os critérios objetivos quando define que os ex-atletas podem exercer a atividade de treinador esportivo, desde que comprovem ter exercido a atividade de atleta por 3 (três) anos consecutivos ou por 5 (cinco) anos alternados, devidamente comprovados pela respectiva organização que administra e regula a modalidade esportiva e que participem de curso de formação de treinadores, reconhecido pela respectiva organização que administra e regula a modalidade esportiva.

Portanto, caberia às entidades esportivas definirem critérios adequados quanto à comprovação da experiência dos ex-atletas, seja aferindo como foram construídos seus recordes de lutas (cartéis), seja avaliando se realmente estes últimos dominam os conhecimentos necessários para treinar novos atletas, o que teria de ser feito através de cursos de formação, como prevê a lei.

Cinge a controvérsia justamente sobre quem seriam as entidades reguladoras de cada modalidade nos esportes de combate. As artes marciais possuem uma infinidade de estilos dentro das mesmas modalidades, o que às vezes ocasiona a criação de uma federação de um outro estilo para uma mesma modalidade (Muay Thai Tradicional e Boxe Tailandês, por exemplo)

Vale então trazer o exemplo de duas entidades reguladoras do karatê, a CBKT (Confederação Brasileira de Karate Tradicional) e a CBK (Confederação Brasileira de Karatê).

Ambas já foram basicamente a mesma federação, porém, nos anos 80, houve uma cisão no karate estilo Shotokan mundial, sendo criadas duas federações de âmbito internacional: a W.U.K.O. (World Union Karate Organization) e a I.T.K.F. (International Traditional Karate Federation).

O COI (Comitê Olímpico Internacional) reconheceu as duas federações. No entanto, aqui no Brasil não se queria reconhecer duas federações para o que se considerava um mesmo esporte. Competia ao Conselho Nacional de Desportos (CND)[1] – um órgão criado durante o Estado Novo para organizar o esporte nacional – ainda em existência, intervir diretamente em uma associação esportiva, federação ou confederação quando fosse necessário.

O empasse surgido foi parar então nos tribunais. Dr. Paulo Valed Perry (1920-2015), o famoso jurista desportivo, conseguiu na justiça estabelecer um paralelo entre o “Karate WUKO” e o “Karate Tradicional”, comparando-os com os distintos “futebol de salão” e “futebol de campo”, obtendo jurisprudência a favor de uma distinção entre os estilos (SANCHES, 2021, p. 380)[2].

Tal separação não ocorreu no somente no karatê, o que reforça a tese de que, sem uma entidade “oficial” de cada modalidade, fica difícil que a lei seja aplicada a contento, pois ela poderia garantir uma maior segurança para os atletas no sentido de que seus treinadores de fato vão lhes propiciar um treinamento adequado, pois bastaria o treinador ser certificado em qualquer entidade que se arrogue o direito de chamar de reguladora de estilo próprio para que qualquer benefício se perca se esta não tiver uma certificação confiável.

Já passou da hora de entendermos que um olhar mais acurado em relação às lutas no Brasil é obrigatório, pois dispor da saúde dos atletas, lhes impondo treinamentos inadequados e lhes colocando para lutar de maneira controversa, são comportamentos comuns em diversas academias pelo Brasil.

A lei está nos dando uma chance de mudar o jogo.

Crédito imagem: Reprodução

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[1] O Conselho Nacional de Desportos (CND) foi criado quando o país vivia um governo centralizador e procurava comandar as instituições de caráter geral, inclusive as esportivas, sendo uma estrutura com caráter monopolizante e centralizador, pois não permitia a livre organização e a livre iniciativa, atrelando, a partir de então, as organizações esportivas criadas e organizadas pela sociedade civil às determinações do poder central.

[2] SANCHES, Eros José. Ikken Hissatsu: as origens do karate-do. União da Vitória, PR: Kaygangue LTDA, 2021. p. 380

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