Sim, caro leitor, hoje vamos falar sobre geometria e direito! Mas não se assuste, continue a ler o texto sem temor. Esse é na verdade um recurso até comum na Filosofia do Direito (direito e moral se constituem em círculos separados, secantes ou concêntricos, por exemplo?).
Nossa pergunta para você que já vem acompanhando a coluna é: a relação do Direito Esportivo com o sistema jurídico estatal pode ser representada como que em círculos concêntricos? Em outras palavras, o círculo do Direito Esportivo estaria contido dentro em um outro círculo maior, como se fosse parte do direito produzido pelo Estado? Direito Esportivo, assim, seria conteúdo do continente estatal? Para os normativistas-estatistas, aqueles que não percebem o fenômeno do pluralismo jurídico, que imaginam que direito e território físico do Estado se confundem, que não diferenciam sociedade civil e Estado, para esses, muito provavelmente, sim. O Direito Esportivo seria um círculo menor contido dentro do círculo estatal.
E para os demais pensadores, tais como os que advogam a ideia do pluralismo jurídico? Que trabalham com a vertente de que há produção de direito, de normas, fora das hostes estatais? Para eles, Estado e Direito Esportivo seriam círculos separados, que não se tocam no ambiente social? Imagino que esses “separatistas” devam ainda estar por aí, mas não vejo força científica nesse argumento. Nem no primeiro.
Como seria então essa relação? Bom, mesmo para o luhmaniano mais empedernido, que entende que um sistema do direito é fechado operacionalmente, há a compreensão de que existe abertura, ainda que apenas cognitiva. Para Habermas, diferentemente de Luhmann, os sistemas (esferas) são sempre abertos. O que isso significa? Tanto para a Teoria dos Sistemas como para a Teoria da Ação Comunicativa, os sistemas se comunicam, se tocam, têm abertura para o que é produzido no outro em termos de linguagem técnica, normativa, mesmo quando autorreferente, autopoiético.
Círculos separados ou concêntricos? Nada disso: temos aqui círculos secantes. Produz-se justamente aquilo que J.J. Canotilho denomina zonas reticuladas, onde diferentes áreas da produção normativa se tocam, produzindo uma zona em comum, hachurada. Ali onde os círculos se encontram, os diferentes sistemas se chocam, as esferas se esbarram, temos um intercâmbio enorme por meio de comunicação jurídica, aprendizado intersistêmico, como diria Marcelo Neves.
Em termos práticos, o Direito Esportivo não está contido no sistema estatal, até porque é parte da Lex Sportiva, um sistema nitidamente autopoiético, autorreferente, desterritorializado, global. Entendo, contudo, como G. Marramao ensina, que o mundo hoje é “glocal”, com “C” mesmo. Algo que é transnacional, portanto, também é regional. Nada se safa dessa complexidade de ser local e global ao mesmo tempo. Como o Estado-nação não deixou de existir, como o pluralismo jurídico define que normas não estatais também são produzidas para ter validade em uma região menor, não oficial (olha aí o Direito Indígena), o Direito Esportivo, global, choca-se diariamente com normas estatais nacionais, regionais, locais. Mais, tromba por aí com direito produzido sem interferência do Estado, mas também fora da Lex Sportiva, seja no campo regional, seja no mundial. E com eles sempre mantém uma relação secante, sempre os tocando, sempre mantendo uma troca normativa.
Via de regra, o Direito Esportivo é contaminado por esferas que estão fora da Lex Sportiva.
E se aqui eu trouxesse um pouco mais da complexidade organizativa atual da sociedade global? E se eu propusesse que você tentasse visualizar agora esses círculos que mostrei acima se chocando com outros modelos, do tipo Direito Internacional, Direito Europeu ou com sistemas transnacionais que não a Lex Sportiva, como a Lex Mercatoria, a Lex Digitalis, o Direito Canônico…?
Voltarei a essa confusão “euclidiana” na próxima coluna. Até lá.