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A hierarquia das normas, o processo legislativo disciplinar e o fair play financeiro

Depois de perder uma partida por WO após a greve de seus atletas, o Figueirense correu o risco de perder pontos no campeonato por atrasos no pagamento de salários. Após uma notícia de infração apresentada pelo Procuradoria Regional do Trabalho (PRT), a Procuradoria do STJD apresentou denúncia com base no artigo 20 do Regulamento Específico do Campeonato Brasileiro da Série A, que diz o seguinte:

“o clube que, por período igual ou superior a 30 (trinta) dias, estiver em atraso com o pagamento de remuneração, devida única e exclusivamente durante a competição, conforme pactuado em Contrato Especial de Trabalho Desportivo, a atleta profissional registrado, ficará sujeito à perda de 3 (três) pontos por partida a ser disputada, depois de reconhecida a mora e o inadimplemento por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva”

Uma série de formalidades impediram que o clube catarinense fosse julgado pelo caso, como a legitimidade da apresentação de Notícia de Infração por parte da PRT, que em minha visão é parte legítima para tal ato, e a comprovação do pagamento posterior da dívida por parte do clube, entre outras questões técnicas e formais que eventualmente ocorrem em casos pouco comuns.

No entanto, há uma questão ainda mais crítica e que precisa ser analisada sobre o caso, mesmo que ele já não possa mais afetar o Figueirense. Qual é a validade jurídica de punições desportivas previstas em um regulamento?

A Lei 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, define em seu artigo 52 que os órgãos da Justiça Desportiva serão os órgãos competentes para julgar as questões “previstas nos Códigos de Justiça Desportiva”, que são as normas jurídicas competentes para regular matéria referente à disciplina e competições no âmbito esportivo.

Existe um Código de Justiça Desportiva vigente no Brasil, o CBJD, elaborado por meio de resolução do Conselho Nacional do Esporte (CNE), nos termos previstos no artigo 11 da Lei Pelé. Além disso, para regular as peculiaridades de cada modalidade, as entidades de administração do desporto podem apresentar ao CNE propostas de criação de tábuas de infração específicas para cada modalidade, como fez a CBRU recentemente. Esta possibilidade está expressamente prevista no artigo 286-A do CBJD.

Ou seja, há um processo definido para que infrações específicas de cada modalidade sejam reconhecidas e, por meio da aprovação de suas tábuas de infração, incluídas como anexos ao CBJD, permitindo que, assim, os órgãos de Justiça Desportiva apliquem tais penalidades.

As questões referentes às punições decorrentes de irresponsabilidade financeira não poderiam resultar em punição, especialmente se tal punição resultasse em acesso ou descenso, até o ano de 2015. O artigo 89 da Lei Pelé, no entanto, foi alterado, com a inclusão do parágrafo único, que abriu a possibilidade para a punição de clubes.

Isso, no entanto, precisa ser adequadamente regulado com base no processo definido. Para que seja aplicável por qualquer órgão da Justiça Desportiva, a pena deve ter previsão nos Códigos de Justiça Desportiva válidos em território nacional. Caso as infrações possuam apenas definição em regulamento ou outra norma interna das entidades de administração do desporto, o máximo que a Justiça Desportiva pode fazer é aplicar as penas previstas por descumprimento de regulamento (artigo 191 do CBJD) ou mesmo por infração à disciplina ou à ética esportiva (artigo 258 do CBJD). Regulamentos que prevejam aplicação de penas de forma autônoma, sem aprovação do CNE, não possuem validade jurídica e não podem ser aplicados pela Justiça Desportiva, sob pena de nulidade das penas aplicadas.

Desta forma, o que se observa hoje é que, inexistente nos Códigos de Justiça Desportiva válidos no país quaisquer normas que remetam à punição por irresponsabilidade financeira, não há possibilidade de aplicação de penas em decorrência disso. E, enquanto não houver uma efetiva movimentação das entidades de administração do desporto, essa realidade dificilmente será alterada.

E segue vivo o incentivo à péssima administração no esporte brasileiro…

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