Por Carlos Ramalho
Há algum tempo venho me dedicando a problematizar a questão da hipossuficiência de jurisdicionados na Justiça Desportiva no tocante ao acesso ao duplo grau de jurisdição.
A questão central se resume em:
a) determinado atleta ou entidade de pratica desportiva é denunciado pela Procuradoria de Justiça Desportiva por infração disciplinar;
b) o atleta ou entidade de pratica desportiva é julgado por Comissão Disciplinar (1ª instância);
c) o atleta ou entidade de pratica desportiva discorda da decisão prolatada;
d) o atleta ou entidade de pratica desportiva entende haver elementos jurídicos para recorrer da decisão ao Pleno do Tribunal (2ª instância);
e) o atleta ou entidade de pratica desportiva não possui meios financeiros para arcar com o preparo recursal;
Eis nesse ponto a celeuma posta.
Isso porque, vigora majoritariamente pela doutrina especializada, e é praticado pelos Tribunais Desportivos, o entendimento de que a Justiça Desportiva possui natureza jurídica privada e, como tal não se amolda aos parâmetros constitucionais da observância ampla da garantia de acesso à justiça como direito fundamental, assim como ocorre na esfera do Direito Público.
Particularmente tenho entendimento contrário em virtude de alguns pressupostos que julgo de extrema relevância social e jurídica.
Antes de prosseguir, permita-me registrar que tratei de forma pormenorizada do tema na última edição da Revista da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD), onde pude contribuir com o artigo intitulado “Justiça Desportiva e o Acesso de Jurisdicionados Hipossuficientes: Afronta ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório?”.
Pois bem.
A Constituição Federal traz como direito fundamental a garantia do acesso à justiça aos hipossuficientes. Por sua vez o diploma processual civil enumera os requisitos para que a parte litigante interessada possa fazer jus ao benefício, sob pena de afronta a ampla defesa e ao contraditório.
Quando se transporta tal contexto para a Justiça Desportiva não há como se afastar desses ditames, vejamos:
i. A Justiça Desportiva é derivada da constituição;
ii. Todo o seu arcabouço jurídico-normativo deriva de normas públicas;
iii. O duplo grau de jurisdição é uma garantia constitucional contra eventuais arbitrariedades praticadas em decisões singulares ou mesmo colegiadas.
Nessa senda, dentre inúmeros outros argumentos que aqui poderiam ser aduzidos, o art. 53, § 2º da Lei Pelé dispõe que “A Comissão Disciplinar aplicará sanções em procedimento sumário, assegurados a ampla defesa e o contraditório”.
Já o § 3º do mesmo artigo dispõe que “Das decisões da Comissão Disciplinar caberá recurso ao Tribunal de Justiça Desportiva e deste ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, nas hipóteses previstas nos respectivos Códigos de Justiça Desportiva. (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000).
Ora, conforme se verifica negar ao jurisdicionado hipossuficiente, o acesso ao duplo grau de jurisdição, soa a meu sentir, em clara afronta a Lei Pelé e a Constituição Federal e, como tal, aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Termino deixando o seguinte questionamento: sendo o atleta ou entidade de pratica desportiva hipossuficiente e não tendo esgotado todas as instâncias desportivas, em razão do entendimento majoritário, do não cabimento da gratuidade da justiça, poderia este recorrer ao Poder Judiciário antes de esgotar as instâncias da Justiça Desportiva?
Voltaremos a este tópico em um próximo texto.
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Carlos Ramalho é Administrador; Bacharel em Direito; Pós-Graduado MBA em Consultoria e Gestão Empresarial; Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDDJ); Assessor da Presidência da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD); Auditor Auxiliar do Pleno do STJD do Futebol; Auditor do Pleno do STJD da Confederação Brasileira de Futebol de 7; Organizador e Autor de livros e Artigos.