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A história da menina que usou o direito para proteger a igualdade e mudar o futebol nos EUA

Olivia Moultrie, tem 17 anos e uma grande história para contar. E eu nem estou falando dos recordes que vem quebrando no futebol feminino nos Estados Unidos. Eu quero trazer aqui de novo uma conquista jurídica que ela teve aos 15 anos e que ajudou a proteger a igualdade no esporte.

Moultrie se tornou profissional quando tinha apenas 13 anos, quando assinou um acordo com a Nike. Mas não conseguia jogar!

Apesar do talento, uma regra da Liga Nacional de Futebol Feminino que proibia menores de 18 anos de jogar a impedia de entrar em campo. Ela, então, decidiu buscar a justiça.

Um juiz concedeu uma liminar permitindo que ela jogasse em junho de 2021. Logo depois, ela chegou a um acordo com a liga e se tornou a jogadora mais jovem a participar de uma partida da liga, no dia em 3 de julho de 2021, contra o Racing Louisville, quando tinha 15 anos!

A vitória de Moultrie foi muito mais do que uma conquista individual. Ela protegeu regras anticoncorrenciais e, principalmente, garantiu  às mulheres o mesmo tratamento que é dado aos homens no futebol norte-americano.

A decisão é considerada um marco histórico e pode servir como paradigma não só o futebol, mas para o esporte nos Estados Unidos e em várias partes do mundo.

Para entender melhor o caso e a importância do seu desfecho, é preciso conhecer a Regra da Idade, os entendimentos das partes e depois analisar a decisão da juíza.

Regra da Idade

A NWLS tinha uma regra que proibia jogadoras com menos de 18 anos de assinarem contrato como atleta profissional. Já para os homens, a MLS, principal liga masculina, não traz essa proibição para menores de idade.

Olivia também não poderia jogar em um time de fora dos Estados Unidos em função da regra de transferência internacional determinada pela Fifa. Isso significava que a NWSL era a único caminho possível para ela.

Mesmo antes do acordo, o caso de Moultrie já tinha despertado dentro da NWSL um debate sobre como preparar a nova geração do futebol feminino. Um dos temas discutidos foi justamente uma mudança nessa regra. Não só em função de Moultrie, mas também pela necessária adequação a nova realidade do esporte e aos entendimentos judiciais,

O que disseram os advogados da atleta

No processo aberto em Portland, os advogados da atleta alegaram que a “Regra de Idade” violava a lei antitruste e impedia o desenvolvimento da carreira de Olivia Moultrie.

Além disso, eles provocaram uma discussão que cresceu nos Estados Unidos sobre a diferença do esporte no tratamento de gêneros.

Eles mostraram que a “Regra da Idade” é considerada “altamente incomum no futebol mundial, masculino ou feminino”, reforçando que a MLS – principal liga masculina de futebol dos EUA – não tinha um limite de idade e tem jogadores menores de 18 anos competindo, da mesma forma que as principais ligas masculinas e femininas em todo o mundo.

Os advogados também argumentaram que a idade mínima prejudicaria o desenvolvimento e atrasaria as chances de Olivia Moultrie de ser convocada para jogar em uma equipe olímpica ou na Seleção Feminina dos Estados Unidos.

A defesa da NWLS

Já a liga colocou na defesa que os termos e condições de emprego devem ser tratados durante as negociações em andamento para um acordo coletivo de trabalho. Ou seja, ela queria discutir a questão internamente.

“Como dissemos quando esta ação foi movida, a NWSL está no meio de negociações coletivas com a NWSL Players Association sobre todos os termos de emprego, incluindo a regra de idade”, disse o porta-voz da liga Kirsten Brierley em um comunicado. “Continuamos a acreditar que é o local apropriado para uma decisão sobre este assunto e estamos avaliando nossas opções em relação à ordem do tribunal distrital.”

No processo, os advogados da liga argumentaram que o limite de idade estava em vigor desde 2013 e que ele não violava a lei anticoncorrencial porque a liga é uma “entidade única”, portanto, ela não poderia conspirar “contra si mesma para fins antitruste”.

A liga também alegava que o objetivo da idade mínima para jogar decorria de preocupações com a segurança de menores em ambientes esportivos, horas jogadas, salários ganhos e restrições de trabalho que variam em cada estado, dependendo de para onde as equipes viajam jogar. Providências especiais para viagens e aulas particulares também teriam que ser feitas para um menor.

A decisão

A juíza não aceitou os argumentos da liga e concordou com o pedido da atleta.

Karin J. Immergut entendeu que Olivia Moultrie podia, sim, jogar profissionalmente e que a “Regra de Idade” violava o direito concorrencial e também princípios universais de igualdade.

Immergut afirmou que os membros da liga são “competidores no mercado de jogadores” e não uma entidade única. Ela afirmou que a regra que proíbe menores de 18 anos “parece ser mais direcionada para reduzir os custos indiretos do Réu do que para beneficiar a competição”.

Mas a juíza também colocou que a decisão não interfere na capacidade da liga de negociar os termos ou condições de emprego com a associação de jogadores da liga, nem impede a liga de incluir uma regra de idade em um contrato futuro.

Importante destacar que a “Regra de Idade” atual nunca foi negociada como parte de um acordo coletivo de trabalho.

A questão seria então sobre a capacidade técnica para a profissionalização.

Com base nas declarações de jogadoras da Seleção Feminina dos Estados Unidos e treinadoras universitárias de futebol e no testemunho de Moultrie, a juíza entendeu que a atleta tinha as “as habilidades necessárias e está pronta para jogar futebol profissional e que a Regra da Idade está impedindo seu desenvolvimento como jogadora de futebol de forma irreversível, que a carreira de um jogador de futebol profissional é curta e que não há substitutos para a competição profissional para ajudá-la a realizar todo o seu potencial”.

A decisão liminar se justificou pela urgência.

E, muito importante, a decisão preservava a “competição livre e aberta”, protegendo também a igualdade de gênero.

“Em outras palavras, a única coisa que está atualmente entre a requerente e sua aspiração de ser uma jogadora de futebol profissional no país é seu gênero”, escreveu Immergut.

Conclusão

A decisão trouxe três entendimentos importantes.

Ela preservou as regras concorrenciais, atacou uma regra da Liga sem negociação com atletas e protegeu a igualdade entre homens e mulheres.

Cada vez mais tribunais estatais têm se posicionado contra as regras rígidas de elegibilidade das entidades esportivas. E esse caso promete ser mais um daqueles a mudar caminhos no esporte.

Como a “Lei Bosman”, que acabou com o “passe” no futebol. Ou a ‘Lei Spencer Haywood”, que acabou com a antiga regra da NBA que obrigava atleta a cursar “quatro anos de basquete estudantil”.

Outros esportes têm regras parecidas com a da NWLS, como o basquete feminino nos EUA. E todos já estão discutindo o que aconteceu com Maultrie.

Moultrie estar entre as principais atletas do país não significa apenas uma mudança na forma de como a NWSL faz negócios e determina a vida das jovens atletas.

Ela pode mudar a forma como o esporte se relaciona com menores, acabando com a diferença de tratamento que ainda existe entre gêneros, num ambiente que precisa ser sempre de igualdade.

Crédito imagem: Daniel Etter/NYT

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