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A ilegalidade dos contratos especiais de trabalho desportivo com duração inferior a 3 meses e a incompetência da Justiça Desportiva para decidir sobre tema

Por Fernanda Soares

Na última sexta-feira, dia 10 de abril, A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) se reuniu por videoconferência para debater o futuro do Campeonato Carioca que, como todas as outras competições, foi interrompido por conta da pandemia do novo coronavírus. Nessa reunião, os clubes propuseram ao presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro, dr. Marcelo Jucá, que fosse permitido firmar o contrato especial de trabalho desportivo com os atletas por período inferior a três meses. Ocorre que há problemas nesse pedido dos clubes, dentre os quais destacamos: i) é ilegal, já que há proibição expressa na Lei Pelé, e; ii) A Justiça Desportiva não tem competência para deliberar sobre essa matéria.

A prática de firmar o contrato especial de trabalho desportivo com o atleta até o final do campeonato regional é comum não apenas o Rio de Janeiro, mas também em outros estados. Isso é feito em diversos clubes, principalmente em clubes de menor investimento. E são, sobretudo, esses clubes os mais atingidos pela interrupção das atividades esportivas. Portanto, é absolutamente natural e compreensível que busquem alternativas para mitigar os efeitos econômicos da pandemia. Ainda assim, contrato especial de trabalho desportivo com duração inferior a 3 meses, sem que haja qualquer modificação legal, não pode ser uma delas.

É que a Lei Pelé (Lei 9.615/98 – Lei Geral do Desporto) é bastante clara nesse sentido. Prevê o artigo 30 que “o contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos”. Essa previsão é importante já que traz garantia e segurança jurídica aos atletas profissionais de futebol. O artigo não deixa margem para interpretação distinta, ou flexibilização da norma. Tampouco prevê qualquer exceção. Isto posto, a proposta dos clubes cariocas, da forma como noticiado, é simplesmente ilegal.

É manifestamente necessário, contudo, falar do elefante na sala para ressaltar a situação excepcional que vivemos ante a pandemia. As leis são elaboradas para regular relações jurídicas em tempos de normalidade, e a pandemia impacta, entre outros, na segurança jurídica. O momento é excepcional, e diversas medidas estão sendo tomadas pelo poder público por conta dessa excepcionalidade; são medidas que visam mitigar os efeitos econômicos da pandemia. Nesse sentido, por exemplo, observa-se a adoção de várias medidas provisórias na área trabalhista para enfrentamento do estado de calamidade pública. Adicionalmente, no dia 3 de abril, o Senado aprovou um projeto de lei emergencial que modifica temporariamente leis do Direito Privado e modifica profundamente diversas relações jurídicas.

Ressalta-se, portanto, que as mudanças na lei, seja via Executivo, por meio de medidas provisórias, do Legislativo, no exercício de sua função principal, seja até mesmo por meio do Judiciário, por meio de interpretação da norma no caso concreto, são atribuições do poder público. Não cabe ao particular, ainda que em face da situação excepcional causada pela pandemia, ignorar previsões legais ou dar a elas interpretações extensivas. Portanto, ainda que se considere que a redução do mínimo de duração do contrato de trabalho como medida de mitigação dos efeitos econômicos da pandemia, e que o momento de anormalidade justifica a construção excepcional de um “direito transitório”, não cabe aos clubes fazê-lo sem qualquer respaldo jurídico.

Destaca-se, adicionalmente, o outro problema do pedido dos clubes cariocas: não compete à Justiça Desportiva deliberar sobre a duração do contrato de trabalho do atleta profissional. O artigo 217 da Constituição Federal e o artigo 50 da Lei Pelé preveem que as atribuições da Justiça Desportiva são limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas. Portanto, não há que se falar em envolver o Tribunal de Justiça Desportiva nesse debate, ainda que se refira a questão desportiva em uma possível escalação irregular de atleta, já que o vínculo desportivo é acessório ao vínculo empregatício que nasce com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração desportiva (federação).

Ainda que, por debate, se ignorasse a ilegalidade da proposta, mais apropriado seria que essa questão fosse deliberada no âmbito da Câmara Nacional de Resolução de Disputas, a CNRD. Esse foro tem competência para apreciar uma série de conflitos, dentre os quais, litígios envolvendo vínculo desportivo e estabilidade contratual entre clubes e atletas.

Por todo o exposto, portanto, caso os clubes efetivamente firmem com atletas os contratos especiais de trabalho desportivo com duração inferior a 3 meses antes de qualquer determinação do poder público nesse sentido, certamente haverá contestação desses instrumentos no Poder Judiciário, causando ainda mais danos aos clubes.

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Fernanda Soares é advogada especialista em Negócios no Esporte e Direito Desportivo e procuradora no Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais.

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