Por Higor Maffei Bellini
Olá a todos, já faz um tempo que não venho aqui me encontrar com vocês para falar daquilo que mais gosto: direito do trabalho relacionado ao esporte. Seria muita pretensão minha dizer que venho, neste texto, tratar de direito desportivo em sentido puro. Até porque quase nunca o faço.
Este texto nasceu analisando um processo a pedido de um amigo que não é advogado, apesar de ser uma pessoa que tem uma vida profissional muito ligada ao direito. Ele versa sobre os motivos pelos quais um jogador de futebol perdeu um processo na justiça do trabalho que havia vindo do cível.
Este processo se destinava a cobrar, por meio de uma ação monitória, valores relativos a verbas nascidas de um contrato de licenciamento de imagem (temporário) firmado entre o jogador e o clube. Acolheu-se a defesa do clube, que defendia que se tratava de uma verba de natureza trabalhista e não cível. Assim, o processo deveria ser analisado na justiça do trabalho.
Não vou comentar sobre qual é a natureza destas verbas, posto que existem diversas decisões conflitantes a este respeito. E para falar delas valeria um texto exclusivo para tal fim. Mas aqueles que estivessem litigando contra o clube na justiça do trabalho, pedindo a integração desta verba na remuneração dos atletas que ali atuava naquele período de tempo, até por isso não comento sequer qual é o estado de onde veio este processo, deveriam junta esta defesa e dizer que o clube deveria decidir de uma vez por todas qual entende ser a natureza desta verba, já que não pode mudar de ideia segundo a sua conveniência.
Mas o que acontece é que este jogador tinha em curso um outro processo na justiça do trabalho pedindo verbas eminentemente trabalhistas. Ou seja, a velha história, no sentido de antiga mesmo, de dividir os pedidos em quantos processos forem necessários para melhor atender aos interesses do cliente, posto que não é porque se pode cumular os pedidos que se deve fazê-lo.
É aqui que nasce o ponto que me levou a escrever este texto: o acordo feito no primeiro processo, como em 99% de todos os processos trabalhistas, abrangia não só o objeto do processo, mas sim todo o contrato de trabalho, sem qualquer ressalva ao outro processo, o que a princípio não precisava ter mesmo, pois esse era de natureza cível.
É necessário se ter em mente que é praxe na justiça laboral quando as partes firmam acordo no curso do processo, que a quitação se dê pelo objeto do pedido e também pelo extinto contrato de trabalho, constando nos acordos mais ou menos desta forma com pequenas variações: “quitação pelo objeto do pedido e extinto o contrato de trabalho”. Ou seja, fica estabelecido que o reclamante nada mais pode reclamar em face do reclamado com relação àquele contrato de trabalho em discussão.
Mas o atleta, como todo trabalhador que tenha mais de um processo contra o mesmo empregador, sejam esses processos de natureza trabalhista ou civil – ou até mesmo criminal, jamais deve fazer o acordo em apenas um processo sem deixar claro que este é somente para aquele em processo específico e não para o contrato de trabalho como um todo. Justamente porque a prática trabalhista estabelece que o acordo é para o contrato como um todo que se faz necessário dizer que não é para todo o contrato, para que assim o outro processo possa seguir o seu curso normal, seja na esfera cível, trabalhista ou qualquer outra que esteja correndo.
O que reforça a necessidade do cuidado na celebração de um acordo trabalhistas em um processo judicial, em especial quando celebrado em audiência, é o disposto no artigo 831 da CLT, em seu parágrafo único[1]. Lá se estabelece que o acordo quando celebrado se torna, naquele mesmo momento, irrecorrível. Este entendimento se encontra, inclusive, na sumula 100V do Colendo Tribunal Superior do Trabalho[2], fazendo com que o acordo judicial apenas possa ser discutido por sede de ação rescisória.
Mas Higor, como ficam os acordos extrajudiciais que os clubes estão impondo aos atletas para parcelar as verbas rescisórias, o que alguns chamam de “instrumento de contrato de trabalho desportivo”?
De antemão adianto que estes podem ser impugnados perante a justiça do trabalho como preliminar em uma Reclamação Trabalhista com base no artigo 9º da CLT[3] por serem meio de fraudar os direitos trabalhista dos jogadores. Mas aqueles que forem celebrar este tipo de instrumento devem deixar ressalvado que o acordo é apenas para aquelas verbas e não para todo o contrato de trabalho e demais obrigações coletas (lembrando que podem ter obrigações assessórias civis).
Estes acordos extrajudiciais impostos aos atletas pelos clubes, que já aconteciam perante as CCP – Comissão de Conciliação Previa, por força do artigo 625-E, parágrafo único[4], passaram a ocorrer com uma maior intensidade após da reforma trabalhista de 2017, que criou a possibilidade do acordo particular ser levado à homologação judicial segundo o artigo 855B[5], já sendo apresentado no texto do acordo a cláusula onde o empregado é obrigado a dar a quitação geral, total e irrestrita do acordo.
Infelizmente o Colendo Tribunal Superior do Trabalho vem demonstrando que dará respaldo jurídico a estes acordos extrajudiciais homologados em juízo como demonstra a recente decisão de outubro de 2021[6].
A simples discriminação das verbas no acordo não tem o condão de dizer que apenas aquelas verbas estão sendo pagas e não o contrato de trabalho como um todo. Esta descriminação serve única e exclusivamente para determinar se sobre o acordo incidirão descontos fiscais e previdenciários. Não se pode contar com a sorte de, precisando e querendo cobrar outras verbas, encontrar um ministro do Tribunal Superior do Trabalho com uma composição de turma que entenda: “que, com o recebimento do montante do acordo, o empregado dava plena quitação dos valores e parcelas expressamente consignadas no termo de conciliação, o que, a seu ver, equivale à ressalva[7].”
Desta forma, e já nos encaminhado para o final do texto, que acabou ficando mais longo que o normal, acredito que deixei clara a necessidade para atletas, advogados de atletas e em especial aos agentes de atletas, que por vezes tratam sozinhos da questão com o clube, não aceitar a imposição de um acordo com qualquer termo de quitação geral do contrato de trabalho, apenas porque o clube não pagou os salários do atleta, que é uma obrigação legal e moral, e este precisa do dinheiro. Posto que o atleta, mesmo precisando receber este valor de salários atrasados, não deve ser obrigado a aceitar o pagamento parcelado e ainda ser obrigado a deixar de cobrar outras verbas como, por exemplo, o dano moral pelo salário não pago a tempo e modo correto.
Os agentes, também chamados de empresários ou ainda de intermediários e os advogados, podem e devem explicar aos atletas que não é porque o acordo foi feito que este será honrado pelo clube, que para não o honrar alegam mil e uma situações, algumas até mesmo dizendo que seria fraude contra credor pagar um acordo extrajudicial, não homologado. E que se for para correr o risco de não receber o acordo, ou de tê-lo de cobrar na justiça, é melhor apresentar a reclamação e solicitar todas as verbas devidas sem exceções, uma vez que o tempo para receber é o mesmo, mas o valor com o acordo é menor.
Com este texto procuro ter demonstrado a importância de se dar a devida atenção ao momento da celebração do acordo trabalhista, seja em acordo judicial ou extrajudicial, deixando claro se for o caso que o acordo é apenas sobre aquelas verbas descritas naquela ação, ou naquele acordo, e não sobre todo o contrato de trabalho do atleta. Isso evita que o acordo prejudique outras ações que estejam em curso contra aquele empregador ou que venha a impedir a apresentação de uma nova ação visando buscar valores não discutidos anteriormente, mas que em virtude do acordo abranger todo o contrato de trabalho as questões, mesmo que não tratadas no acordo, fiquem decididas de maneira definitiva.
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[1] Art. 831 – A decisão será proferida depois de rejeitada pelas partes a proposta de conciliação
Parágrafo único. No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas
[2] AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 13, 16, 79, 102, 104, 122 e 145 da SBDI-2) – Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005
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V – O acordo homologado judicialmente tem força de decisão irrecorrível, na forma do art. 831 da CLT. Assim sendo, o termo conciliatório transita em julgado na data da sua homologação judicial. (ex-OJ nº 104 da SBDI-2 – DJ 29.04.2003)
[3] Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
[4] Art. 625-E. Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu proposto e pelos membros da Comissão, fornecendo-se cópia às partes. (Incluído pela Lei nº 9.958, de 12.1.2000)
Parágrafo único. O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas
[5] Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.
[6] https://www.tst.jus.br/web/guest/-/homologado-acordo-extrajudicial-entre-financeira-e-analista-de-cr%C3%A9dito-com-quita%C3%A7%C3%A3o-geral
[7] https://www.tst.jus.br/-/acordo-firmado-com-instalador-em-comiss%C3%A3o-de-concilia%C3%A7%C3%A3o-pr%C3%A9via-s%C3%B3-quita-valores-discriminados%C2%A0