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A importância do desporto de combate para a justiça restaurativa

A Justiça Restaurativa procura juntar aqueles que criaram danos com aqueles que foram prejudicados, e muitas vezes contrasta com as abordagens retributivas e punitivas da justiça que centram o Estado nas respostas ao crime e aos danos.

A Justiça Restaurativa ecoa práticas ancestrais e indígenas de diversas culturas ao redor do mundo, focando o fortalecimento da comunidade e a restauração das relações na resolução de conflitos.

Mais recentemente vem sendo aplicada em comunidades, escolas, mediação de conflitos e também em processos judiciais em diversos países, inclusive o Brasil. As práticas permitem que o ofensor se sensibilize com o sofrimento da vítima e com o seu próprio. Também possibilita à pessoa que sofreu dano se abrir à experiência e ao arrependimento do outro, e assim os envolvidos podem decidir juntos formas de reparação e restauração (CASELATO, 2020[1]).

No Brasil, ela tem sido disseminada como conceito, filosofia e prática, e teve origem durante as décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos e Canadá. Tais experiências iniciais deram vida a outras e a partir da década de 1980 a Justiça Restaurativa se fundamenta no âmbito da criminologia, estabelecendo-se a partir de críticas ao sistema penal e na problematização do papel da vítima, o qual foi relegado ao silenciamento em função da autoridade conferida pelo Estado. A Organização das Nações Unidas – ONU – com o intuito de regulamentar as práticas de Justiça Restaurativa no mundo, emitiu três resoluções nos anos de 1999 a 2002:  1999/26, 2000/14 e 2002/12.  Esses documentos servem de referências para o trabalho da Justiça Restaurativa nos países signatários da ONU (1999) (BUSATTO et al., 2021[2]).

Na Tailândia[3], o diretor da prisão Klong Pai, próxima de Banguecoque, negociou com o Estado que poderia organizar torneios de Muay Thai entre seus presos, onde estes poderiam lutar contra atletas profissionais estrangeiros para reduzir a sua pena.

Conseguindo vitórias, vários reclusos conseguiram sair da prisão como homens livres e, uma vez que os reclusos nunca lutam uns contra os outros para não alimentar confrontos entre os mesmos, são recrutados voluntários estrangeiros como adversários.

Contudo, apesar do desafio sem dúvida único a ser lançado contra criminosos brutais numa prisão exótica, os combatentes estrangeiros enfrentam também um enorme dilema moral: será que a sua derrota permitirá a um assassino ou violador regressar à sociedade e voltar a cometer crimes?

Um cenário semelhante resultou na saída antecipada de um pugilista da prisão para representar a Tailândia nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008.

Muitos estudos mostram que as artes marciais, se forem cuidadosamente ensinadas, são excelentes maneiras de acabar com a criminalidade, não de ajudá-la.

Uma das histórias mais convincentes é a do jovem que, em 2011, foi acusado de posse com intenção de fornecer uma droga classe B, saindo com sentença não-custodial de 100 horas de trabalho não remunerado e uma ordem comunitária de 12 meses.

Um ano depois, ele foi o medalhista olímpico de ouro superpesado, sagrando-se mais tarde campeão de boxe de pesos pesados. Esse jovem, Anthony Joshua, é um hoje um herói para milhares e um verdadeiro modelo a ser seguido. O boxe não o transformou em um perigoso bandido: fez dele uma pessoa melhor.

No entanto, tal entendimento da importância do ensino de artes marciais para ressocialização não encontra amparo em todos os países. A rejeição[4] em 2018 pelo governo britânico de propostas para programas de boxe e artes marciais em prisões – propostas que seriam publicadas na próxima Revisão do Esporte na Justiça Criminal – se baseou no medo da percepção pública quanto à questão, desconhecendo-se o papel das artes marciais como uma ferramenta de engajamento para alcançar resultados notáveis com jovens em situação de risco.

O desporto de combate costuma fornecer uma imagem, mitológica por vezes, de luta, mudança e vitória, que os jovens homens empregam para buscar a sua abstenção do envolvimento criminoso e para construir um sentido de existência.

O desporto, as atividades físicas e as lutas marciais são frequentemente afirmados como tendo um apelo “natural” aos homens marginalizados e como sendo tecnologias eficazes de ressocialização.

Tendências violentas costumam não desaparecer facilmente de um indivíduo criminoso, então por que não canalizar essa violência para algo mais produtivo?

As artes marciais exigem disciplina, e a disciplina é um fator chave para controlar a violência impulsiva. É uma vitória para os presos, que podem descobrir um ofício mais salutar para si mesmos e aprenderem a curvar suas tendências violentas e se tornam novamente uma parte aceita da sociedade.

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[1] CASELATO, Sandra. Como derrotar seu inimigo: Karatê Kid, Não-Violência e Justiça Restaurativa. UOL, Site, 29 set. 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/sandra-caselato/2020/09/29/como-derrotar-seu-inimigo-karate-kid-nao-violencia-e-justica-restaurativa.htm. Acesso em: 21 abr. 2023.

[2] BUSATTO, Liz Cristina et al. Prática do Direito Sistêmico: Importância no contexto judicial brasileiro e influência na Justiça Restaurativa. Research, Society and Development, Site, v. 10, n. 13, p. 1-10, 15 out. 2021. DOI http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i13.20527. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/20527/18969. Acesso em: 21 abr. 2023.

[3] KAPLAN, Michael. Inside the prison where murderers can fight to be freed. New York Post, Site, 23 fev. 2017. Disponível em: https://nypost.com/2017/02/23/stepping-inside-the-ring-to-keep-a-killer-behind-bars. Acesso em: 21 abr. 2023.

[4] LEE, Phillip. Why train young offenders to fight? Because it can improve their lives. The Guardian, Site, 7 jul. 2018. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/jul/07/young-offenders-boxing-martial-arts-fight-sport. Acesso em: 21 abr. 2023.

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