Por Alice Laurindo
Como amantes do futebol feminino, discutimos, de forma eufórica e esperançosa, o desenvolvimento e a profissionalização da modalidade. Na maior parte das vezes, porém, apesar de reconhecer avanços e constatar possíveis caminhos, esbarramos em questões financeiras que parecem dificultar, em muito, nossas aspirações. Em razão disso, mostra-se nitidamente relevante discutir formas de potencializar a receita oriunda do próprio mercado do esporte de mulheres, destacando-se, então, o tema dos patrocínios.
Para quem acompanha a modalidade, não é surpreendente a afirmação de que o futebol feminino possui características próprias. Exemplo disso é o fato de que, em que pese haver intersecções, o público que acompanha o esporte de mulheres não corresponde, de forma exata, aos fãs do futebol masculino. Afinal, há quem se interesse por apenas uma das referidas vertentes. Da mesma forma, podemos identificar uma relação consideravelmente estreita e específica com a internet e com as redes sociais, que possuíram – e ainda possuem – um papel importante na transmissão das partidas de futebol feminino[1].
Além disso, mais do que constituir um ambiente específico, o futebol feminino também representa um mercado em ascensão, havendo constantes notícias quanto a novos recordes de audiência e de engajamento nas redes sociais. Esse cenário traz, portanto, oportunidades significativas e diferenciadas de patrocínios. Com efeito, uma vez que, no âmbito esportivo, é possível patrocinar de forma individual a atletas, de forma coletiva a clubes ou seleções ou, ainda, através do investimento em um campeonato ou em uma liga específica, é forçoso concluir que há uma série de possíveis caminhos a serem explorados.
Nesse contexto, há quem defenda que a atual disparidade econômica entre o futebol feminino e o futebol masculino, bem como a saturação do mercado deste último, podem constituir atrativo à obtenção de patrocínios para a modalidade ora em análise[2]. Isso significa dizer que, para marcas de menor expressão ou de menor tradição esportiva que pretendam ingressar no mercado, o futebol feminino pode se mostrar uma opção mais interessante e acessível. Afinal, patrocinar o esporte de mulheres revela-se uma oportunidade de se conectar com um público específico e em ascensão, contribuindo para a construção da imagem da marca.
No cenário internacional, já há alguns interessantes exemplos desse fenômeno. Dentre esses, destacamos o caso da empresa espanhola de energia Iberdrola, que patrocina dezesseis federações locais de esporte feminino[3], detendo, inclusive, os naming rights da elite do campeonato nacional do futebol de mulheres. Outra situação significativa é a do acerto entre o banco Barclays com a Superliga Feminina, principal competição em solo britânico[4].
Chama atenção, ainda, a parceria da VISA com a União das Associações Europeias de Futebol (“UEFA”), que passou a comercializar os direitos relacionados ao futebol feminino de forma separada em 2018 e com quem celebrou contrato de patrocínio voltado à modalidade até 2025[5]. A empresa de serviços financeiros também passou a investir, em 2019, na Federação de Futebol dos Estados Unidos (US Soccer), ocasião em que impôs a condição de que ao menos 50% da quantia envolvida fosse destinada à equipe feminina[6].
No cenário brasileiro, também há exemplos positivos a serem destacados. No âmbito do investimento às competições, a Série A1 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino já serviu de palco para a celebração de acordos em nome da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com empresas como Uber[7], Guaraná[8] e Riachuelo[9]. De forma semelhante, o Campeonato Paulista de Futebol Feminino já contou com o apoio de marcas como Assaí Atacadista[10]. Além disso, não podemos esquecer que, em 2019, marcas como o Guaraná, a Nike e o Boticário buscaram divulgar a Copa do Mundo de Futebol Feminino[11] no país, tendo também atuado como patrocinadores oficiais da seleção nacional.
Nesse contexto, é importante destacar a contribuição do Guaraná para a modalidade. Ainda em 2019, a empresa, além de veicular comerciais emocionantes em apoio à nossa seleção feminina[12], também começou uma campanha voltada a conscientizar o mercado e, assim, incentivar outras marcas a patrocinarem a modalidade. Dando continuidade à empreitada, o Guaraná lançou nova ação em 2020, voltada ao futebol feminino de base e ao apoio ao projeto “Meninas em Campo”, convocando marcas a investirem a quantia de R$ 50.000,00 em troca da divulgação dos logotipos envolvidos em trinta milhões de suas latinhas[13].
Já no que se refere aos clubes brasileiros, embora seja frequente a ocorrência de patrocínio que engloba as equipes de futebol masculino e de futebol feminino, também existem alguns casos de aportes financeiros voltados especificamente às mulheres. Como exemplos de sucesso, podemos citar o apoio da Sono Quality ao Santos[14], da Unifemm ao Atlético Mineiro[15] e da TellVoip ao Corinthians[16]. Também é digno de referência o acerto entre a Puma e as atletas do Palmeiras, com ajuste pioneiro do patrocínio de vinte e três das jogadoras do time alviverde pela empresa de materiais esportivos[17].
Com relação aos patrocínios individuais, infelizmente constata-se que a frequência e o montante envolvido costumam ser abaixo do esperado. Ainda é comum que até mesmo jogadoras de renome no cenário nacional e internacional recebam apoios consistentes tão somente na obtenção de produtos, destacando-se a sistemática dos vouchers, sem aporte financeiro[18]. A situação de baixo investimento foi, inclusive, denunciada pela atacante recordista Marta durante a Copa do Mundo de 2019[19]. Como exemplos positivos, porém, podemos citar o acordo entre a goleira Bárbara e a marca Poker, especializada em luvas esportivas[20], bem como a parceria de longa data entre a artilheira Cristiane Rozeira e a Adidas[21].
Apesar dos modelos relatados, um olhar mais atento ao tema traz a constatação de que, em que pesem os ventos de mudança, o potencial de exploração comercial da modalidade ainda é subutilizado. Nesse sentido, em 2019, a consultoria independente Brand Finance, conhecida por avaliar anualmente o valor de mercado e as estratégias de marketing das marcas desportivas, constatou que ainda há um longo caminho a percorrer no âmbito dos patrocínios do futebol feminino. Segundo sua pesquisa, ao comparar o potencial da modalidade no tema com o valor que era efetivamente auferido até então, a referida consultoria encontrou uma disparidade de cerca de 1.2 bilhão de dólares[22], o que revela a importância de se voltar ao assunto ora em tela.
Outro aspecto relevante é o de que tem se revelado comum a obtenção de patrocínios conjuntos entre o futebol feminino e o futebol masculino, como é o já citado caso de empresas que têm parceria com ambas as equipes de determinado clube[23] ou seleção. Essa situação não é, necessariamente, um problema. No entanto, dadas as peculiaridades do esporte de mulheres – notadamente o público alvo e a relação com as mídias sociais – é importante traçar estratégias específicas de ativação do patrocínio, buscando-se a diferenciação e aproveitando de forma mais significativa o potencial de retorno financeiro.
Além disso, também é recomendável individualizar os valores, tanto no momento do aporte financeiro, quanto na estimativa do retorno à empresa. Outrossim, a problemática de o futebol feminino ser incluído de forma genérica em contratos de parceria envolvendo o masculino já foi alertada, em 2020, pela FIFPro, que apontou a dificuldade de estimar o valor de mercado do patrocínio da modalidade[24].
Considerando todo o abordado, constatamos que ainda existem importantes questões a serem enfrentadas e avançadas quanto ao tema dos patrocínios no âmbito do futebol feminino. De toda forma, já possuímos exemplos significativos que apontam que acordos dessa natureza podem ser promissores, tanto para as marcas quanto para os seus patrocinados. Por assim dizer, não podemos olvidar que os valores e a visibilidade gerados pelas grandes empresas em sede de patrocínio são importantes vetores para a viabilização, para a potencialização do crescimento e, então, para a consolidação do futebol de mulheres.
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Alice Maria Salvatore Barbin Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados. É conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e membra da IB|A Académie du Sport.
[1] IBERDROLA. Fazemos três anos como principal impulsor do esporte feminino. 2019. Disponível em < https://www.iberdrola.com/compromisso-social/tres-anos-com-o-esporte-femenino >.
[2] MÁQUINA DO ESPORTE. Barclays fecha acordo recorde com futebol feminino do Reino Unido. 20 de março de 2019. Disponível em < https://maquinadoesporte.com.br/artigo/barclays-fecha-acordo-recorde-com-futebol-feminino-do-reino-unido/ >.
[3] MÁQUINA DO ESPORTE. Visa faz história ao ser primeira a fechar com futebol feminino da Uefa. 06 de dezembro de 2018. Disponível em < https://maquinadoesporte.com.br/artigo/visa-faz-historia-ao-ser-primeira-fechar-com-futebol-feminino-da-uefa/ >.
[4] DASS, Andrew. Patrocinador cobra valores iguais às seleções de futebol dos EUA e entra na briga por pagamento igualitário. 15 de julho de 2019. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2019/07/patrocinador-das-selecoes-dos-eua-entra-na-briga-por-pagamento-igualitario.shtml>.
[5] MÁQUINA DO ESPORTE. Com Uber, brasileiro feminino tem primeiro patrocinador. 19 de julho de 2019. Disponível em < https://www.maquinadoesporte.com.br/artigo/com-uber-brasileiro-feminino-tem-primeiro-patrocinador/ >.
[6] ASSESSORIA CBF. Campeonato Brasileiro Feminino A1 terá Guaraná Antárctica como Patrocinador. 31 de julho de 2020. Disponível em < https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro-feminino/campeonato-brasileiro-feminino-a1-tera-guarana-antarctica-como-patroci >.
[7] ASSESSORIA CBF. Riachuelo é a nova patrocinadora do Campeonato Brasileiro Feminino A1. 14 de novembro de 2020. Disponível em < https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro-feminino/riachuelo-e-a-nova-patrocinadora-do-campeonato-brasileiro-feminino-a-1 >.
[8] FEDERAÇÃO PAULISTA DE FUTEBOL. Assaí é o novo patrocinador do Paulistão Feminino. 16 de outubro de 2020. Disponível em <https://futebolpaulista.com.br/Noticias/Detalhe.aspx?Noticia=16257 >.
[9] Conforme analisado anteriormente em LAURINDO, Alice; CHEVIS, Beatriz. Os direitos televisivos das competições de futebol feminino no Brasil. 02 de fevereiro de 2021. Disponível em <https://leiemcampo.com.br/os-direitos-televisivos-das-competicoes-de-futebol-feminino-no-brasil/>.
[10] FIFPro. 2020: Raising Our Game – Women’s Football Report. Abril de 2020. Disponível em < https://www.fifpro.org/media/vd1pbtbj/fifpro-womens-report_eng-lowres.pdf >.
[11] PEZZOTTI, Renato. Marcas convocam anunciantes a investir na Copa do Mundo de futebol feminino. 10 de maio de 2019. Disponível em <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/05/10/as-vesperas-da-copa-do-mundo-marcas-acordam-para-o-futebol-feminino.htm >.
[12] Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=8wsDd_MqXwM>.
[13] São elas: Avon, Banco BMG, Burger King, Consul, ESPN, Gol, Halls, Lay’s, Puma e Vivo, conforme divulgado em MKT ESPORTIVO. Marcas se unem ao Guaraná em apoio ao futebol feminino. 2 de dezembro de 2020. Disponível em <https://www.mktesportivo.com/2020/12/marcas-sem-unem-ao-guarana-em-apoio-ao-futebol-feminino/ >.
[14] SANTOS FUTEBOL CLUBE. Sono Quality é a nova patrocinadora das Sereias da Vila. 15 de Janeiro de 2020. Disponível em < https://www.santosfc.com.br/sono-quality-e-a-nova-patrocinadora-das-sereias-da-vila/ >.
[15] MÁQUINA DO ESPORTE. Atlético-MG fecha com a Unifemm e “salva” Universidade do Galo. 14 de fevereiro de 2020. Disponível em <https://www.maquinadoesporte.com.br/artigo/atletico-mg-fecha-com-unifemm-e-salva-universidade-do-galo/>.
[16] SPORT CLUB CORINTHIANS PAULISTA. Futebol feminino do Corinthians terá patrocínio da TellVoip Group em 2021. 23 de janeiro de 2021. Disponível em <https://www.corinthians.com.br/noticias/futebol-feminino-do-corinthians-tera-patrocinio-da-tellvoip-group-em-2021>.
[17] DEPARTAMENTO DE DIVULGAÇÃO DA SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS. Time feminino do Palmeiras fecha patrocínio inédito com a PUMA. 8 de setembro de 2020. Disponível em <https://www.palmeiras.com.br/pt-br/noticias/time-feminino-do-palmeiras-fecha-patrocinio-inedito-com-a-puma/>.
[18] Destaca-se, nesse sentido, a importância dos números das atletas nas redes sociais, que podem constituir importante elemento da negociação por patrocínios mais expressivos.
[19] SILVA, Ana Carolina. Marta opta por jogar sem patrocínio esportivo e carregar recado em chuteira. 16 de junho de 2019. Disponível em <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2019/06/14/por-opcao-marta-joga-sem-patrocinio-esportivo-e-carrega-recado-em-chuteira.htm >.
[20] LANCE. Goleira da Seleção, Bárbara garante patrocínio e exalta: ‘Cada vez mais espaço à modalidade’. 08 de março de 2021. Disponível em <https://www.lance.com.br/selecao-brasileira/goleira-selecao-barbara-garante-patrocinio-exalta-cada-vez-mais-espaco-modalidade.html >.
[21]ADIDAS. Site oficial. Disponível em <https://www.adidas.co/creadora-cristiane >.
[22] BRAND FINANCE. Total Potential of Women’s Football Sponsorship Undervalued by Over US$ 1 Billion. 08 de julho de 2019. Disponível em < https://brandfinance.com/press-releases/total-potential-of-womens-football-sponsorship-undervalued-by-over-us1-billion >.
[23] ERICH, Beting. Futebol feminino ainda é ofuscado pelo masculino nos patrocínios. 14 de fevereiro de 2020. Disponível em <https://maquinadoesporte.com.br/artigo/futebol-feminino-ainda-e-ofuscado-pelo-masculino-nos-patrocinios/>.
[24] FIFPro. 2020: Raising Our Game – Women’s Football Report. Abril de 2020. Disponível em < https://www.fifpro.org/media/vd1pbtbj/fifpro-womens-report_eng-lowres.pdf >.