Por Higor Maffei Bellini
É importante antes de começar a tecer as argumentações necessárias, para tratar do tema central deste artigo que, a mera alegação da suspeita de que um empregado de um clube, tenha tido qualquer atitude para manipular o resultado de uma partida, seja por qual razão for, não justifica a aplicação da pena capital, do contrato de trabalho que é a sua extinção por justa causa, posto que tal ação somente pode acontecer depois de apurados os fatos e confirmada, sem sombras de dúvidas, a conduta do empregado. Que o que se discute, também, no presente texto é a forma como a questão deve ser conduzida, até o momento da demissão e se deve ser dada publicidade ao tema, pelo clube antes do término da apuração da conduta do profissional.
Toda demissão, não apenas aquele por justa causa, posto que a empresas podem optar por fazer o desligamento do empregado, suspeito de manipulação de resultado, sem a aplicação da pena capital ao empregado, que é a justa causa, que tem de ser provada por parte da empresa, já que faz a imputação de uma conduta criminosa ao empregado. Provocando assim a necessidade de uma averiguação com direito a o contraditório e ampla defesa ao empregado.
Sem seja garantido o direito ao empregado da averiguação previa, dentro da estrutura do clube, da alegada conduta criminosa, e posteriormente pela autoridade policial competente, lhe sendo garantido no procedimento tanto no procedimento interno como no criminal, os direitos ao contraditório e a ampla defesa, a demissão quando por justa causa, se torna passível de anulação, posto que fere o princípio constitucional da presunção de inocência. Que está previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988[1]. E que diz expressamente que a pessoa somente é culpada de um crime, ou seja, a conduta criminosa somente se configura provada, com a condenação, sem mais possibilidade de recurso, perante a justiça competente que é a criminal.
Sem o pronunciamento da justiça criminal, que venha a condenar a pessoa pelo exato crime, que a empresa, no caso o clube alega existir, não existe conduta delituosa, praticada pelo empregado, não o fato típico alegado e toda e qualquer menção a este fato, se demonstra um ataque a honra do empregado, que gera o direito a pleitear e a receber uma indenização, ainda mais quando essas ofensas à honra se deram por meio de uma desastrada e infundada entrevista, efetuada apenas para atacar a honra do empregado e justificar a demissão do profissional, que nunca teve qualquer macula em sua carreira profissional.
Devendo ser lembrado que uma vez que venha a ser tipificada do empregado, segundo o estabelecido na CLT, como justificativa para a aplicação da justa causa, ou dentro de um regulamento interno, não poderá o clube, mudar o enquadramento da justa causa, para o reenquadrar na medida, que os fatos demonstrarem que não existiu a alegada manipulação de resultados.
Se faz interessante lembrar o que significa para o cidadão brasileiro a presença, em nosso ordenamento jurídico constitucional a presença do principio da presunção de inocência, posto que apenas dizer que ele existe, na carta política, não traz a exata dimensão da sua importância, para todos aqueles que são publicamente, como é o caso do empregado, ou do associado, dirigente ou ainda de um prestador de serviços, acusado pelo seu clube de cometer um crime, já que essa imposição unilateral, feita pelo presidente do clube, via de regra, precipitada antes da apuração criminal acontecer, e injusta pois coloca o empregado para o grande público como culpado, sem que sequer existisse processo crime instaurado, jamais poderia acontecer. Vejamos a importância deste princípio;
O dispositivo configura garantia individual limitadora do poder punitivo estatal, portanto, limitador do Direito Penal que garante ao réu o direito de ser tratado como inocente durante todo o processo, o que representa a prevalência de sua liberdade, a distribuição do ônus da prova ao acusador e a não antecipação da punição antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória[2]
Assim não era e continua não sendo do empregado provar que não fez qualquer ação no sentido de manipular resultado, com a finalidade de beneficiar a quem quer se seja, mas, era obrigação da entidade esportiva, espera a apuração criminal terminar para fazer tal alegação.
A equipe que demite o empregado e que coloca essa demissão em nota a imprensa, fere a honra e a imagem do profissional, não apenas pela demissão deste por justa causa, mas também pelas entrevistas e comunicados enviados à imprensa.
Mas Higor, a justiça desportiva acabou por declara a pessoa como culpada, isso não válida a justa causa?
A resposta é simples, não valida, e ao contrário faz nascer ainda mais o direito da indenização por danos morais a ser paga pelo clube, que faz a remessa de ofício a federação estadual, que é a entidade privada que organiza competição, ou ainda a confederação brasileira, que é apenas outra entidade privada, para que elas apurassem a ocorrência do delito esportivo de manipulação de resultados, estabelecido no CBJD em seu artigo 242 [3]o que jamais poderia acontecer, pois se este delito também caracteriza um crime, segundo a lei geral do esporte[4], somente depois da justiça criminal falar é que a desportiva, poderia tratar da questão.
Devendo-se lembrar que apesar do nome ser justiça desportiva esta não é, bem como até o presente momento nunca foi um ramo do poder judiciário, ou seja, não tem qualquer possibilidade de declarar a ocorrência de uma conduta que seja tipificada como um crime, e todos aqueles integrantes da justiça desportiva sejam os procuradores, sejam os auditores que falam na ocorrência de crime de manipulação de resultados, estão cometendo crimes contra a honra dos acusados, que podem pedir a instauração de processo crime contra essas pessoas, bem como podem pedir a reparação de danos morais, e até mesmo materiais em razão da declaração da ocorrência da manipulação de resultados.
Sobre a natureza meramente administrativa da justiça desportiva, vale a pena ler a seguinte manifestação, vindo do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AGRESSÕES. FÍSICAS E VERBAL. MORAL. ÁRBITRO. PARTIDA DE FUTEBOL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JOGADOR. ATO ILÍCITO. CONFIGURAÇÃO. CONDUTA. DESPROPORCIONALIDADE. DANO À HONRA E IMAGEM. CONFIGURAÇÃO. REPARAÇÃO DEVIDA. JUSTIÇA COMUM. CONDENAÇÃO. JUSTIÇA DESPORTIVA. IRRELEVÂNCIA.
- Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
- A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em verificar se as agressões físicas e verbais perpetradas por jogador profissional contra árbitro de futebol, na ocasião de disputa da partida final de importante campeonato estadual de futebol, constituem ato ilícito indenizável na Justiça Comum, independentemente de eventual punição aplicada na esfera da Justiça Desportiva.
- Nos termos da Constituição Federal e da Lei nº 9.615/1998 (denominada “Lei Pelé”), a competência da Justiça Desportiva limita-se a transgressões de natureza eminentemente esportivas, relativas à disciplina e às competições desportivas.
4.O alegado ilícito que o autor da demanda atribui ao réu, por não se fundar em transgressão de cunho estritamente esportivo, pode ser submetido ao crivo do Poder Judiciário Estatal, para que seja julgado à luz da legislação que norteia as relações de natureza privada, no caso, o Código Civil.
- A conduta do jogador, mormente a sorrateira agressão física pelas costas, revelou-se despropositada e desproporcional, transbordando em muito o mínimo socialmente aceitável em partidas de futebol, apta a ofender a honra e a imagem do árbitro, que estava zelando pela correta aplicação das regras esportivas. 6. O evento no qual as agressões foram perpetradas, final do Campeonato Paulista de Futebol, envolvendo dois dos maiores clubes do Brasil, foi televisionado para todo o país, o que evidencia sua enorme audiência e, em consequência, o número de pessoas que assistiram o episódio.
- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp n. 1.762.786/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 23/10/2018, DJe de 26/10/2018.) (destacamos)
Desta decisão fica clara a natureza meramente administrativa da justiça desportiva, podendo apenas se manifestar sobre questões da competição e não sobre questões resultantes da competição, mas, com respaldo e fundamentação na legislação estatal vigente, ou seja, a decisão administrativa (justiça desportiva) não impede o reexame da questão pelo poder judiciário, seja na esfera civil, criminal ou trabalhista, presente caso.
Há de ser ressaltada ainda decisão vinda do STJ declarando expressamente a justiça desportiva, do ponto de vista jurídico nem sequer poderia ser entendida como uma justiça administrativa, como se observa abaixo:
CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA – NATUREZA JURÍDICA – INOCORRÊNCIA DE CONFLITO.
- Tribunal de Justiça Desportiva não se constitui em autoridade administrativa e muito menos judiciária, não se enquadrando a hipótese em estudo no art. 105, I, g, da CF/88.
- Conflito não conhecido.
(CAt n. 53/SP, relator Ministro Waldemar Zveiter, Segunda Seção, julgado em 27/5/1998, DJ de 3/8/1998, p. 66.)
Como consta da decisão acima para o artigo e para os casos em concerto caso é irrelevante a existência de condenação na esfera desportiva, onde inclusive não poderia ter havido a declaração da ocorrência do crime de manipulação de resultados.
Devendo-se lembrar que uma vez aplica a justa causa pela alegação do empregado em um caso de suspeita de manipulação de resultados, esta pode e deve ser anulada pela justiça do trabalho, em razão de apresentação de reclamação trabalhista nesse sentido, pois não havendo a comprovação da manipulação de resultados, não existe base legal para a pena aplicada.
O que leva a aplicação de uma justa acusa é o descumprimento aos procedimentos internos, bem como a CLT que somente após, a apuração interna, com a presença do contraditório é que pode ser declarada que existiu. Sem essa apuração previa e interna, não há justificativa para a aplicação e a manutenção da justa causa.
Assim sendo para encaminhar as considerações finais:
Não se demite um empregado por justa causa, com a comunicação do fato à imprensa para apurar eventual participação dele em manipulação de resultado, se apura primeiro, os fatos e pune, se for o caso depois da apuração efetuada.
Se houver a condenação do empregado pela justiça desportiva, essa não justifica a aplicação de justa causa, pois a justiça desportiva é apenas um departamento administrativo da entidade que administra o esporte e que não pode declarar a ocorrência do crime, de manipulação de resultado. E não vincula o processo trabalhista, que deve avaliar outros procedimentos, tanto do empregado como do empregador, que não são verificados na desportiva.
Mesmo o afastamento do empregado, para a apuração dos fatos, se comunicado a imprensa, já gera o dano moral, uma vez que, mesmo que administrativamente se demonstre que não houve a manipulação, para o grande público ele já estará condenado, pois, sempre alguém dizer, mas, será que ele não fez mesmo?
Por tudo isso é que não se deve demitir o empregado por justa causa, apenas pela suspeitada de participação em manipulação de resultados, que seja demitido em justa causa e sem alarde para a imprensa, se for a decisão do clube de não mais confiar na pessoa.
Crédito imagem: Getty Images
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[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
[2] REBELO, G. de S.; ROSA, G. F. Princípio constitucional da presunção de inocência: presunção técnico-jurídica ou presunção política?. Revista de Constitucionalização do Direito Brasileiro, [S. l.], v. 3, n. 2, p. e039, 2023. DOI: 10.33636/reconto.v3n2.e039. Disponível em: https://revistareconto.com.br/index.php/reconto/article/view/46. Acesso em: 26 out. 2024.
[3] Art. 242. Dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta ou qualquer pessoa natural mencionada no art. 1º, § 1º, VI, para que, de qualquer modo, influencie o resultado de partida, prova ou equivalente. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
[4] Art. 200. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa