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A impossibilidade dos clubes divulgarem informações sobre o peso dos atletas

Por Higor Maffei Bellini e Monique Somose[1]

Olá a todos, volto aqui a este importante espaço de discussão dos aspectos jurídicos relacionados ao esporte, em companhia da minha socia Monique, uma das 4 mulheres que me fizeram migrar da seara trabalhista pura, para a seara desportiva em especial aquela ligada aos direitos trabalhistas e personalíssimos dos atletas. Mas isso trato em outro texto.

Nos trazemos a discussão do direito do atleta a ver preservada a sua intimada, sua privacidade em relação ao seu peso, uma vez que, infelizmente, no início de temporada alguns clubes ainda, divulgam o peso com o qual o atleta se reapresenta ou se apresenta ao clube. Se esquecendo que esta informação personalíssima, não tem interesse para o grande público, nem para os torcedores, a não ser que seja para cobrar ao atleta, que teria se apresentado com sobrepeso.

Fazendo o clube assim com que a torcida, tenha argumentos, para cobrar aquele jogador, que chega após um mês de férias, onde teve o direito de não ter de treinar diariamente, teve o direito a se desconectar das suas obrigações contratuais, ou seja, teve o direito de como qualquer outro empregado, de usar as suas férias da melhor maneira, que entender possível, mesmo que isso signifique que no retorno terá de treinar mais, que os demais para entrar em forma física e assim ter condições de disputar a partida completa.

Isto poque se o clube impõe ao atleta, que deveria estar de férias, a obrigação deste de se manter em treinamento, ou em  dieta, estas obrigações que são associadas ao contrato de trabalho desportivo, já que o jogador necessita estar em forma física e o controle do peso, impacta na preparação física, as férias não foram concedidas, o que aconteceu foi que as atividades laborais, passaram a ser efetuadas em outra localidade e com o controle indireto dos clubes, que podem pedir filmagens das atividades desenvolvidas, até para alimentar as suas redes sociais[2].

Não deixa de ser estranho ter de citação de um pensamento, já expresso em texto anterior, mas, para evitar o risco do autoplágio, aí está a citação.

Mas voltando a nossa discussão após a entrada em vigência da Emenda Constitucional 115/2022, que foi publicada em 10 de fevereiro de 2022, portanto já a onze meses, que veio a acrescentar ao famoso artigo 5ª da Constituição Federal o inciso LXXIX, agora os direitos fundamentais, que são tratados neste artigo, também serve garantia para  promover e garantir a dignidade humana, de todos os que estão residindo no Brasil, ou seja, incluídos os trabalhadores do esporte, bem como o de proteger os cidadãos.

Esta emenda reforçou a ideia de que respeitar o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais, aqui incluído o peso da atleta, é essencial à garantia de uma vida plena e digna das pessoas, principalmente das mulheres atletas, que são cobradas sobre o seu peso duplamente primeiro como mulheres, em uma sociedade ainda machista e depois como profissionais do esporte.

Talvez os clubes ainda não tenham se apercebido desta mudança no ordenamento jurídico, já que por vezes, o advogado e ou o gestor esportivo, não conseguem ter uma visão completa em 360º graus do que acontece ao seu redor, ficando focado no muito restrito mundo das norma jurídicas desportivas, vindas das entidades nacionais ou internacionais de organização do desporte, ou ainda das estatais, mas, sem nunca olhar todo o conjunto jurídico existente, se esquecendo que o direito é uno e indivisível. Sendo a divisão por ramos do direito algo feito apenas para facilitar o estudo acadêmico, mas, que na prática não se justifica.

Assim se encontra estabelecido, atualmente no exto constitucional, o direito à intimidade de todas as pessoas, que estejam no Brasil:

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXIX – é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

Sabemos que o desconhecimento da norma jurídica, não é justificativa para o seu descumprimento, primeiro por ser um princípio antiguíssimo do direito e depois por estar consignado na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, mais especificamente em seu artigo 3º, por isso estamos apenas explicando por que os clubes em 2023, ainda cometem esta falha de gestão e jurídica, que poderá vir a gerar um processo de reparação de danos, pelo atleta que teve os seus dados divulgados.

Como existe a proteção à intimidade de todos, os que estão no Brasil, o clube não tem o direito de revelar esta informação a quem quer que seja, e não adianta, colocar esta autorização no meio das demais cláusulas contratuais, como as empresas costumam fazer, quando baixamos um aplicativo ou entramos em um site, que ou aceitamos o compartilhamento dos dados pela empresa, ou não conseguimos usar o serviço, ou ter a entrada liberada nos locais, onde se tem o reconhecimento fácil.

Isto porque se colocada esta autorização no meio das demais cláusulas contratuais, o atleta não está agindo com a plena liberdade de pensamento e de consciência, no momento da sua aceitação, podendo ser contestada a autorização, pela falta de requisito de validade do negócio jurídico.

Além destes pontos mencionados acima, é necessário mencionar que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor no ano de 2019, sendo inovadora, visto que, seria a primeira Legislação específica para a proteção de dados, que pode e deve ser aplicada aos atletas e entidades de práticas desportivas.

A LGPD tem como objetivo proteger todos os dados pessoais, e o “conceito de dados”, é algo muito abrangente, uma vez que, tal proteção não pode só acolher dados como o nome, endereços, telefones, documentos de identidade, mas sim, tudo que concerne e envolve a identidade pessoal ou profissional daquele atleta.

Sendo assim, todos os Clubes, Federações e Confederações, necessitam se adequar diante a necessidade da proteção de dados pessoais desses atletas, para que não sejam violadas sua intimidade e privacidade.

Vivemos em uma sociedade tecnológica, onde as informações e notícias chegam imediatamente aos consumidores, e influenciam diretamente na rotina de diversas pessoas, informações hoje que ditam como você deve se vestir, se maquiar, se alimentar e principalmente estereótipos físicos, estes dos quais, torcedores entendem que os atletas devem se enquadrar.

O vazamento de tais dados causa grandes transtornos, sendo o primeiro impacto na rotina diária do atleta, visto que, como vive de ser jogador de futebol ou de outra modalidade, necessidade realizar dietas radicais, exagerarem na quantidade de treinos, para que possam se apresentar ao Clube, como a sociedade acha necessário, contudo, tais condutas podem causar diversos distúrbios, entre eles e mais importante o alimentar.

Desta forma, as atualizações realizadas na nossa Carta Magna no artigo V, bem como, acompanhada da legislação infraconstitucional, no presente caso a LGPD, sendo devidamente aplicadas, não só protegem o profissional, visto que, este mesmo condicionado a fama e entendendo suas necessidades físicas e biológicas, necessita de privacidade e tempo para alcançar os objetivos traçados pelo seu Empregador, mas também ao ser humano por trás desse profissional, uma vez que, tais violações geram sequelas gravíssimas e muitas vezes irreversíveis, devendo assim ter preservada sua intimidade e privacidade.

A proteção de tais dados é necessária para a preservação da saúde mental do atleta, a manutenção de seu rendimento, e por diversas vezes, o vazamento de tais informações influenciam de maneira extremamente negativa.

Não se pode relativizar a aplicação da LGPD, entendendo que, a divulgação de dados de rendimento do atleta pode ser livremente divulgada pelos clubes, visto que, por se tratar de dados de controle do clube, não respeitando assim, a pessoalidade do atleta e violando sua privacidade.

Quando existe a notícia sobre determinado atleta ter se reapresentado acima do peso, esta informação apenas chegou a repórter, que escreveu ou gravou a matéria, por meio de suas pessoas ou o próprio atleta, o que é menos provável, posto que este será cobrado pela torcida e pelos demais companheiros de time. Ou pelo time que se beneficia a informação, que faz com que aquele atleta seja mais cobrado, pela torcida para que este entre em forma.

Os clubes atualmente, em especial os do futebol, tem cada esta informação, sobre o peso dos atletas, bem como outras relativas aos quadros de saúde dos atletas, como tipo sanguíneo, índice de glicose, gordura no fígado, apenas como exemplo.

E nenhuma delas pode ser divulgada, em razão da criação de um grande departamento de saúde nos clubes, que englobam o pessoal da fisiologia, da preparação física, da fisioterapia e os médicos em si, que buscam estes dados, para cruzando com outras informações fazer análises, para evitar lesões aos atletas.

Mas uma vez, demonstrado que a informação, foi repassada pelo clube aqui entendido lato, já que qualquer pessoa do clube, pode passar a informação, o atleta exposto, poderá acionar ao clube na justiça do trabalho, pedindo a reparação dos danos extrapatrimoniais sofridos com esta divulgação desnecessária, para as atividades dos clubes de esportes coletivos, onde não existe a separação dos atletas por faixa de pesos, como acontece quando se trata de esportes de luta.

Danos extrapatrimoniais estes que vem não apenas da divulgação, da informação sobre o peso em si, mas também das consequências que esta divulgação traz, como por exemplo a cobrança da torcida em redes sociais, ou ainda dos danos psicológicos, que a luta para a redução do peso traz ao atleta, que vive sob uma pressão que, não é inerente ao seu contrato de trabalho.

O contrato de trabalho do atleta exige dele que este esteja pronto e preparado para entrar em campo/quadra, mas, não pode exigir que ele não tenha sobrepeso, ou que não tenha uma barriga saliente, já que apesar do esforço da mídia em colocar as esportistas, em especial as mulheres, como modelos para vender roupas, como símbolos sexuais, a sua função é fazer a atividade física esportiva em alto nível e corresponder as exigências do seu esporte.

Concluímos, sem a intenção de esgotar os assuntos, lembrando que os clubes, por terem as informações relativa aos quadros de saúde, dos atletas e em especial o seu peso, estes devem guardar a informação de modo sigiloso, tomando todos os cuidados para que esta informação não seja divulgada. E uma vez esta informação sendo divulgada seja de forma consciente, pelo clube, ou seja, por meio de uma falha do seu sistema, o clube responder pelos danos causados a imagem do atleta, seja perante terceiros, torcida, imprensa companheiros de clube, seja perante ao próprio atleta, que começa a ter problemas de controle de peso e psicológicos.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] advogada e ex jogadora de futebol profissional

[2] BELLINI, Higor Marcelo Maffei. O direito ao descanso nas férias e as obrigações dos atletas em gerar conteúdo digital. 2022. Disponível em: https://direitogestaoeesportes.blogs.sapo.pt/o-direito-ao-descanso-nas-ferias-e-as-111760?tc=124159668840. Acesso em: 17 jan. 2023.

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