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O marco legal dos jogos, mais uma chance desperdiçada

O Brasil muitas vezes é um país para se dizer, no mínimo, curioso e cheio de particularidades. O Marco Legal dos Jogos, como ficou conhecido o Projeto de Lei 442/1991, na versão que circulava até a semana passada vinha com uma proposta ousada, de regulamentar diversas atividades, que ia dos jogos de cassino ao bingo, passava pelo jogo do bicho e o turfe, até chegar nos jogos de habilidade e nas apostas esportivas.

O projeto de lei apresentava conceitos, trazia finalidades e diretrizes da regulamentação; indicava o papel do agente regulador, criava o Renajogo, um grande banco de dados voltado para o registro dos jogadores e das apostas; estabelecia regras de proteção a consumidores e apostadores e, também em linha com as boas práticas internacionais, estabelecia um conjunto mínimo de “garantias de jogo honesto”. Criava ainda “crimes contra o jogo e a aposta”, definia os princípios da integridade e segurança, além de ações preventivas e de informação sobre a conduta e boas práticas, dentre outras importantes medidas voltadas a todo setor. Enfim, atendia ao que se propunha, ser um verdadeiro marco legal dos jogos.

Verdade seja dita, o projeto precisava de ajustes, principalmente na parte tributária, pois propunha uma elevada carga fiscal, sujeitando os operadores à incidência dos já conhecidos IRPJ, CSL, PIS, COFINS e ISS, além de algumas novas figuras tributárias, criadas especialmente para o setor, a CIDE-jogos e a Taxa de Fiscalização de Jogos a Apostas, a Tafija.

Porém, é justamente nesse campo que trazia consideráveis avanços especialmente para o jogador e o apostador, ou seja, o consumidor final, que ao longo dos anos sempre foi ignorado pelo legislador pátrio.

Dentre as grandes inovações propostas estava a possibilidade de o jogador compensar suas perdas e ganhos ao longo de um mês. Explico melhor o que isso representa. O apostador esportivo ou mesmo um jogador de fantasy, para poder jogar, deposita uma quantia em sua carteira virtual, junto ao operador, e vai utilizando o dinheiro para fazer suas apostas ou participar de competições virtuais. Ao longo do mês, tanto o apostador quanto o jogador acumulam perdas e ganhos. O projeto de lei, na versão da semana passada, trazia uma regra de compensação.

O Imposto sobre a Renda incidente sobre a premiação recebida pelo apostador ou o jogador, deixaria de incidir no momento da distribuição do prêmio, e passaria a ser cobrado somente por ocasião do resgate desse valor da carteira virtual aberta junto ao apostador, ou, se não resgatado, após 30 dias da distribuição do prêmio.

Essa sistemática de apuração do Imposto sobre a Renda já se faz presente no mercado financeiro no regramento da tributação de fundos de investimento e ações, com a diferença de que o intervalo para se compensar perdas e ganhos é de 1 ano (e não de 30 dias, como proposto). A própria Receita Federal do Brasil regula essa mecânica por meio da Instrução Normativa 1.585/2015, em seus artigos 15 e 64.

Nada inovador. Mas certamente um passo muito importante para o apostador esportivo e para o jogador de fantasy que apostam e jogam com recorrência.

Acontece que esses avanços foram deixados de lado na nova versão trazida pela Câmara dos Deputados no último dia 15. Uma infelicidade.

O que se trouxe foi uma nova proposta, bastante diferente da anterior, com um escopo muito reduzido. O projeto centrou seu foco em apenas três modalidades de jogos: cassinos, bingo e turfe. Se “esqueceu” do jogo do bicho e, principalmente, dos jogos online (de habilidade e de chance, as apostas esportivas).

Com o devido respeito aos que pensam diferente, ao restringir seu escopo inicial, o Projeto de Lei 442/1991 se apequenou. Mais do que isso, deixou de ser um Marco Legal dos Jogos e passou a ser uma proposta única de legalização de cassinos, bingos e de fomento ao turfe. A nova proposta abre mão de algo vital, do coração pulsante e que impulsionava toda a criação do Marco Legal, os jogos online, sejam eles de habilidade ou de chance.

A nova versão do Projeto de Lei 442/1991 simplesmente deixou as apostas esportivas sob a responsabilidade do Ministério da Economia, mais especificamente da Secretaria de Avaliação, Planejamento e Loteria (SECAP), como se apostas fossem o mesmo que loteria (o que tecnicamente são coisas bastante distantes) e trouxe os jogos de habilidade de volta ao limbo. Seguem admitidos e praticados no Brasil, mas sem diretrizes claras, sejam elas regulatórias ou tributárias.

Além disso, importantes regras relacionadas ao jogo responsável, à prevenção à lavagem de dinheiro e à governança foram deixadas de lado, não alcançando os jogos online (habilidade e chance).

Como dissemos inicialmente, é mais uma incrível chance desperdiçada com uma indústria de potencial de crescimento absurdo. Essa postura vai justamente na contramão do maior propósito apontado pela Câmara dos Deputados até o momento, o de dar segurança ao consumidor final e a de canalizar para o País recursos de jogadores e apostadores que hoje vão diretamente para o exterior. A persistir tal postura do Legislativo, uma oportunidade única para o setor de jogos deve se perder, ficando o apostador e o jogador mais uma vez desamparados, e políticas sociais voltadas ao turismo, ao esporte e à saúde – que anseiam por novas fontes de recursos – novamente desamparadas.

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