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A inexplicável transação disciplinar de Anderson Daronco

No dia 11 de julho o Lei em Campo publicou a minha coluna com o título: “Hulk x Daronco: pelo bem da competição, fatos devem ser esclarecidos”. Naquela oportunidade eu destaquei que o relato do atleta do Atlético MG, Hulk, sobre o que o árbitro Anderson Daronco o disse era extremamente problemático. Peço a licença do leitor para reprisar as razões pelas quais a questão é tão sensível.

A fala é grave.

É grave se for verdadeira: significa dizer que um membro da arbitragem de uma das mais importantes competições do país ameaça atletas e se sente à vontade ao fazê-lo; que abusa da autoridade da qual que a equipe de arbitragem está investida. Significa dizer que todas as decisões tomadas pelo árbitro podem ser questionadas já que há a quebra da imparcialidade. Significa dizer que o resultado da partida foi manipulado; a manipulação de resultados é um problema capaz de levar a indústria do esporte à falência com a perda de credibilidade.

Significa dizer, finalmente, que a partida e o campeonato estão ameaçados.

É grave se for falsa: significa dizer que o atleta não confere respeito à autoridade do árbitro; que atribui falsamente ao árbitro a prática de uma infração grave, o ofendendo em sua honra.

Que o atleta, de forma intencional, ameaçou a partida e o campeonato.

De fato, ante a seriedade do episódio, o Atlético MG apresentou ao STJD uma notícia de infração. De acordo com notícia publicada no site do STJD, a notícia de infração relata os fatos ocorridos, destacando a forma “arbitrária, truculenta e com abuso de poder” pela qual Anderson Daronco coagiu o atleta Hulk[1]. Para o clube, o árbitro teria infringido os seguintes artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD):

  • Artigo 258, que pune aquele que assume qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada no código e pune o infrator com suspensão de 1 a 6 partidas;
  • Artigo 259, que pune o árbitro que deixa de observar as regras da modalidadecom pena de suspensão de 15 a 120 dias;
  • Artigo 273, que pune o árbitro que pratica atos com excesso ou abuso de autoridade e pune o infrator com a pena de suspensão de 15 a 180 dias, cumulada ou não com multa, de R$ 100,00 a R$ 1.000,00

Eis que no dia 24 de agosto[2], por meio de uma notícia publicada no site do STJD, os fatos foram esclarecidos, como eu pedi no título da minha coluna. E o que, afinal, foi esclarecido?

  1. Que o seguinte diálogo realmente ocorreu:

Anderson Daronco: Cuidado com o que você vai falar lá fora.

Hulk: Por quê?

Anderson Daronco: Porque não é o último jogo que eu vou apitar de vocês.

  1. Que a Procuradoria do STJD entendeu ser punível a ação do árbitro.

Antes de oferecer a denúncia, porém, a Procuradoria ouviu o árbitro.

Anderson Daronco afirmou que “jamais desejou desrespeitar ou ameaçar qualquer atleta” ao proferir as palavras do diálogo acima e que “ao dizer que não seria o último jogo dele a apitar, se referiu a expectativa do comportamento do atleta em jogos futuros, desejando um convívio harmonioso e respeitoso para tais jogos, porque Hulk é um craque do nosso futebol.”

As explicações do árbitro foram suficientes para que a Procuradoria não oferecesse uma denúncia, mas sim uma Transação Disciplinar, com base no artigo 80-A do CBJD.

Tratei sobre a transação disciplinar neste artigo, oportunidade na qual expus a minha incompreensão sobre a transação disciplinar em caso de infração discriminatória – dois meses depois da publicação desta coluna eu ainda não consegui compreender.Eis que estou diante de mais uma transação disciplinar inexplicável.

A transação disciplinar, reitero, foi concebida para abarcar infrações com menor potencial ofensivo. E, apesar do que Anderson Daronco quer nos fazer acreditar, não é o caso do diálogo com o atleta Hulk.

Quando o árbitro diz “cuidado com o que você vai falar lá fora” “porque não é o último jogo que eu vou apitar de vocês”, este age com excesso, abusando de sua autoridade. O árbitro sequer se preocupou com as dezenas de câmeras que seriam capazes de captar o diálogo, o que de fato aconteceu[3].

A fala é grave, é uma infração ética, que o tribunal deveria ter tratado com a seriedade que merecia, e não feito uso de um instrumento concebido para dar ao processo desportivo mais celeridade ao tratar de infrações com menor potencial ofensivo.

A postura autoritária da arbitragem, extrapolando o papel disciplinador a que lhe é conferido, causa prejuízos imensos à competição, que deve ser objeto de proteção dos tribunais desportivos.

Respeitosamente, entendo não ter sido neste caso.

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[1] https://www.stjd.org.br/noticias/daronco-pagara-cestas-basicas-e-emitira-nota-ao-atletico-mg

[2] https://www.stjd.org.br/noticias/daronco-pagara-cestas-basicas-e-emitira-nota-ao-atletico-mg

[3] https://twitter.com/Atletico/status/1547308078000967680

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