Por Higor Marcelo Maffei Bellini
O futebol está inserido no mundo, seja do ponto de vista político, econômico ou social, por esta razão sofre interferência direta, dos acontecimentos provenientes do mundo, em todas estas vertentes e variantes. Por este motivo o futebol também está sofrendo os efeitos da globalização, ou seja, está se tornando cada vez mais uma negócio, que nasceu local, com clubes que nasceram em cidades ou até mesmo bairros, e que ao longo dos dois últimos séculos, passaram em virtude de suas conquistas esportivas a ganhar representatividade regional, para depois ganharem representatividade nacional, passando para o nível continental, para agora também com a influência da cobertura da imprensa esportiva, aliada à internet que permitiu o surgimento das redes sociais, passarem a serem times com caraterísticas globais, com torcedores e parceiros espalhados por todos os cantos do planeta.
Nosso artigo focará nas relações trabalhistas entre atletas, membros de comissão técnica e clubes, de nacionalidades diferentes, nascida, em virtude do crescimento dos clubes de futebol, com estas características transnacionais, posto que a atualmente a globalização é uma consequência, direta, da expansão dos clubes, para além das fronteiras dos seus países, de origem, para passarem a atuar em seus continentes. Esta característica de participação em competições internacionais, acarreta, também, a uma necessária internacionalização da sua marca, desejada ou pelas agremiações, passando a serem conhecidos foras das fronteiras dos seus países, de origem, e por pessoas que não são necessariamente ligadas ao mundo do futebol.
Esta internacionalização das marcas dos clubes, para outros países, trazendo junto a atenção das pessoas, residentes em outros países, para as noticias relacionadas a um determinado clubes, o que por consequência acaba trazendo novos negócios, para aqueles clubes e seus patrocinadores e apoiadores, produzindo assim uma necessidade, para estes, de estarem presentes nas mídias esportivas, dos outros países, de modo a manter a sua marca, e de seus parceiros, em evidencia naqueles outros países.
Uma forma de fazer com que exista um interesse contínuo das mídias de outros países, e consequentemente da exposição das marcas, para um determinado time de futebol e seus apoiadores, é trazer jogadores daqueles países, de onde almejam a atenção da mídia, para compor os elencos.
Não queremos dizer que a invasão de jogadores estrangeiros, nos mais diversos campeonatos ao redor do globo terrestre, é uma simples ação de marketing e mídia dos clubes de futebol. Porque não é.
Outros fatores que levam a contratação de jogadores estrangeiros, para reforçarem os clubes ao redor do mundo, além da qualidade técnica do jogador, que algumas vezes, é um fator de menor relevância, no momento da contratação, é o valor a ser pago pela transferência dos jogadores de um país, para outro incluindo o pagamento dos valores de transferência e comissões dos intermediário, é o valor do próprio salário do jogador, que em razão das variações de cambio, entre os países, podem fazer com que um jogador estrangeiro seja mais barato, do que a contratação de um jogador nacional, de igual qualidade técnica.
Contudo a relação trabalhista existente entre um jogador de futebol, de uma determinada nação, e o clube contratante localizado em outro país, poderá ter problemas, como pode acontecer com qualquer relação trabalhista, independentemente do ramo de atividades. Um exemplo de problema que pode acontecer do não cumprimento das obrigações contratuais de uma das partes, é o pagamento de salários ou o pagamento em valor diverso do combinado originalmente, que seja o atleta, empregado quer seja o clube empregador, o que acontece pelas mais diversas razões, fazendo com que exista assim o descumprimento do que fora previamente e de forma escrita tinham acordado.
Se após o final do contrato descumprido ou cumprido parcialmente, o atleta ou membro da comissão técnica, continuar a atuar no país, em que se encontra localizado o clube, que descumpriu com a sua obrigação trabalhista contratual. Ou acontecendo até mesmo do profissional se aposentar, e por ter criados laços com este novo país, não mais retornando ao seu país de origem, o atleta poderá se desejar acionar o clube na justiça estatal daquele país, seja na justiça cível ou trabalhistas, a depender da organização judicial daquele determinado Estado, posto que ali continuará residindo e não terá problemas de logística e de linguagem para se socorrer do poder judiciário estatal.
Contudo, caso este atleta o que acaba acontecendo na grande maioria das vezes, deixa o país, após o termino do contrato de trabalho, para seguir a sua carreira jogando em outros países, ou retornando aposentado ou não para o seu país de origem, sem receber integralmente, o que lhe era devido em razão do contrato de trabalho esportivo o atleta pode se socorrer da estrutura interna criada e mantida pela FIFA, para conhecer, decidir e fazer cumprir as suas decisões relacionadas aos conflitos de natureza trabalhista entre atletas ou membros de comissão técnica e clubes, de nacionalidades diferentes.
Esta possibilidade do atleta acionar a FIFA, mais especificamente a Câmara de Resolução de Litígios (CRL) ou em inglês Dispute Resolution Chamber (DRC) vem do fato de existir dentro das entidades esportivas, o poder de fazer cumprir as suas próprias decisões, por meio de aplicações de sanções de caráter esportiva, tais como a perda de pontos, a proibição de contratação de novos jogadores, por determinado período de tempo, não necessitando assim da intervenção do poder estatal para fazer cumprir as determinações.
Há de ser considerado, ainda, que as entidades internacionais e nacionais do esporte, buscam cada vez mais, tirar as questões que envolvam as questões relacionadas ao esporte da análise dos poderes públicos locais, sendo inclusive vedado as pessoas ligadas ao esporte buscar a justiça estatal, em prejuízo da justiça esportiva.
Uma exceção desta vedação, de buscar diretamente o auxílio do Poder Judiciario Estatal, é a autorização expressa o artigo 22 do regulations on the Status and transfer of players, também chamado em português de estatuto e a transferência de jogadores, que assim estabelece: Without prejudice to the right of any player or club to seek redress before a civil court for employment-related disputes, FIFA is competent to hear: (em tradução nossa e livre: Sem prejuízo do direito de qualquer jogador ou clube de procurar reparação perante de tribunal civil para disputas trabalhistas, a FIFA é competente para ouvir:) ou seja o atleta ou clube, pode levar a questão trabalhista, diretamente, para analise, perante o poder judiciário.
Em virtude deste permissão vinda do regulamento máximo, já que nenhum outro regulamento de federações nacionais de futebol, pode ser contrário ao da FIFA é que se torna letra morta a tentativa de condicionar que as questões trabalhistas que envolvam jogadores e clubes de uma mesma nacionalidade, sejam decididas por câmaras arbitrais. Mas deste assunto trataremos em um próximo texto.
O atleta ou membro de comissão técnica prejudicado pelo clube, tem o prazo de até dois anos, após a ocorrência do fato, para buscar junto a Câmara de Resolução de Litígios (CRL) uma decisão que o beneficie e determine que o clube pague o que lhe deve.
A Câmara de Resolução de Litígios, que é composta de representantes de jogadores e clubes, analisará o processo a ela apresentada pelo atletas ou membros de comissão técnica, contra os clubes, em forma escrita, em uma das quatros línguas oficias da FIFA, que deve conter minimamente o nome dos envolvidos, os seus endereços e os endereços de email, expondo a causa de pedir, no caso em tela o descumprimento das obrigações trabalhistas do contrato, devendo ser juntada uma cópia do contrato de trabalho, para provar o descumprimento do contrato, dando aos clubes a oportunidades de prestarem os necessários esclarecimentos, respeitando assim o direito da parte contraria ao contraditório e a ampla defesa.
Uma questão interessante é que para analisar a questão trabalhista não existe a cobrança de taxas e custas para a Dispute Resolution Chamber (DRC) o que torna atrativo para o atleta se socorrer desta ferramenta, porque os valores a serem cobrados, dos clubes são relativamente baixos, e, se o atleta tivesse de fazer o recolhimento de taxas, poderia deixar de buscar receber o seu direito. Posto que a necessidade do pagamento de custas e taxas, sim, é uma forma de impedir o acesso à justiça.
A decisão da questão é comunicada diretamente as partes interessadas do processo, pelo envio de email, e as associações ou ligas nacionais, o que permite que seja dado cumprimento as decisões desta Câmara, posto que se a entidade esportiva, não efetuar o pagamento da condenação, caberá a entidade nacional fazer cumprir a decisão aplicando as sansões previstas, para o caso de descumprimento.
As decisões da Câmara de Resolução de Litígios podem sofrer revisão, se a parte vencida na disputar apresentar recurso junto ao TAS Tribunal Arbitral do Esporte, que reexaminará a questão podendo manter ou reformar a decisão.
Após o trânsito em julgado da decisão, caso o clube não efetue o pagamento, mesmo após o atleta já haver fornecido os dados bancários para o pagamento, tal fato deverá ser informado ao Comitê Disciplinar, para que sejam tomadas as medidas de imposição penalidades desportivas auxiliares, para que o clube devedor efetue a liquidação da divida com o jogador ou membro de comissão técnica.
Assim para concluir podemos sintetizar as razões pelas quais os conflitos trabalhistas envolvendo jogadores, membro de comissão técnica e clubes de futebol de países diferentes, devem ser resolvidos perante o órgão mantido pela FIFA:I) decisões preferidas com (uma relativa) rapidez, quando comparado com o sistema judicial brasileiro; II) os árbitros familiarizados com o objeto das ações, posto que são representantes dos clubes e dos jogadores; e III) imposição de sanções disciplinares pela FIFA no caso de descumprimento das decisões, que são o principal fator de coerção para que as decisões sejam cumpridas, posto que nenhum clubes deseja perder pontos, ou deixar de poder inscrever jogadores, porque contratar e não poder escrever jogadores equivale a não poder fazer a contratação, já que o atleta não poderá atuar.
Desta forma o atleta ou membro de comissão técnica que foi trabalhar em outro país, diferente daquele do qual tenha nacionalidade, no caso de não receber os valores que lhe são devidos, em razão do contrato de trabalho, não precisa se preocupar, em ter de permanecer no pais, para acionar o clube, posto que poderá regressar a seu país de origem ou seguir para outro e aciona o clube devedor junto a FIFA e assim receber o que lhe é devido.
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Obras consultadas:
https://www.fifa.com/who-we-are/legal/judicial-bodies/dispute-resolution-chamber/faq/
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Higor Marcelo Maffei Bellini é advogado, mestre em Gestão Integrada Saúde e Meio Ambiente do Trabalho, SENAC/SP; Master of Laws (LL.M.) em Direito Americano, Washington University of St. Louis; mestrando em Direito Esportivo PUC/ SP, especialista em Direito do Trabalho, Uni Fmu; especialista em Direito Ambiental Cogeae PUC/SP; especialista em Educação do Ensino Superior Cogeae PUC/SP. Presidente da Comissão de Direito Desportivo na OAB Butantã.