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A Justiça Desportiva não deve intervir no resultado da final da Supercopa

O último final de semana foi marcado pela realização da final da Supercopa, disputada entre Flamengo e Palmeiras. O gol decisivo da partida tem sido tópico de mesas redondas acaloradas. Este espaço não tem o objetivo de discutir, do ponto de vista técnico, se o gol foi válido ou não. Contudo, para fins de análise da questão jusdesportiva que aqui se coloca, partirei da hipótese de que o gol possa vir a ser entendido como um gol irregular.

Nesta situação, obviamente estaríamos diante de um erro da arbitragem e a discussão giraria em torno da possibilidade da intervenção do tribunal desportivo neste erro.

A intervenção do tribunal somente se justificaria no caso da final da Supercopa se houvesse um erro de direito. Este tipo de erro acontece quando a arbitragem aplica a regra do jogo de forma incorreta; caso o árbitro permitisse que uma das equipes disputasse a partida com 12 atletas em campo, por exemplo.

Mas caso o gol fosse considerado irregular, ainda assim a intervenção do tribunal não seria correta. É que neste caso, estaríamos diante do erro de fato, que acontece quando a arbitragem erra na identificação do que de fato aconteceu e baseia sua decisão nesta identificação incorreta. Não há erro na aplicação da regra, mas na interpretação dos fatos.

Para além disso, há ainda uma reflexão importante sobre a intervenção do tribunal nas decisões da arbitragem, A regra número 5 do futebol, que se refere à arbitragem, prevê que “as decisões do árbitro sobre os fatos relacionados com o jogo, incluindo se um gol deve ser ou não confirmado e sobre o resultado do jogo, são finais. As decisões do árbitro e dos demais oficiais de arbitragem devem ser respeitadas”.

O Código Disciplinar da FIFA, na mesma esteira, prevê que “as decisões tomadas pelo árbitro no campo de jogo são finais e não podem ser analisadas pelos órgãos judiciais da FIFA.”.

Seguindo a lógica, prevê o artigo 58-B do Código Brasileiro de Justiça Desportiva que: “as decisões disciplinares tomadas pela equipe de arbitragem durante a disputa de partidas, provas ou equivalentes são definitivas, não sendo passíveis de modificação pelos órgãos judicantes da Justiça Desportiva”.

A Regra 5 do futebol, o Código Disciplinar da FIFA e o CBJD trazem, portanto, como regra, a imutabilidade das decisões tomadas pela a arbitragem. Mudar a decisão da arbitragem é, assim, uma exceção à regra. Tal exceção é prevista no ordenamento jurídico desportivo. O Código Disciplinar da FIFA entende como exceção à regra da imutabilidade das decisões da arbitragem casos em que “a decisão do árbitro envolve um erro óbvio (como confundindo a identidade da pessoa penalizada)”.

Já o CBJD, excetua a regra no parágrafo único do artigo 58-B nos seguintes termos: “em caso de infrações graves que têm escapado à atenção da equipe de arbitragem, ou em caso de notório equívoco na aplicação das decisões disciplinares, os órgãos judicantes, excepcionalmente, apenar infrações ocorridas na disputa de partidas, provas ou equivalentes.”

Observamos, portanto, que as expressões utilizadas pelo ordenamento jurídico (“erro óbvio”, “infrações greves que escaparam à atenção da arbitragem” e notório equívoco”) deixam claro que se tratam de situações excepcionais e que a intervenção dos órgãos disciplinares deve ser mínima. É positivo ao esporte em si que assim seja; o árbitro deve estar imbuído de uma autoridade que não deve ser suscetível à mitigação constante e desnecessária.

Natural que assim seja. A justiça desportiva existe para, entre outros, garantir a continuidade do esporte formal e da competição esportiva; uma leitura sistemática do código não nos permite esquecer deste fato. Inicia já na listagem dos princípios a serem observados na interpretação e aplicação das normas ali contidas, no artigo 2º. Os incisos XVII e XVIII referem-se, respectivamente, ao pro competitione (prevalência, continuidade e estabilidade das competições esportivas) e ao fair play.

O Professor Dr. Álvaro Melo Filho, em um de seus comentários sobre o pro competitione, afirma que o princípio “assenta-se na máxima de que o espetáculo desportivo não deve parar, vale dizer, exige que a competição se desenvolva normalmente tanto quanto seja possível e que as decisões disciplinares a afetem o menos possível[1]” (grifo nosso).

Para o bem da competição em si, portanto, os tribunais desportivos devem procurar evitar a interferência nas decisões tomadas pelo árbitro, fazendo com que tal ação seja, de fato, uma exceção à regra.

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[1] FILHO, Álvaro Melo. Derecho Deportivo en Linea.  https://pt.scribd.com/doc/81290163/Derecho-Deportivo-em-Linea Acesso em 08.08.2020.

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