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A “lei do nocaute” brasileira

Foi aprovada em 10.05.2023, pela Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3.559/2020, PL que ora batizo de “Lei do Nocaute”.

Na prática, o PL altera a Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé) para incluir medidas cautelares para preservar a saúde do atleta profissional de luta, senão, vejamos:

PROJETO DE LEI Nº 3559 de 2020.

Altera a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, que institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências, para incluir medidas cautelares para preservar a saúde do atleta profissional de luta.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º – O Artigo 2º da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 2º……………………………………………………………….. …………..

§ 1º A exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica sujeitando-se, especificamente, à observância dos princípios:

I – da transparência financeira e administrativa;

II – da moralidade na gestão desportiva;

III – da responsabilidade social de seus dirigentes;

IV – do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional; e

V – da participação na organização desportiva do país.

§ 2º Nas competições profissionais de luta, o atleta que sofreu nocaute no último combate profissional, realizado no Brasil ou no exterior, deverá apresentar à entidade ou pessoa responsável pela organização do espetáculo desportivo, como condição para participar de nova disputa, parecer médico baseado em exames clínicos e de imagem que atestem sua integridade física e mental.

§ 3º O poder público do local em que será realizado o combate profissional poderá aplicar multa, no valor equivalente a um terço da renda auferida com o evento desportivo quando não for observado o disposto no parágrafo anterior.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Conforme vimos, o PL traz a exigência de apresentação de parecer médico, exames clínicos e de imagem que atestem a integridade física e mental dos atletas a eles submetidos, sendo então obrigatória a realização desses exames ao atleta que tenha sofrido nocaute na última luta profissional, seja no Brasil ou no exterior.

Ainda de acordo com o PL, o parecer médico deverá ser apresentado à entidade ou ao responsável pela organização do evento desportivo, sendo condição irrefutável para participação em nova disputa profissional.

O projeto de lei estabelece autorização ao poder público do local de realização do combate a instituir multa equivalente a um terço do valor da arrecadação auferida ao evento, que deverá ser cobrada da entidade ou pessoa autorizada a realizar o evento desportivo entre atletas que não apresentaram o referido parecer médico.

O PL foi aprovado com substitutivo para que seja inserido no Art. 82-A da Lei Pelé, pois este último é o artigo da corrente Lei Geral do Esporte que trata dos exames em relação à saúde dos atletas, in verbis:

Lei nº 9.615 de 24 de Março de 1998

Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências.

Art. 82-A. As entidades de prática desportiva de participação ou de rendimento, profissional ou não profissional, promoverão obrigatoriamente exames periódicos para avaliar a saúde dos atletas, nos termos da regulamentação. (Incluído pela Lei nº 12.346, de 2010) (Vigência)

Tal proposta é bastante interessante quanto aos benefícios para a saúde dos lutadores, porém há pontos que precisam ser destacados:

A lei que o PL busca alterar, a Lei Pelé, já está em “fim de carreira”, estando prestes a ser substituída. Na próxima comissão, já se deve direcioná-la para o texto legal da nova Lei Geral do Esporte (PL 1825/2022), mais precisamente para o artigo 83, que regula a questão dos exames, nestes termos:

Art. 83. São deveres da organização esportiva direcionada à prática esportiva profissional, em especial:

I – registrar o atleta profissional na organização esportiva que regula a respectiva modalidade para fins de vínculo esportivo;

II – proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições esportivas, nos treinos e em outras atividades preparatórias ou instrumentais;

III – submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática esportiva;

IV – proporcionar condições de trabalho dignas aos demais profissionais esportivos que componham seus quadros ou que a ela prestem serviços, incluídos os treinadores e, quando pertinente, os árbitros;

V – promover obrigatoriamente exames periódicos para avaliar a saúde dos atletas, nos termos da regulamentação;

VI – contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos aos quais os atletas e os treinadores estão sujeitos, inclusive a organização esportiva que o convoque para seleção;

VII – assegurar que a importância segurada garanta ao atleta profissional ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro o direito a indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada.

§ 1º A organização esportiva contratante é responsável pelas despesas médico-hospitalares, fisioterapêuticas e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta ou do treinador enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização a que se refere este artigo, independentemente do pagamento de salário.

§ 2º As despesas com seguro a que se refere o inciso VI do caput deste artigo serão custeadas, conforme a hipótese, com recursos oriundos da exploração de loteria destinados ao COB e ao CPB.

§ 3º A CBDE e a CBDU, quando convocarem atletas para seleção, são obrigadas a contratar o seguro a que se refere o inciso VI do caput deste artigo, e podem utilizar-se, para o custeamento das despesas, de recursos oriundos da exploração de loteria que lhes são destinados.

§ 4º É vedada a participação em competições desportivas profissionais de atletas não profissionais com idade superior a 21 (vinte e um) anos de idade.

Outrossim, é imperativo que se destaque que a lei não aponta quais os exames necessários para que se afiram as condições reais do atleta.

Destarte, a abrangência legal tanto pode ser benéfica (quando prevê uma gama maior de exames), como também invalidar todo o texto legal, uma vez que não se saberia qual a exigência a ser cumprida para definir o status do atleta, pois os exames de saúde são diversos nesse sentido.

 Portanto, sem apontamento formal de qual exame seria adequado, não se saberia então se não está se desenvolvendo em relação a algum atleta um quadro clínico adverso, a exemplo da C.T.E, sigla para Chronic Traumatic Encephalopathy, ou, como é conhecida em português, a Encefalopatia Traumática Crônica.

A C.T.E é uma doença cerebral degenerativa, presente principalmente em pessoas que sofrem lesões constantes na cabeça. Tradicionalmente, está mais associada a lutadores de artes marciais e de boxe. Essas lesões (que podem ser até mesmo microscópicas) levam a calcificações no cérebro, acúmulo de proteínas e a consequente diminuição da massa cerebral.

Em janeiro de 2023, o ex-lutador do UFC, Phil Baroni, foi preso em San Pancho, México, acusado de assassinar sua namorada. Baroni foi preso na cidade de San Pancho em 1/1/2023 por conta de um suposto envolvimento na morte da namorada. Ao falar com os policiais, o ex-Ultimate afirmou que o caso seria fruto de um ‘acidente’ ocorrido numa discussão entre ambos.

O ex-campeão do UFC, Josh Barnett, se manifestou à época alegando o seguinte:

 “A notícia sobre Phil Baroni é terrível e incrivelmente trágica também. Conheço Phil há mais de duas décadas e, no primeiro show do JB Bloodsport, pude ver que sua personalidade e seu comportamento eram erráticos, deslocados e emocionalmente ele estava descontrolado e era óbvio o motivo: CTE”

Os efeitos colaterais da C.T.E. incluem agressividade, julgamento inadequado, falta de controle dos impulsos, paranoia, raiva e fúria. É preocupante o fato de que 99% dos cérebros de jogadores de futebol testados mostraram sinais de C.T.E.

Phillip Adams, ex-jogador da NFL que atirou fatalmente em seis pessoas antes de tirar a própria vida na Carolina do Sul, EUA, tinha C.T.E em estágio 2 “excepcionalmente grave”, disse um neuropatologista da Universidade de Boston.

A C.T.E. é um tema muito discutido em todos os esportes de combate no momento, uma doença cerebral difícil de detectar causada por traumas repetidos que podem causar rápida deterioração.

Se o PL ora em debate tivesse a previsão de que portarias reguladoras, expedidas por órgão competente, – a exemplo do próprio Ministério do Esporte – indicassem os exames necessários (que mudariam conforme o aperfeiçoamento dos exames médicos nesse sentido) para que de fato possa se definir com cumprida a obrigação frente à autoridades, o projeto de diploma legal estaria propondo uma mudança no cenário dos esportes de combate no país que poderia impactar positivamente não só o Brasil, mas também o resto do mundo.

Crédito imagem: UFC/Getty Images

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