A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou uma importante e inovadora mudança para o Campeonato Brasileiro da Série A de 2021: o limite para trocas de técnicos. Pela primeira vez na história, cada time só poderá ter dois treinadores ao longo da competição nacional. A medida também determina que os treinadores só poderão trabalhar por duas equipes diferentes.
Diante da novidade, o Lei em Campo ouviu especialistas sobre a legalidade dessa medida dentro da esfera do direito desportivo.
“Uma medida completamente ilegal, arbitrária e invasiva que tem reflexos em esferas cuja competência não é da entidade de administração do desporto. Que não venham aqui defender a alegação conveniente de autonomia do art. 217 da CF/88, pois ela não é absoluta e no cenário futebolístico brasileiro sempre foi usada de forma conveniente. Essa nova medida vai inclusive permitir que clubes forcem os técnicos a pedirem demissão, pois nesses casos não é contabilizada a troca. Haverá uma pressão absurda, podem acreditar. E essa pressão pode culminar com o combatido assédio moral na relação de trabalho”, avalia Theotonio Chermont, advogado especialista em direito desportivo.
Para o advogado Euller Barbosa, é preciso ver “como será editado o texto que regulamenta essa troca de treinadores”.
“Não obstante, ainda que de maneira superficial, a análise passa, necessariamente, pelo princípio constitucional da autonomia desportiva. Contudo, referido princípio não é absoluto. As normas oriundas do modelo associativo adotado pelas entidades de administração do desporto não devem colidir com aquelas de ordem pública, responsáveis, por exemplo, pela relação de trabalho existente entre clube e treinador. A limitação pretendida pode afetar o poder diretivo do clube enquanto empregador, ficando este impossibilitado de exercer o seu direito de rescindir a relação jurídica, por justo motivo ou não”, afirma o especialista.
“Não vejo violação à liberdade de trabalho do ART. 5, XIII, da CF/88, na medida em que o art. 6, parágrafo único, da Lei n. 8.650/93 determina o registro na Federação dos contratos dos treinadores (técnicos) no prazo improrrogável de 10 dias, após a celebração do contrato com o clube. Sendo assim, tal como ocorre com os atletas profissionais, há uma regulamentação específica de abertura para tal medida, desde que não seja desproporcional, podendo ser na mesma base de como ocorre com os atletas. Isso é possível, porque o próprio artigo citado, diz que há liberdade de trabalho de acordo com possíveis regulamentações da lei (norma de eficácia contida – que permite certas restrições de acordo com as especialidades de cada tipo de trabalho). Os clubes não ficam vedados a contratar técnicos, apenas eles não podem ser inscritos pelo clube ou atuar nas partidas”, compara Rafael Ramos, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
O principal objetivo da CBF com a medida é de proteger e dar aos técnicos o mesmo tratamento que os jogadores, que também têm limite para troca de time durante um mesmo torneio. A entidade acredita que está protegida de futuras reclamações trabalhistas.
Em casos que um clube demitir o treinador pela segunda vez, ele só poderá efetivar no cargo um outro profissional que já tenha vínculo com a instituição esportiva de no mínimo seis meses. Esses podem ser técnicos das categorias de base ou algum auxiliar fixo.
“O próprio sistema da CBF poderá recusar o registro desses novos contratos, e o próprio regulamento pode também prever penalidades de multa pelo descumprimento”, avalia Rafael Ramos.
Para Theotonio Chermont, a limitação de contratação de treinadores na competição causará um “retrocesso social”, além de “engessar os clubes” por meio do regulamento.
“Podem ocorrer diversas situações em que o clube tenha que tomar medidas contra seu empregado para o bem da própria coletividade, mas ficará engessado pelo regulamento, podendo sofrer diversos prejuízos, inclusive desportivos. Sem contar que haverá manifesta inconstitucionalidade ao restringir o livre exercício da profissão nos casos em que o técnico ficar impedido de laborar para outras equipes. Me parece um caso típico de retrocesso social, pois a partir do momento em que a Constituição consagra a existência de direitos dos trabalhadores que melhorem sua condição social, veda que ocorra uma piora nestes mesmos direitos. E aí indagamos: cabe um regulamento privado limitar a liberdade dessa categoria de negociar, contratar e exercer sua profissão em conflito com as normas da CF/88? A profissão de técnico de futebol é regida por lei própria – Lei 8.650/93 – que não prevê esse tipo de restrição”, questiona o advogado.
É importante destacar que essa proposta foi apresentada aos 20 clubes que disputam a Série A do Brasileirão pelo presidente da CBF, Rogério Caboclo. Em outros anos, a entidade já havia tentando colocar em prática a ideia, mas nunca conseguiu o aval das equipes. Para a competição de 2021, a votação foi apertada, e terminou aprovada por 11 a 9.
A reunião virtual que selou a implementação da medida contou com a presença do presidente da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol, Zé Mário, que elogiou a proposta da CBF e a decisão dos clubes.
O Brasileirão 2021 será disputado de 29 de maio a 5 de dezembro.
Crédito imagem: Getty Images
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