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A lesão

“Quando o Espanhol passou a caminho da enfermaria, nos braços de Fausto, muita gente virou o rosto pra não ver a perna dele balançando.” O que se conta é que, quando quebrou o osso, deu pra ouvir lá da geral. O goleiro, de tanta vontade de evitar o gol contra o Vasco, que empatava em 3 a 3, pensou que o corpo não tinha limite. E tinha. Não ia voltar a jogar tão cedo. Na verdade, todo mundo já sabia: não ia era voltar. O futebol tem dessas coisas. Desde cedo, o jogador precisa lidar com o acaso de, no meio do caminho, não ter mais caminho nenhum. Em um segundo, ir da glória à ruína.

No caso do Espanhol, ele até achou que era temporário. No começo, o São Januário (que também era enfermaria) se encheu de gente pra ver que rumo ele tinha levado. Chegou a fazer fila por causa da perna engessada. O problema é que, passado o tempo, o interesse diminuiu, até que não se falou mais disso. E, porque ele não jogava, também não se falou mais dele. Virou uma memória, dessas que a gente não lembra o quanto existiu e o quanto inventou. Na semana seguinte, o Vasco já jogava de novo, e tinha que colocar outro no lugar. “Pobre Espanhol”, falavam. Mas de que adiantava lamentar? Para o torcedor, longe dos olhos significa longe do coração. E o futebol tem dessas coisas.

Muita gente vai dizer que é o risco da profissão. Vai dizer também que é por isso que tem que guardar o dinheiro (quem tem). Vai que quebra? Quando para, ninguém sabe. Mas que, depois dos trinta é pra pouca gente, tá, isso todo mundo sabe. Quando as outras profissões humanas chegam ao melhor momento, o atleta que ainda não se aposentou, pode apostar que vai. O consumo meteórico das articulações torna o destino inevitável.

Não à toa, andaram pesquisando o assunto, e descobriram algumas coisas. Diferente do que muita gente pensa, por exemplo, descobriram que é mais rara a lesão trombada. Aquela que vem da cabeça com a cabeça, e da canela com a canela (ou, o que é pior, do pé com a canela).
Quem entende explica que, mais provável, pro atleta, é que o azar lhe estoure um músculo ou um ligamento. Lesão que vem porque treina e joga e treina e joga e viaja e treina e joga. Pra melhorar, tinha que mexer no calendário, e no treino. Dar tempo pra recuperar, e economizar no analgésico. Coisa difícil de articular.

Dizem mais. Dizem que quem começa desde cedo, se não tomar cuidado, machuca cedo também. Teve um mesmo que, há pouco tempo, não chegou nem nos vinte. Lesionou na Copa que era Sub-20. Falaram muito disso na segunda-feira. Um pouco menos no dia seguinte. Hoje acho que todo mundo já esqueceu. Daqui a pouco, ninguém nem sabe se aconteceu.

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Referências
AMADO, João Leal. Vinculação versus liberdade: o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2002.
FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro. Mauad, 2003
MCCALL, Allan; DUPONT, Gregory; EKSTRAND, Jan. Internal workload and non-contact injury: a one season study of five teams from the UEFA Elite Club Injury Study. British Journal of Sports Medicine, published online first: 6 April 2018.

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