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A Liga como mola propulsora para o desenvolvimento do futebol nacional

Por Fernando Silvestre Filho

Para aqueles mais familiarizados com os bastidores do nosso futebol, a discussão do momento é referente à possível formação de uma liga nacional. Mas, afinal, o que seria uma liga nacional e será que a sua constituição é assim tão importante para o futuro do futebol brasileiro?

Pode ser que os mais desavisados pensem que já temos uma liga nacional, afinal, todo fim de semana tem Brasileirão. No entanto, há uma grande diferença entre o modelo de liga (tomado há muitos anos pelos principais países europeus) e o que temos atualmente no Brasil.

O Campeonato Brasileiro é uma competição organizada pela CBF, com todos os clubes disputantes subordinadamente vinculados a ela. É a CBF quem decide os horários da partida, a tabela, quem corre atrás dos patrocínios, enfim, é ela quem detém a posse do produto e quem fica com boa parte do faturamento obtido através da exploração comercial do campeonato.

Já em Ligas, a situação é a inversa. Os clubes começam a se empoderar, pois são eles os donos do produto e, quem atraem para si, sem qualquer tipo de hierarquia, a organização da competição, a captação de patrocínios, etc, de modo que todas as receitas comerciais são divididas entre os verdadeiros donos do negócio, sem a intervenção de terceiros.

O principal case de sucesso de ligas no mundo é a Premier League, podendo a sua história servir de parâmetro para o futebol brasileiro. Voltemos três décadas no tempo: o futebol inglês passava por uma enorme crise, no auge do hooliganismo e banidos do futebol europeu após a tragédia de Heysel, além do desastre de Hillsborough.

Nesse período, os clubes decidiram se unir e romper com a “EFL” para organizarem eles próprios a tão famosa Premier League. Ora, o resultado fala por si só. Além da imensa melhoria de qualidade técnica vista nos gramados ingleses, o faturamento é algo impressionante, tendo o lanterna da competição de 2022 faturado mais de 100 milhões de libras[1] apenas com receitas televisivas (50 milhões a menos que o líder nesse quesito).

No Brasil, vivemos uma situação de liga nacional no polêmico campeonato de 1987, quando a CBF, em dificuldades financeiras, concedeu ao chamado Clube dos 13 a prerrogativa de organizar a competição nacional daquele ano. De maneira pioneira, os clubes se uniram, organizaram a Copa União e foram bastante inovadores para os padrões da época quando negociaram um patrocínio coletivo com a Coca-Cola, além dos direitos de transmissão com a Rede Globo.

Ocorre que, prontamente, a CBF “cresceu os olhos”, criou o módulo amarelo e desfez toda a iniciativa de Liga, retomando para si a organização do Campeonato, que ocorre até os dias atuais. Imaginem só o quanto nosso futebol seria mais evoluído caso tivéssemos iniciado 05 anos antes da Inglaterra uma Liga nacional?!

Do ponto de vista jurídico, é plenamente possível a criação de Ligas, sendo expressamente autorizado pela Lei Pelé[2], a qual também veda a entidade de administração do desporto (nesse caso, a CBF) de intervir nas ligas independentes. Vale ressaltar que temos Ligas em funcionamento no Brasil, como a Liga do Nordeste e a Liga Nacional de Basquete, que é um sucesso na organização do NBB.

E qual seria a atuação da CBF após a instituição de uma liga independente? A mesma que ocorre com as principais federações mundiais: organizar a Copa do Brasil, campeonatos de divisões inferiores e especialmente o desenvolvimento da Seleção Brasileira.

Passando para o cerne deste artigo, os clubes brasileiros tomaram a decisão de organizar uma Liga a partir de 2025, data na qual os contratos televisivos com a TV Globo irão expirar. Ocorre que há ideias divergentes no tocante à organização estatutária da liga e o modelo de distribuição dos direitos televisivos, de modo que está sendo formado duas ligas paralelas, a saber: Libra e Liga Forte Futebol. Em uma análise simplória do tema, podemos falar que o primeiro grupo contém os principais clubes do país, buscando uma divisão televisiva menos igualitária e que conservem algum dos atuais “privilégios”, enquanto o segundo busca uma divisão menos injusta, chegando a uma diferença máxima de 3,5x entre o líder e o lanterna (ainda longe da 1,5x do modelo inglês).

Para que se tenha uma ideia, apenas com o pay per view, o Flamengo arrecadou R$163 milhões em 2022, enquanto que o Cuiabá, R$146,7 mil[3]. Sim, você não leu errado, é milhões x mil, diferença de 1.115 vezes.

É entendível que os clubes da Libra, especialmente o Flamengo, busquem uma distribuição da receita televisiva que não altere muito a atual situação – como a proposta de um período de 5 anos de transição, por exemplo. No entanto, não é o momento de olhar a curto prazo e para o próprio umbigo, mas sim de buscar a criação de uma Liga unânime, pautada nos seguintes pilares: (i) um modelo justo de distribuição de receitas que aproxime a competitividade entre as equipes do topo e de baixo da tabela; (ii) Uma política rigorosa de Fair Play Financeiro; e (iii) que exija um alto nível de compliance e governança corporativa a seus membros.

E engana-se quem pensa que os membros da Libra estariam “abrindo mão” de algo ou fazendo um “gesto de caridade” às outras equipes. Muito pelo contrário, serão os gigantes quem serão os maiores beneficiados a longo prazo, posto que haverá uma valorização imensa do futebol nacional enquanto produto, o que acarretará uma consequente valorização na marca, no valuation das SAFs, na cota de televisão tanto nacional quanto internacional, enfim, o espetáculo como todo sairá ganhando, sendo a constituição da Liga uma mola propulsora para o desenvolvimento do futebol nacional.

Vale ressaltar que, atualmente, o Campeonato Brasileiro é, em média, o 8ª campeonato nacional mais valorizado do mundo. É inadmissível que a principal liga de um país, com a tradição futebolística e a população (mercado consumidor) como a do Brasil, esteja atrás de países com uma população tão pequena como a Holanda e Portugal. No entanto, não é de causar surpresa ante a visão egoísta e desorganizada que norteia a conformação do nosso futebol.

Desse modo, é fundamental que os clubes nacionais parem de olhar apenas para si mesmos e passem a ter uma visão mais coletiva, no intuito de engrandecer o bolo e não de ficar com a maior fatia de uma “tortinha”. A constituição de uma liga pautada nos três pilares citados acima é essencial para aumentar a competitividade nacional frente aos países europeus, para encurtar uma distância que hoje é imensa[4].

Crédito imagem: CBF

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Fernando Silvestre Filho é sócio da EDL Advocacia, graduado pela UFPE e pós-graduado em Direito Societário pelo Insper, é especialista atuante nas áreas de Esporte&Entretenimento e empresarial.

[1]https://www.lance.com.br/lancebiz/lanterna-da-premier-league-faturou-mais-de-100-milhoes-de-libras-com-tv-veja-os-valores-de-cada-clube.html

[2] Art. 20. As entidades de prática desportiva participantes de competições do Sistema Nacional do Desporto poderão organizar ligas regionais ou nacionais.

Art. 5o É vedada qualquer intervenção das entidades de administração do desporto nas ligas que se mantiverem independentes.

[3]https://www.uol.com.br/esporte/colunas/allan-simon/2023/02/27/ppv-brasileirao-2022-dinheiro-arrecadacao-clubes.htm

[4] Atualmente a Ligue 1 possui 2,5x maior valor de mercado que a Brasileira, e a Bundesliga 3x .

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