Por Alice Laurindo
No último domingo, dia 16 de maio, ocorreu a final da Liga dos Campeões de Futebol Feminino – Edição 2020-21, organizada pela UEFA. A partida, que foi disputada entre o Chelsea e o Barcelona, prometia a emoção de um campeão inédito no torneio, tendo o time espanhol levado a taça para casa[i]. Sucede, porém, que os contornos e os detalhes do referido campeonato ainda são pouco conhecidos no Brasil, sendo certo que costumamos acompanhá-lo, tão somente, nas últimas etapas. Sendo assim, mostra-se relevante analisar algumas de suas particularidades, que podem trazer considerações e aprendizados interessantes às competições disputadas pelos clubes brasileiros.
A Liga dos Campeões de Futebol Feminino, que acabou de encerrar sua vigésima edição[ii], remonta à temporada de 2001/02, tendo sido chamada inicialmente de Taça Uefa Feminina. À época, o torneio foi disputado por trinta e três agremiações, ao longo de nove meses, tendo se sagrado campeã a equipe sueca Umeå IK. O formato da competição foi significativamente reformulado a partir da temporada 2009/10, havendo a alteração de seu nome para a denominação atual. Ademais, as associações nacionais mais bem classificadas no ranking europeu passaram a contar com duas vagas, aumentando, pois, o número de participantes.
A edição ora finalizada, à semelhança da anterior, contou com a participação de 62 agremiações, oriundas de 55 associações nacionais membras da UEFA. Com efeito, foram concedidas às referidas entidades de administração do desporto uma ou duas vagas, a depender de sua posição no Women’s Association Club Coefficients. O referido ranking, iniciado na temporada 2002/03, ordena as associações nacionais com base nos resultados na competição europeia ora em análise ao longo dos cinco últimos anos[iii].
Convém apontar, ainda que a referida edição da competição iniciou em novembro de 2020, durando, portanto, cerca de sete meses. Ao longo do referido período, houve duas etapas pré-qualificatórias, disputadas, respectivamente, por quarenta e por vinte clubes; além da fase de mata-mata, disputada por trinta e duas agremiações (vinte e duas com acesso direto à essa etapa e as dez vencedoras da fase pré-qualificatória).
De acordo com as provisões financeiras do regulamento da competição[iv], o prêmio para o campeão e para o vice-campeão foi, respectivamente, de 150 mil euros e de 100 mil euros. Além disso, foram concedidos, ao longo do campeonato, valores significativos a todas as equipes participantes. Na fase pré-qualificatória, destinou-se 20 mil euros por jogo às equipes mandantes e 45 mil euros por jogo às equipes visitantes. Já para a fase de mata-mata, foram pagas as seguintes quantias: i) 70 mil euros para os participantes da etapa inicial, ii) 75 mil euros para os participantes das oitavas-de-final, iii) 80 mil euros para os participantes das quartas-de-final e iv) 85 mil euros para os participantes da semi-final.
Ademais, muito embora o já mencionado regulamento estipulasse ser a UEFA a proprietária exclusiva dos direitos comerciais da competição, autorizou-se, salvo para a final, a exploração de tais direitos por clubes e por associações nacionais. Convém ressaltar, nesse contexto, que foram patrocinadores oficiais da vigésima edição da Liga dos Campeões de futebol feminino empresas como a Visa, como já explorado anteriormente[v], a Lays, a Hublot e a Nike.
Importante mencionar, ainda, que a edição ora em análise foi a primeira em que se aplicaram as condições de licenciamento[vi] estabelecidas no Club Licensing Manual for Participation in the UEFA Women’s Champions League. O referido documento, elaborado em 2019, contém regras específicas à modalidade, destacando-se provisões como a que determina aos clubes a celebração de contratos por escrito com todas as jogadoras do elenco e a prova do adimplemento das obrigações financeiras assumidas perante seus empregados.
Dessa forma, constata-se que a UEFA vem demonstrando, há um tempo, preocupação com o avanço do esporte de mulheres. Inclusive, é interessante notar que, mesmo antes da delimitação das condições de licenciamento referentes à Liga dos Campeões de futebol feminino, foram divulgados dados da modalidade através do UEFA Club Licensing Report de 2019[vii].
À época, reportou-se que 52 associações-membro contavam com competições nacionais femininas, disputadas, em média, por nove clubes. Dentre tais torneios, apenas um possuía status profissional, sendo vinte e quatro considerados semi-profissionais e os restantes amadores. Destaque-se que a inclusão de tais dados no UEFA Club Licensing Report revela não só uma preocupação com a modalidade como, ainda, a constatação da importância do fortalecimento das competições nacionais.
É possível perceber, portanto, que a Liga dos Campeões de futebol feminino já se encontrava relativamente estruturada, tendo sido objeto de aprimoramentos ao longo dos últimos anos. No entanto, a UEFA divulgou, no final de 2019, que a competição passará a contar com um novo formato a partir da temporada 2021/22[viii], havendo a expectativa de fortalecimento ainda mais significativo.
Com efeito, as alterações divulgadas visam a aprimorar a referida competição, buscando duplicar seu alcance e seu valor da competição. A medida, aponte-se, faz parte dos projetos estabelecidos pela UEFA através do UEFA Together for the Future of Football[ix], documento que contém como um dos pilares principais o desenvolvimento do futebol feminino, e do UEFA Time for Action, documento que fixou, pela primeira vez, estratégias da entidade europeia de administração do desporto, a serem alcançadas ao longo de cinco anos, para fortalecimento da modalidade[x].
Dessa forma, a partir da 21ª Edição, a Liga dos Campeões de Futebol Feminino, em substituição às oitavas de final, contará com fase de grupos, o que deverá aumentar o número de jogos em vinte por cento. Ademais, haverá a ampliação dos clubes participantes para 72, de modo que serão concedidas três vagas às seis associações nacionais com melhor colocação no Women’s Association Club Coefficients, duas vagas às próximas dez associações nacionais no ranking e uma vaga às demais.
Ao longo da competição, programada para ocorrer entre 21 de junho de 2021 e 22 de maio de 2022, os clubes serão divididos entre o caminho dos campeões, composto pelos clubes campeões nacionais e pelo então campeão da competição europeia, e o caminho das ligas, composto pelas demais agremiações participantes. Saliente-se que os direitos de marketing passarão a ser centralizados pela UEFA já na supramencionada fase de grupos.
Não obstante, também foram realizadas alterações acerca das disposições financeiras da competição[xi]. O referido tema já havia sido objeto de reformulações em 2019, sobretudo através do aproveitamento de parte da receita da Liga dos Campeões masculina, de modo que já eram destinados aos clubes participantes prêmios expressivos para o contexto da modalidade.
De forma bastante interessante, porém, a partir da próxima edição serão realizados “pagamentos solidários” aos clubes não participantes do torneio europeu que estejam bem colocados nas competições nacionais das associações-membro da UEFA. Estima-se, então, que cerca de um quarto do dinheiro que será redistribuído ao longo da Liga dos Campeões de Futebol Feminino será destinado a agremiações não participantes, que deverão investi-lo no desenvolvimento da modalidade. Evidente, portanto, o comprometimento com o fortalecimento do esporte de mulheres.
É certo que toda competição de futebol, feminina ou masculina, deve ser analisada de acordo com o contexto econômico-cultural da entidade de administração organizadora e dos clubes participantes, sobre pena de realizar comparações injustas e deslocadas da realidade. Apesar disso, deve-se admitir que a Liga dos Campeões de Futebol Feminino pode trazer reflexões e aprendizados interessantes para as competições disputadas por clubes brasileiros.
Destaca-se, nesse contexto, a importância do planejamento a médio-prazo de competições de futebol feminino, reconhecendo-se seu potencial e garantindo-se a competitividade através de fatores como o investimento financeiro e o número de participantes. Significativo apontar, ainda, a necessidade da fixação de calendário razoável, devendo-se evitar situações de campeonatos realizados em tempo excessivamente exíguo, como é o caso da Libertadores Feminina, que ocorre ao longo de menos de um mês[xii].
Interessante destacar, também, a utilização de critérios de classificação oriundos da própria modalidade, como ocorre, na Liga dos Campeões de Futebol Feminino, através do Women’s Association Club Coefficients. Afinal, ao valorizar o desempenho das associações nacionais na própria competição, além de fortalecer o referido torneio, contribui-se para o desenvolvimento dissociado do futebol masculino, uma vez que são privilegiados os projetos voltados à modalidade. Por fim, é necessário reconhecer a relevância das competições nacionais, fenômeno para o qual os torneios continentais podem contribuir.
Assim, enquanto assistimos as merecidas comemorações do Barcelona, que se sagrou campeão da Liga dos Campeões de futebol feminino pela primeira vez, convém nos atentarmos para as minúcias da competição, que será significativamente alterada para a próxima edição. Afinal, as conquistas do referido torneio podem trazer importantes discussões para o avanço da modalidade, não só em solo europeu.
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Alice Maria Salvatore Barbin Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados. É conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e membra da IB|A Académie du Sport.
[i] GLOBO ESPORTE. Barcelona goleia Chelsea e conquista Liga dos Campeões feminina. 16 de maio de 2021. Disponível em < https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/liga-dos-campeoes/noticia/barcelona-goleia-chelsea-e-conquista-liga-dos-campeoes-feminina.ghtml >. Acesso em 17 de maio de 2021.
[ii] Já se sagraram campeãs na referida competição as seguintes agremiações: Lyon (7 vezes), Frankfurt (4 vezes), Umeå IK (2 vezes), Wolfsburg (2 vezes), Turbine Potsdam (2 vezes), Arsenal (1 vez), Duisburg (1 vez) e, agora, Barcelona (1 vez).
[iii] UEFA. How the women’s association club coefficients are calculated. Disponível em < https://www.uefa.com/memberassociations/uefarankings/womenscountry/about/ >. Acessado em 16 de maio de 2021.
[iv] UEFA. Regulations of the UEFA Women’s Champions League – Season 2020/21. 24 de setembro de 2020. Disponível em < https://documents.uefa.com/r/UEFA-Women-s-Champions-League-2020/21-Online >. Acesso em 16 de maio de 2021.
[v] LAURINDO, Alice. A importância dos patrocínios para o desenvolvimento do futebol feminino. 12 de abril de 2021. Disponível em < https://leiemcampo.com.br/a-importancia-dos-patrocinios-para-o-desenvolvimento-do-futebol-feminino/ >. Acesso em 16 de maio de 2021.
[vi] Tema tratado anteriormente em LAURINDO, Alice; CHEVIS, Beatriz. A interface entre as condições de licenciamento e o futebol feminino. 16 de fevereiro de 2021. Disponível em < https://leiemcampo.com.br/a-interface-entre-as-condicoes-de-licenciamento-e-o-futebol-feminino/ >. Acesso em 16 de maio de 2021.
[vii] UEFA. UEFA CLUB LICENSING REPORT – 2019. Disponível em < https://indd.adobe.com/view/780b1e83-60c3-4bef-aace-4c8203398b39 >. Acesso em 16 de maio de 2021.
[viii] UEFA. Novo formato da Women’s Champions League com fase de grupos: como vai funcionar. 4 de dezembro de 2019. Disponível em <https://pt.uefa.com/womenschampionsleague/news/0258-0e2242b425ff-ba71288a4c9e-1000–novo-formato-a-partir-de-2021-22/>. Acesso em 16 de maio de 2021 .
[ix] UEFA. Together for the Future of Football – UEFA Strategy 2019/2024. Disponível em < https://www.uefa.com/MultimediaFiles/Download/uefaorg/General/02/59/06/32/2590632_DOWNLOAD.pdf >. Acesso em 16 de maio de 2021.
[x] UEFA. Time for Action: first ever UEFA women’s football strategy launched. 17 de maio de 2019. Disponível em < https://www.uefa.com/insideuefa/news/0251-0f8e6ba98884-3dd4ba899f93-1000–time-for-action-first-ever-uefa-women-s-football-strategy-launc/>. Acesso em 16 de maio de 2021.
[xi] UEFA. UEFA Women’s Champions League: Financial distribution model central to European game’s drive for substainability. 27 de abril de 2021. Disponível em < https://www.uefa.com/insideuefa/about-uefa/news/0268-1224105e2fa9-56cd49889447-1000–how-the-new-uwcl-financial-model-works/ >. Acesso em 16 de maio.
[xii] Conforme explorado em LAURINDO, Alice; CHEVIS, Beatriz. O ontem, o hoje e o amanhã da Libertadores feminina. 03 de março de 2021. Disponível em < https://leiemcampo.com.br/o-ontem-o-hoje-e-o-amanha-da-libertadores-feminina/ >.