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A maior batalha de Rickson Gracie

 Faixa vermelha no Jiu-Jitsu brasileiro, reservada para a mais alta distinção no esporte, Rickson Gracie revelou que agora está lutando contra o mal de Parkinson.

A lenda do Vale Tudo[1], com um histórico (não formalizado) de 400-0 em lutas na modalidade, foi diagnosticada há dois anos e atualmente apresenta sintomas da doença.

Oficialmente, Rickson venceu dois torneios de Vale Tudo de uma noite no Japão, em 1994 e 95. Antes disso, ele venceu algumas lutas em no Brasil.

Para chegar a um número que chegasse às centenas, é preciso contar as lutas de rua, as lutas na academia e as lutas na praia.

Um dos maiores lutadores de sua geração, Gracie acumulou um recorde de 11-0 no MMA profissional durante sua carreira.

Rickson Gracie também desempenhou um papel importante no desenvolvimento do Jiu-Jitsu e do Vale Tudo no Brasil. Ele foi um dos primeiros a aceitar desafios nas ruas do Rio de Janeiro para representar sua família.

Ele combinava esse conhecimento com uma capacidade atlética genuinamente impressionante. Ao contrário de seu irmão Royce, que foi escolhido para representar a família nos eventos do UFC que haviam começado alguns anos antes, em parte por causa de seu físico inexpressivo, Rickson era um espécime físico – não muito musculoso, mas em forma e forte.

Ele também era um competidor feroz, conhecido não apenas por suas finalizações, mas também por conseguir posições dominantes no tatame e castigar os adversários com socos.

Isso é parte de como ele acabou no Tokyo Dome na noite em que o PRIDE nasceu, há mais de 20 anos. O fato de ele ter entrado no ringue com o astro do wrestling profissional Nobuhiku Takada foi uma espécie de vitória.

Foi um negócio grande o suficiente para merecer um novo show com um novo nome, que ofereceria aos fãs de luta japoneses uma mistura dos esportes de combate que eles já amavam.

Nos anos 90, Gracie já era um grande nome na cena de luta japonesa, mas se tornou muito mais importante quando os lutadores profissionais, ainda mais populares, começaram a tentar derrotá-lo. No Japão, os eventos de luta com regras mistas já existiam há anos, com eventos como Shooto, K-1 e Pancrase.

Mas até mesmo as lutas de pro-wrestling “roteirizadas” no Japão geralmente buscavam um grau mais alto de realismo de luta do que muitas outras em outros lugares.

Esperava-se que os lutadores profissionais fossem verdadeiros caras durões. Eles chegavam a desafiar boxeadores profissionais como Muhammad Ali

Mas todas as formas de esportes de combate prosperam como novidade até certo ponto. Os promotores de lutas queriam algo novo e fresco, algo que combinasse o amor dos japoneses por tudo, desde a luta livre profissional até o kickboxing e as artes marciais mistas.

Eles também queriam um par de nomes grandes o suficiente para atrair um público real, e foi assim que os Gracie logo se tornaram o alvo favorito das chamadas de luta livre profissional.

Yoji Anjo, um lutador de pro-wrestling japonês que mais tarde lutaria no UFC, apareceu na academia de Gracie no sul da Califórnia com fotógrafos e uma equipe de filmagem a reboque.

Gracie deixou Anjo entrar, mas manteve a equipe de filmagem do lado de fora. A única gravação existente da luta de ginásio que se seguiu ainda pertence a Gracie, e a fita mais tarde assumiria um status quase mítico.

Aqueles que tiveram a sorte de vê-la ofereceram relatos detalhados de Gracie derrubando Anjo e o espancando de forma sangrenta na montada completa. Somente quando estava convencido de que Anjo havia aprendido a lição, ele o sufocou, deixando-o inconsciente em uma poça de seu próprio sangue para ser fotografado pela mídia que Gracie depois permitiu que entrasse na academia.

Quando a notícia dessa surra se espalhou no Japão, graças, em parte, ao uso criterioso das evidências em vídeo, o alvo nas costas de Gracie só aumentou.

Os japoneses viram o potencial de marketing de uma luta entre o genuíno artista marcial Gracie e o superstar da luta livre profissional Takada (mestre de Anjo), que era uma figura popular no Japão desde os anos 80.

Takada queria defender a honra do pro-wrestling japonês desafiando Rickson, mas sabia que o Gracie nunca concordaria com uma luta combinada. Assim, o combate foi adiado por vários anos.

Anos depois, Gracie vs. Takada aconteceu. Com ele, foi criado um novo evento chamado PRIDE[2].

O PRIDE foi um sucesso instantâneo no Japão, combinando a ação e o esporte do MMA com o toque do pro-wrestling japonês (em relação às entradas dos lutadores, com apresentações espetaculares).

Rickson lutaria mais duas vezes no Japão e se consolidaria como uma lenda naquele país.

O mundo das artes marciais pode ser incrivelmente recompensador ou extremamente implacável. Depois de uma série de batalhas em seu auge, os lutadores geralmente lidam com as repercussões mais tarde em suas vidas. Os danos causados por seus regimes de treinamento e lutas exaustivos geralmente se manifestam mais tarde na vida dos atletas de esportes de combate.

Um distúrbio neurológico degenerativo que causa tremores musculares descontrolados, rigidez e problemas de coordenação, o Parkinson, doença que Rickson agora luta contra, é o mesmo distúrbio que acometia a lenda do boxe, Muhammad Ali.

Um estudo[3] recente mostrou que o número de anos em que um indivíduo foi exposto a esportes de contato, incluindo futebol, hóquei no gelo e boxe, foi associado ao desenvolvimento de LBD neocortical, e a LBD, por sua vez, foi associada ao parkinsonismo e à demência.

O estudo também mostra que o total de anos de prática de esportes de contato foi associado a um risco maior de ter LBD no córtex do cérebro. Aqueles que praticaram mais de oito anos de esportes de contato tiveram o maior risco de LBD, que foi seis vezes maior do que aqueles que lutaram oito anos ou menos.

Rickson deixou um impacto profundo no esporte e no mundo das artes marciais mistas, mas o objetivo sempre foi divulgar o Jiu-Jitsu brasileiro. Sobre sua condição atual, assim o Gracie se posicionou:

“Deus me deu agora uma situação que eu tenho que transformar para o bem. E a reação que eu tenho mais importante hoje em dia na minha vida é expressar minha gratidão pelo Jiu-Jitsu, continuar trabalhando pelo Jiu-Jitsu para fortalecer as pessoas e transformar a maneira da prática para que seja mais acessível para as pessoas que mais precisam. Então, eu vejo que estou nadando de braçadas em um oceano azul perfeito aguardando o próximo dia sem muita preocupação”.

Rickson segue ensinando, através da arte marcial, que a verdadeira luta é contra nós mesmos e nunca termina.

Crédito imagem: Flávio Scorsato/ Divulgação

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REFERÊNCIAS:

COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023.

DALY, Lee; DALTON, Eamonn. Before A Fall: A History of PRIDE Fighting Championships. 1. ed. [S. l.]: Createspace Independent Publishing Platform, 2018.

GRACIE, Rickson. Respire: uma vida em movimento. 1ª. ed. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2021.

HAMAMURA, Kouichi. Puraido Kimitsu Fairu: Fūin Sareta Sanjū No Keikaku (Pride Confidential File: Sealed 30 Plans). 2ª. ed. Japão: Enterbrain, Inc, 2009.

[1] Expressão usada para definir uma modalidade hoje praticamente inexistente, substituída pelo MMA. Também conhecido como No Holds Barred (NHB) nos Estados Unidos, era um esporte de combate desarmado e de contato total, inspirada no esporte grego pancrácio. No Brasil, se usa a expressão “Vale Tudo” apenas quando se fala da modalidade precursora do MMA, sendo a expressão mais correta “vale-tudo” quando se procura definir que na competição tudo seria válido.

[2] Orgulho em inglês, que era justamente o objetivo do show: recuperar o orgulho japonês de seu esporte nacional, o pro-wrestling, derrotando o Gracie que humilhou um pro-wrestler japonês.

[3] ADAMS, Jason W et al. Lewy Body Pathology and Chronic Traumatic Encephalopathy Associated With Contact Sports. J Neuropathol Exp Neurol, PubMed, v. 77, n. 9, p. 757-768, 1 set. 2018. DOI 10.1093/jnen/nly065. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30053297/. Acesso em: 24 jun. 2023.

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