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A necessária proteção aos clubes em tempo de Copa do Mundo

Em ano de Copa do Mundo, os olhos dos torcedores se voltam para o principal torneio do planeta, que envolve os melhores jogadores e, consequentemente, as melhores seleções. O rendimento de cada país nessa competição é resultado de um trabalho praticado nos últimos quatro anos, com amistosos oficiais e competições continentais disputadas, que, evidentemente, reproduzem e exprimem o desenvolvimento real de uma equipe.

Ao longo de cada ciclo de um Mundial, o jogo muda, se intensifica, se aperfeiçoa e é decidido cada vez mais nos mínimos detalhes. Tudo isso, devido ao desenvolvimento da tecnologia, de novos métodos de treinamento, da evolução da tática, da medicina, que contribuem diretamente para a evolução do rendimento físico, tático e técnico de cada atleta. Contudo, com o aumento da exigência física e da intensidade do jogo, incrementa-se também o número de lesões.

Nesse sentido, não podemos olvidar que enfrentamos, nas últimas temporadas, um calendário mais acentuado, para permitir a realização e conclusão de todas as competições em meio a pandemia. Além disso, ressalte-se que o tempo de preparação para esse Mundial será menor que os demais, posto que os clubes somente serão obrigados a liberar os jogadores no dia 14 de novembro, seis dias antes da data da primeira partida do torneio.

Some-se a isso, o fato de os futebolistas encararem uma temporada desgastante nos seus respectivos clubes, o que já deixou diversos jogadores de destaque ausentes de outras edições em virtude de lesões. Nesse ano, até o momento, foram noticiados os desfalques relevantes de Diogo Jota, atacante português, e de N’Golo Kanté, meio-campista francês do Chelsea e campeão mundial em 2018, na Rússia[1].

Diante disso, nitidamente preocupada com o aspecto técnico e com o histórico recente, a FIFA resolveu aumentar o número de jogadores convocados para a Copa do Mundo do Catar para 26[2]. Igualmente, resolveu aplicar a regra das 5 substituições durante as partidas, criada durante a pandemia, que acabou se tornando permanente.

No entanto, a preocupação com as lesões dos atletas não se restringe exclusivamente no âmbito das seleções e da Copa do Mundo. Nesse contexto, é forçosa a inclusão dos clubes no debate, uma vez que são os empregadores dos atletas, pagando pelos seus salários.

Portanto, quando ocorre uma lesão quando o atleta está à serviço de sua seleção, os clubes são os principais prejudicados, tanto no aspecto técnico como também o econômico, pois, ao longo da temporada, o atleta passa, evidentemente, muito mais tempo na entidade de prática desportiva.

Pensando nisso, a FIFA criou diversos mecanismos de auxílio aos clubes, entre os quais, um deles, é o Programa de Proteção aos Clubes[3], implementado em 2012, e previsto inicialmente, de maneira geral, no artigo 2.4 do anexo 1 do Regulamento sobre Status e Transferência de Jogadores da FIFA (RSTJ)[4]. Outrossim, destaque-se que o mesmo anexo afirma que os clubes são obrigados a liberar seus jogadores para as partidas disputadas durante a data FIFA, presentes no calendário publicado pela entidade suíça.

Nesse dispositivo, a FIFA se compromete a indenizar o clube em que estiver inscrito um jogador profissional de futebol de onze, masculino e feminino, que, em consequência de um acidente, sofra uma lesão física durante o período de liberação obrigatório para disputar partidas internacionais “A” e seja temporariamente afetado por uma incapacidade total.

Com efeito, conforme esclarecido aqui em outra oportunidade[5], cumpre salientar que o Regulamento de Partidas Internacionais estabeleceu que as partidas internacionais A são aquelas em que as duas equipes participantes são seleções nacionais “A” das duas federações. Com isso, podemos afirmar que os amistosos da Data FIFA, bem como as Copas Continentais, a antiga Copa das Confederações e a Copa do Mundo enquadram-se perfeitamente nesse conceito.

Posto isso, a entidade máxima do futebol regulou a temática, atualizando os termos e condições das compensações, através de boletins técnicos. O último foi mediante a circular 1664/2019[6], que alterou minimamente o Programa de Proteção aos Clubes da Circular imposto na Circular 1656/2018 e vigorará até o final desse ano.

Nesse importante documento, todas as regras estão especificadas minuciosamente. Como o clube é o empregador do jogador, ele fica responsável por pagar todos os vencimentos do atleta, independentemente da lesão sofrida.

Por conseguinte, a FIFA estipulou o prazo mínimo de incapacidade laboral temporária, devido a uma lesão sofrida nas seleções, de 28 dias, aclarando que o Programa não fornecerá cobertura para invalidez total permanente ou morte, ou até para despesas médicas de tratamento. Para o recebimento de indenização, não se conta o dia em que ocorreu a lesão, os 28 dias já elucidados, obviamente, e o último de incapacidade.

Ocorre que, entretanto, a cobertura vai muito mais além dos que as partidas internacionais já mencionadas. Ela é aplicável a todos os jogos, treinos, jogos-treino, viagens e tempo passado fora do seu clube. Em outras palavras, a proteção ao clube inicia-se no momento em que o futebolista começa a viagem da sua casa ou do centro de treinamento do clube para estar à serviço da sua seleção e termina à meia-noite (hora local) do dia em que regressa a casa ou ao clube empregador, ou 48 horas depois de deixar sua seleção, o que inclui a viagem de volta direta e ininterrupta, o que ocorrer primeiro.

O cálculo da indenização se baseia unicamente no salário fixo estipulado em contrato válido no momento da lesão, que o clube paga diretamente ao futebolista como seu empregado, incluindo encargos previdenciários obrigatórios. Por outro lado, a remuneração, a título de cálculo, não inclui valores variáveis, bônus, pagamentos que não são feitos regularmente. Direito de imagem, bem como contratos de prestação de serviços, independentemente da sua natureza e de terem sido acordados ou não em contrato separado, não estão cobertos.

Ademais, se o atleta celebrar um contrato com outro clube após a ocorrência do acidente, as prestações diárias serão pagas ao novo clube de acordo com o novo contrato, desde que o contrato em vigor no momento do acidente tenha permanecido em vigor durante o período de incapacidade total. Ou seja, os benefícios diários serão pagos no momento do acidente, salvo se o salário do novo contrato for inferior ao antigo.

Ato contínuo, a indenização somente cessará se: i) o jogador já não sofrer de incapacidade total temporária, ii) o atleta lesionado reiniciar todas as atividades de treinamento com a sua equipe ou participar de jogos, o que ocorrer primeiro; iii) se contrato do jogador expirar; iv) o jogador vier a óbito; v) o futebolista mudar de profissão; vi) terminar o prazo máximo de indenização de 365 dias; e vii) alcançar a compensação máxima por acidente e por jogador de futebol ou se o limite máximo do programa for atingido.

Sob esse viés, a indenização máxima concedida pelo Programa não poderá ultrapassar a quantia de 7.500.000 de euros anuais por jogador e acidente. O orçamento total do Programa de Proteção de Clubes da FIFA é de 80.000.000 de euros por ano. Sobre a importância recebida, cada entidade de desporto possui responsabilidade tributária de recolher os impostos, de acordo com a legislação local, eximindo a FIFA de qualquer pagamento.

Entre outros fatores, a FIFA esclarece que as lesões preexistentes não serão cobertas. Para isso, as define como tudo aquilo que for um distúrbio físico ou psicológico, defeito, doença degenerativa ou doença que existia antes de o atleta se incorporar à sua respectiva seleção.

Da mesma forma, define as lesões consideradas recorrentes como aquelas que ocorrem dentro de um período inferior a 30 dias consecutivos. Se o futebolista sofrer uma lesão enquanto jogava pela sua seleção e depois se recuperar, mas, posteriormente, sofrer com uma incapacidade temporária total em consequência da mesma lesão, no prazo de 29 dias consecutivos, juntamente com a análise do médico, o Programa de Proteção ao Clube continuará indenizando futebol dentro dos seus limites. Sem embargo, se o jogador retornar e trabalhar no clube empregador por 30 ou mais dias consecutivos, o programa não pagará nenhuma compensação no caso de a lesão, em questão, se repetir.

Para acionar a compensação, o clube deverá seguir o procedimento implementado pelo artigo terceiro, comunicando a empresa seguradora delegada pela FIFA, aportando os documentos e formulários necessários, o que não poderá ultrapassar o prazo de 28 dias contados da lesão, sob pena de perda do direito à indenização. Qualquer litígio que surja em relação ao programa será submetido diretamente ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS ou CAS).

Com natureza jurídica distinta da anterior, em outubro desse ano, através da circular nº 1812/2022[7], a FIFA anunciou o Programa de Ajuda aos Clubes durante o Mundial do Catar, que atingirá o valor de 209 milhões de dólares em divisão para as Federações. Essas associações deverão repartir entre seus clubes filiados, que deverão, por seu turno, solicitar, por meio da plataforma, preenchendo um formulário independentemente se terão jogadores convocados ou não.

Esta iniciativa já beneficiou 416 clubes de 63 Federações na Copa do Mundo de 2018. A ação faz parte de um acordo de colaboração mais amplo entre a entidade e a Associação Europeia de Clubes, que foi lançado pela primeira vez antes do Mundial de 2010 e estendido em 2015 para cobrir as Copas do Mundo de 2018 e 2022. Igualmente, também é praticado pela UEFA quando da ocorrência da Eurocopa. [8][9]

Nesse ano, os valores aumentaram devido ao tempo menor de competição. Sendo assim, o valor da diária por jogador convocado que a entidade máxima do futebol pagará aumentou de US$ 8,53 mil (R$ 44,3 mil) para US$ 10,27 mil (R$ 53,4 mil).

Todavia, há alguns critérios: o número de jogadores cedidos por cada agremiação (quem envia mais, ganha mais) e o tempo que eles ficam à disposição da seleção durante a Copa (aqueles com jogadores que avançam até as fases finais também recebem mais). A FIFA compensa os clubes que tiveram contrato com o jogador nos dois últimos anos, então, se o atleta defendeu mais de uma equipe o valor pago é dividido proporcionalmente entre elas. A propósito, o fato já despertou a atenção de diversos clubes mundo afora, inclusive de brasileiros.[10]

Conforme o exposto, nem quando os olhos do mundo estão voltados exclusivamente para as seleções, a FIFA se olvida de auxiliar os clubes, que são fundamentais para a construção e o desenvolvimento do esporte e, que, de maneira alguma, podem se ver desamparados pela entidade máxima do futebol. A tendência é que esses mecanismos sejam ampliados cada vez mais nos próximos anos, tendo em vista a evolução econômica e o interesse público na modalidade. A Copa do Mundo é a competição de todos, a mais democrática que existe, que exprime o verdadeiro significado do futebol.

Crédito imagem: Getty Images

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[1] Lesões tiram jogadores da Copa do Mundo do Catar – 19/10/2022 – UOL Notícias – – última consulta: 26.10.2022

[2] Fifa aumenta para 26 o número de convocados para a Copa do Mundo – 23/06/2022 – UOL Esporte – última consulta: 26.10.2022

[3] Programa de Proteção aos Clubes FIFA – leqxjpolhny5lzcp5abm-pdf.pdf (fifa.com) – última consulta: 26.10.2022

[4] RSTJ – Reglamento-sobre-el-Estatuto-y-la-Transferencia-de-Jugadores-Edicion-de-julio-de-2022.pdf (fifa.com) – última consulta: 26.10.2022

[5] Por trás de um amistoso internacional – Lei em Campo – última consulta: 26.10.2022

[6] Circular FIFA nº 1664/2019 – leqxjpolhny5lzcp5abm-pdf.pdf (fifa.com) – última consulta: 26.10.2022

[7] Circular 1812/2022 FIFA –  Circular Template (fifa.com) – última consulta: 26.10.2022

[8] Clubes com jogadores convocados para a Copa do Mundo terão incentivo da FIFA (tntsports.com.br) – última consulta: 26.10.2022

[9] Fifa vai distribuir R$ 1 bilhão aos times que cederem jogadores à Copa – Futebol – R7 Copa do Mundo – última consulta: 26.10.2022

[10] Flamengo pode receber mais de R$ 6 mi da Fifa por convocados para Copa (uol.com.br) – última consulta: 26.10.2022

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