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A necessidade e importância do posicionamento dos clubes de futebol contra o preconceito ao público LGBTQIA+

Por Maria Carolina Alcides de Araujo

A imagem de German Cano, atacante argentino do Vasco, com a bandeira de arco-íris repercutiu no mundo inteiro e fez a camisa comemorativa do clube carioca, em homenagem ao Dia do Orgulho LGBTQIA+, esgotar em horas em todos os sites de vendas.

O ato do atacante que, ao marcar o primeiro gol do jogo do Vasco, na vitória por 2 a 1 sobre o Brusque, pelo Campeonato Brasileiro da Série B, comemorou levantando a bandeira de escanteio de arco-íris, fez o mundo todo olhar novamente para a camisa do clube carioca.

Embora o jogador do clube de São Januário tenha tido sua atitude considerada como irregular pelo árbitro da partida, o juiz Salim Fende Chavez, que lhe aplicou um cartão amarelo, a atitude de Germán foi vista com bons olhos pelos expectadores do esporte ao redor do globo.

De igual modo, outros clubes também realizaram manifestações simbólicas contra o preconceito, como no caso do Flamengo, Santos e Fluminense, que realizaram os jogos no dia 27 de junho, com as cores da bandeira colorida em prol da comunidade LGBTQIA+ em seus números.

Isso porque, em 28 de junho, comemora-se o “Pride Day”, ou seja, o Dia do Orgulho, celebrando anos de luta da comunidade LGBTQIA+ pelos direitos civis e pela busca contínua da igualdade, tendo como marco a Revolta de Stonewall, ocorrida em igual data, no ano de 1969, em Nova York.

Não obstante outros clubes de futebol brasileiros também tenham realizado homenagens nas suas redes sociais, nota-se que o clube que teve maior visibilidade e realizou um gol de placa foi o Vasco. Além de ter a imagem do atacante veiculada em diversas notícias do mundo inteiro, também realizou a venda da camisa comemorativa e teve novamente sua imagem publicada de forma positiva a despeito dos recentes resultados negativos em campo, no qual luta para realizar o acesso a Série A do Campeonato Brasileiro.

Tais homenagens são importantes e fazem parte de uma forma, ainda mínima, de luta contra o preconceito no esporte. Por outro lado, alguns jogadores ainda não entenderam que o preconceito não tem vez no futebol e realizaram postagens em suas redes sociais com passagens bíblicas, que foram entendidas pelos torcedores como uma forma de reforçar posicionamentos ultrapassados e muitas vezes desrespeitosos. Foi o caso dos jogadores Leandro Castan, do Vasco, e Samuel Xavier, do Fluminense que receberam diversas manifestações de repúdio por parte dos torcedores.

Além de ser uma posição no mínimo polêmica, também é vista de forma muito negativa por patrocinadores e empresas que já veem a luta contra o preconceito, em geral, como uma forma muito positiva de veicularem suas marcas. Por isso, tais ações devem ser combatidas pelos clubes brasileiros que desejam ter mais receitas em um momento difícil de arrecadação, tendo em vista a pandemia do novo corona vírus que afeta diretamente as receitas dos clubes de futebol no país.

Porém, em nenhum desses dois casos, foi feita qualquer repreensão pelas direções dos clubes. Por óbvio, as postagens não foram explicitamente contra as homenagens realizadas, mas demonstram uma posição que acaba por reforçar discursos preconceituosos. Essas ações dos jogadores indicam a necessidade de uma educação mais afirmativa nos clubes, a fim de que os jogadores entendam melhor o seu papel, não só dentro de campo, afinal o futebol não é só futebol.

O que isso quer dizer? O futebol, assim como todos os esportes, é um vetor de transformação social e, para os torcedores que fazem parte do grupo LGBTQIA+, ter sua luta repercutida tem profundo significado, principalmente sob o ponto de vista da representação. Antes que muitos torcedores digam que o futebol não deve realizar tais manifestações, é bom destacar a importância do esporte nas lutas contra os vários tipos de preconceito, seja ele por gênero, raça ou orientação sexual, razão pela qual as homenagens não devem ser vistas como meramente políticas, sendo certo que a homofobia já é considerada crime.

Sabe-se que o futebol ainda é amplamente conhecido por ter, muitas vezes, por parte de certos jogadores e clubes, um ambiente machista, racista e homofóbico, dadas as diversas manifestações de preconceitos já conhecidas nos estádios. Ainda que, em nosso país, não possamos nesse momento ter a presença de público nos eventos esportivos, não podemos esquecer de todo esse contexto, o qual, infelizmente, torna o ambiente esportivo extremamente preconceituoso. Fica o questionamento: qual foi a última vez que vimos um jogador de futebol se assumir publicamente como LGBTQIA+?

Desse modo, as ações dos clubes e seus jogadores é extremamente importante e necessária na luta contra o preconceito e não deve ficar restrita apenas ao Dia do Orgulho LGBTQIA+, comemorado ontem. As entidades devem realizar sempre ações contra o preconceito, a fim de educar seus torcedores e seus jogadores como Códigos de Condutas a seus atletas profissionais e da base.

Nos últimos dias, foi possível perceber diversos torcedores se sentindo, efetivamente, representados pelos seus clubes de futebol, ao perceberem que podem exercer sua orientação sexual e, ao mesmo tempo, gostarem de futebol, não devendo mais ser reprimidos pelo ambiente esportivo em que se encontram. Pelo contrário, deve ser um ambiente de acolhimento, até porque o futebol depende de forma majoritária do crescimento de seus torcedores que podem cada vez mais alavancar a marca dos clubes.

Além de ser uma necessidade social, visto que o Brasil é conhecidamente como um dos países que mais mata pessoas LGBTQIA+, é ainda uma necessidade comercial, uma vez que as marcas que podem se transformar em patrocínios não querem se associar a ações preconceituosas.

Portanto, fica claro que os clubes de futebol, seja por meio de suas direções e de seus jogadores, devem cada vez mais ser vetores na luta contra o preconceito à comunidade LGBTQIA+, a fim de que possam transformar o ambiente do esporte em um ambiente de respeito e igualdade.

Crédito imagem: Vasco

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Maria Carolina Alcides de Araujo é advogada pós-graduada em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-Volta Redonda. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Direito Desportivo – Ibmec RJ.

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