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A necessidade urgente de uma “Regra Rooney” no futebol brasileiro

(English Football League e National Football League logomarcas, todos os direitos reservados)

Por Igor Serrano

Por esses dias de fevereiro de 2021, conversava com um diretor de um clube de futebol da Série A masculina. Perguntei a ele se existia alguma conversa, discussão interna ou medida em andamento que visasse tornar seu clube mais inclusivo, de fato, com maior presença de diretores e gerentes negros. A resposta que recebi, curta e direta, foi “só na minha pasta temos três integrantes negros que cuidam de assuntos diversos”.

Argumentei que esse cenário não fazia do clube inclusivo e que o fato dos três responderem a um homem branco, só reforçava o racismo estrutural sinalizado. Pelo que recebi como resposta “estou fazendo a minha parte, não posso interferir nas escolhas dos outros diretores”. Errado. Ele pode. As presidências dos clubes, federações e da CBF, podem, basta quererem e REGULAMENTAREM.

Desde janeiro de 2018 vigora na Liga Inglesa de Futebol (English Football League – EFL; a segunda divisão de lá) a política chamada “Regra Rooney”, onde os clubes devem em todo processo de seleção ter ao menos um candidato negro, asiático ou de um grupo minoritário para uma vaga administrativa. A medida, embora não original[1] e tenha como intenção garantir maior participação inclusiva em cargos de direção, é cheia de brechas e não traz previsão de punição para o clube que não a respeitar. Vale ressaltar que a Premier League (primeira divisão inglesa), apesar dos protocolos antirracistas de “Black Lives Matter” antes de todas as partidas, não aplica a regra.

Urge a edição de uma normativa semelhante no futebol brasileiro, mas com punição em caso de descumprimento, para garantir efetiva e real participação de homens e mulheres negros nos cargos de direção e nas tomadas de decisão. A Confederação Brasileira de Futebol, como entidade responsável pelo futebol no país, seria a mais indicada para ser a responsável pela autoria deste regulamento. Clubes e federações que não o respeitassem, não receberiam premiações e demais valores e/ou seriam impedidos de participar de campeonatos ou de registrar jogadores.

Destaque-se que os clubes, caso tenham interesse, nem precisam aguardar a determinação vindo de cima (da CBF), já que podem perfeitamente incluir, hoje, este tipo de previsão em seus Estatutos e Regulamentos Internos.

Sei que muita gente branca que chegou até essa parte da leitura do texto está com os dedos coçando para comentar que “todas as vidas importam!”, “isso seria racismo reverso!” ou até mesmo “violaria a autonomia constitucional das entidades desportivas!”. Vejam, medidas como a aqui proposta jamais seriam necessárias caso os governos brasileiros, de fato, garantissem igualdade de oportunidades e acesso a todos independente de raça, cor ou etnia. Ademais, o atual cenário de racismo estrutural implica em violações aos também princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia para a população negra brasileira e estas, no nosso entender, se sobrepõem a qualquer violação à autonomia desportiva vislumbrada.

O Brasil é o país fora da África com a maior população negra (e o segundo em todo o mundo: a Nigéria é o primeiro), que corresponde a mais da metade do total de brasileiros. Some-se a isso aos sádicos séculos de escravidão e o vil descaso pós-abolição de nossa história, que, logicamente, conclui-se que o discurso entoado por muitas pessoas brancas diante do cenário atual (resultado do passado e do presente) é deveras divergente (para não dizer mentiroso).

Para reforçar a necessidade urgente da medida sugerida aqui, lembramos do levantamento feito por Heitor Esmeriz do Globoesporte.com, em novembro de 2019. Nela constatou-se que dos quarenta clubes das séries A e B daquele ano, apenas a Ponte Preta tinha um presidente negro: Sebastião Arcanjo. Novo levantamento feito por Rafael Oliveira do Jornal O Globo, em junho de 2020, constatou que Arcanjo mantinha-se como o único presidente negro não apenas das Séries A e B, mas também da C daquele ano.

Como pode um país que se orgulha do talento de tantos grandes jogadores e jogadoras negros de futebol ter tão poucos deles participando dos rumos e das decisões? E os sócios e torcedores negros? Ter um, dois ou três num determinado cargo, de uma estrutura de um clube ou Federação, não quebra o racismo estrutural, mas apenas o reforça:

O futebol concentra um número efetivo de negros dentro das quatro linhas, mas nas comissões técnicas e nos órgãos de direção, é praticamente inexistente a presença do negro. É a reprodução sofisticada do que chamamos de racismo estrutural.” – Sebastião Arcanjo, presidente da Ponte Preta.

Ou nos unimos, todos (sem exceção), por um futebol verdadeiramente inclusivo, democrático e participativo ou iremos conviver eternamente com as muitas respostas (e as poucas ações efetivas) aqui mencionadas.

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Igor Serrano é advogado, pós graduado em Direito Desportivo e autor do livro “O racismo no futebol brasileiro”.

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Referências

Ponte tem o único presidente negro entre Séries A e B: “É uma fotografia do Brasil”, diz Tiãozinho

https://globoesporte.globo.com/sp/campinas-e-regiao/futebol/times/ponte-preta/noticia/ponte-tem-o-unico-presidente-negro-entre-series-a-e-b-e-uma-fotografia-do-brasil-diz-tiaozinho.ghtml

Na Ponte Preta, o único negro presidente nas Séries A, B e C: ‘Muitos não querem o debate’

https://oglobo.globo.com/esportes/na-ponte-preta-unico-negro-presidente-nas-series-b-c-muitos-nao-querem-debate-

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[1] A Regra Rooney (“Rooney Rule”) foi uma criação originalmente da Liga Nacional de Futebol Americano (National Football League – NFL) que passou a exigir que as equipes da liga entrevistem candidatos de minorias étnicas para cargos de diretoria, como treinadores e outros executivos. Criada em 2003, foi assim nomeada em homenagem a Dan Rooney, proprietário do Pittsburgh Steelers e idealizador da medida.

Após poucos anos em vigor, a medida foi responsável por aumentar a porcentagem total de treinadores negros na Liga de 6% para 22%.

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