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A nova proposta de acordo no processo dos lutadores x UFC

Introdução

Há algumas semanas, a TKO, empresa dona do UFC, apresentou à Comissão de Valores Mobiliários norte-americana uma nova proposta de acordo antitruste de US$ 375 milhões[1] com a “classe Cung Le”[2] de lutadores do UFC, classe formada pelos atletas que lutaram pela promoção entre 16 de dezembro de 2010 e 30 de junho de 2017.

A principal mudança proposta por esse novo acordo antitruste de US$ 375 milhões do UFC é que ele abrange a “classe Cung Le” e não a “classe Kajan Johnson”[3], que envolve lutadores que assinaram contratos que contêm cláusulas de arbitragem e renúncias a ações coletivas.[4]

A história dessa nova proposta de acordo de US$ 375 milhões no caso antitruste do UFC para resolver a “classe Cung Le” é que se trata de um aumento de 20% em dinheiro para a classe de Le e deixa o caso da “Johnson” intacto para o litígio pendente.

Possibilidades de aprovação do novo acordo

Richard Boulware, magistrado responsável pelo caso, deixou claro[5] em suas audiências anteriores que estava avaliando os danos com base em um cálculo que triplicaria o valor da indenização. Nesse ínterim, US$ 375 milhões estariam na faixa de 20% do valor do caso, o que pode dificultar sua aceitação.

Vale lembrar que os autores da ação argumentaram inicialmente que o valor dos danos era de US$ 1,6 bilhão, que, se triplicado, poderia chegar a US$ 4,8 bilhões.

Um aumento para US$ 375 milhões – onde um dos processos (Classe Johnson) já não faz mais parte e poderá ser discutido posteriormente – pode parecer palatável e daria ao juiz Boulware uma saída razoável para o caso.

Porém, ainda considerando as declarações anteriores do juízo, não dá pra cravar que será aprovada essa nova proposta de acordo antitruste de US$ 375 milhões.

Isso ocorre porque o valor ainda é pequeno para as indenizações (são 1200 lutadores envolvidos) e também sobre as perspectivas de quão grandes serão os honorários advocatícios para os autores da ação, deixando os atletas com pouco a receber, ao menos diante do dano previamente alegado.

Relembremos, então, os principais pontos da lide desde a apresentação do primeiro acordo:

– O juiz não concorda com um acordo combinado (“global”) para a “classe Cung Le” (dinheiro) e “Johnson” (contrato). Como as duas classes têm interesses fundamentalmente diferentes, ele se opõe a um acordo que englobe ambas.

– O juiz não se opõe a acordos individuais em cada caso, mas não acredita que os acordos propostos antes resolvam adequadamente qualquer um dos casos: não há dinheiro suficiente e não há alívio contratual suficiente.

– O juiz acredita que o valor das indenizações em Le é significativamente maior do que o acordo proposto em dinheiro. Ele acha que as indenizações deveriam ser triplicadas em vez de considerar as indenizações únicas estimadas (não triplicadas).

– O juiz quer que os autores litiguem acerca validade das cláusulas de arbitragem do UFC e as renúncias de ações coletivas nos tribunais. Embora não tenha feito uma declaração direta, o juiz não acredita que essas cláusulas sejam aplicáveis devido a violações antitruste.

– Eric Cramer, principal advogado dos autores, acredita que a jurisprudência Schein, criada pela Suprema Corte, neutralizou significativamente a capacidade de litigar essas cláusulas de arbitragem porque há entendimento judicial que somente um árbitro pode tomar uma decisão.

– O juiz está ainda considerando fortemente a possibilidade de nomear um advogado externo para vários reclamantes da “classe Johnson”. De acordo com Eric Cramer, atualmente não há demandantes principais em “Johnson” que tenham cláusulas de arbitragem. O advogado do UFC sugeriu que, quando os contratos desses lutadores “forem renovados”, eles assinarão cláusulas de arbitragem e renúncias a ações coletivas.

– Os principais advogados do UFC não estavam presentes na audiência judicial de 12 de julho de 2024. Os advogados que compareceram fizeram algumas afirmações duvidosas sobre os contratos dos lutadores do UFC. Alegações específicas sobre a duração dos termos/contratos e cláusulas de arbitragem estão prontas para serem examinadas.

– O juiz Boulware é extremamente cético quanto à possibilidade de qualquer entidade não jurídica, inclusive agências governamentais, intervir para melhorar os contratos dos lutadores do UFC. Sua Corte é onde qualquer ação substantiva ocorrerá.

– O juiz está comprovadamente preocupado com o fato de que os lutadores aposentados e atuais do UFC não compreendem totalmente o escopo do acordo proposto. Ele também está preocupado com o fato de que os lutadores aposentados ou inativos da “classe Johnson” não têm o mesmo nível de motivação que aqueles da classe que são lutadores ativos atualmente.

– Ainda, há uma carta misteriosa juntada acordo antitruste proposto para o UFC que, acredita-se, contém uma cláusula de porcentagem de exclusão. O juiz Boulware perguntou repetidamente a Eric Cramer sobre as perspectivas de os lutadores optarem por sair do processo, especialmente na classe de Johnson, porque ele vê o acordo proposto sendo de valor limitado para os lutadores atualmente ativos.

São essas as questões que vêm impedindo a homologação de eventual acordo.

Importante destacar a questão das cláusulas no contrato dos atletas da “Johnson”: se um árbitro for favorável ao UFC e determinar que as cláusulas de arbitragem e as renúncias de ações coletivas são legais, os autores da ação serão forçados a travar uma batalha difícil no Tribunal de Apelação.

A presença dessas cláusulas é permitida porque, no caso Epic Systems Corp. v. Lewis U.S., 138 S.Ct. 1612 (2018), ao entender válidas cláusulas em contratos individuais com previsão de que a resolução de disputas ocorresse somente por meio de arbitragem individual, por cinco votos contra quatro, a Suprema Corte decidiu que o direito de participar em procedimentos coletivos não constituiria uma forma de “outra ajuda ou proteção mútua” (other mutual aid or protection) objeto de especial proteção na Seção 7 do NLRA – entendimento que importa no reconhecimento da possibilidade de renúncia prévia ao direito de participação em ações judiciais coletivas ou em arbitragens coletivas (por tal motivo, essas cláusulas são frequentemente referidas como class waiver arbitration agreements ou simplesmente class waivers).[6]

Ao autorizar e chancelar a presença de tais cláusulas em relações individuais de trabalho, a mais alta corte dos EUA acabou por dificultar o manejo das class actions (ações coletivas), valioso mecanismo de tutela judicial de direitos trabalhistas.”[7]

A boa notícia para os autores é que o juízo, tanto no Tribunal de Apelações do Nono Circuito quanto nos casos da Suprema Corte da Califórnia, em relação à inconsciência e inexequibilidade dessas cláusulas de arbitragem, está se tornando mais hostil contra as grandes corporações. O juiz Boulware indica ter confiança de que o Nono Circuito decidirá a favor dos autores da ação da “classe Johnson”.

Teremos julgamento então?

O problema enfrentado tanto pelos autores quanto pelos réus é que, para evitar a difícil data do julgamento antitruste, fevereiro de 2025, eles tiveram que propor um novo acordo antes do dia da eleição nos EUA. Caso contrário, teria sido impossível para o juiz Boulware abrir espaço em sua agenda do Tribunal Federal de Nevada para marcar uma data de audiência de aprovação preliminar.

E se o juiz Boulware rejeitar essa segunda proposta de acordo antitruste do UFC? O valor de tal rejeição é que o UFC está forçando o juiz Boulware a fornecer um valor mais específico para um acordo proposto em uma audiência. O problema de apresentar uma terceira proposta revisada de acordo antitruste é que, no momento em que houver uma audiência no tribunal para aprovação preliminar, qualquer data será muito próxima da data do julgamento de fevereiro de 2025.

Nesse momento, quaisquer tentativas futuras de propostas revisadas de acordos de acordo exigiriam uma audiência de emergência do juízo. É possível, mas improvável, que esse cenário se concretize.

Portanto, essa nova proposta de acordo de US$ 375 milhões feita pelo UFC é provavelmente sua última oferta.

Conclusão

Se o juiz rejeitar essa segunda proposta de acordo antitruste, podemos esperar que a TKO entre com algum tipo de recurso junto ao Tribunal de Apelações. Seria uma jogada arriscada, mas agressiva. A sabedoria convencional é que o UFC terá uma grande vantagem em sua cidade natal (Vegas) se esse caso antitruste for a julgamento sob um novo governo Trump (aliado histórico do UFC).[8]

Mas esse cenário está longe de ser um resultado garantido.

Crédito imagem: UFC/Divulgação

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[1] https://www.espn.com/mma/story/_/id/41455273/ufc-reaches-375m-settlement-le-vs-zuffa-antitrust-lawsuit.

[2] Cung Le, et al. v. Zuffa, LLC d/b/a Ultimate Fighting Championship and UFC, No. 2:15-cv-01045-RFB-BNW (D. Nev.).

[3] Kajan Johnson, et al. v. Zuffa, LLC, et al., No. 2:21-cv-01189 (D. Nev.).

[4] Mais em: COSTA, Elthon José Gusmão da. Comentários sobre o acordo no processo dos atletas x UFC. Migalhas, Brasil, 11 jun. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/409011/comentarios-sobre-o-acordo-no-processo-dos-atletas-x-ufc. Acesso em: 5 out. 2024.

[5] Ibid.

[6] FERNANDES, João Renda Leal. O “Mito EUA”: Um País sem Direitos Trabalhistas?. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: JusPodivm, 2024, p. 205.

[7] Ibid.

[8] Mais em: MOYER, Phillip. Judge weighs settlement in pair of UFC monopoly lawsuits. Courthouse News, EUA, 12 jul. 2024. Disponível em: https://www.courthousenews.com/judge-weighs-settlement-in-pair-of-ufc-monopoly-lawsuits/. Acesso em: 5 out. 2024.

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