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A ONU e a autonomia esportiva

Imagine você andando por Manhattan, em Nova York, e acabar se deparando com um tipo de construção bastante familiar a nós brasileiros. Um prédio alto de arquitetura modernista ladeado por uma cúpula em forma de tigela de ponta-cabeça. Sim, trata-se de um edifício projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer antes de Brasília e que foi encomendado para ser sede da Organização das Nações Unidas (ONU). Pois entre no prédio e caminhe até o hall de entrada do majestoso plenário da Assembleia Geral das Nações Unidas, órgão máximo da entidade. Você perceberá que todas as pessoas que se dirigem às sessões da Assembleia Geral, incluídos os chefes de Estado, diplomatas etc. necessariamente avistarão os enormes painéis do artista paulista Candido Portinari intitulados Guerra e Paz. Ali também provavelmente ficará sabendo que em 1947 um brasileiro dirigiu a 2ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, justamente aquela que decidiu pela criação do Estado de Israel. Esse insigne compatriota se chamava Osvaldo Aranha, do mesmo modo de nós conhecido pelo não menos famoso prato que lhe homenageia, servido no Rio de Janeiro e outras cidades. Porém, há mais tributos ao líder getulista gaúcho entre os israelenses do que por aqui.

Mas estamos falando aqui na coluna nessas últimas edições acerca de Direito Internacional e Esporte. Portanto, já que está na sede da maior e mais importante organização internacional do mundo, pergunte por lá se há resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas que tratam de esporte. Ficará pasmo ao descobrir que sim e que se contam mais de uma dezena. Lembre-se, uma resolução da Assembleia Geral da ONU tem força de norma internacional e é obrigatória a todos os seus 193 membros. Constituem, assim, a base do Direito Internacional Esportivo, ainda composto por centenas de outros atos internacionais, dentre eles a Carta da Educação Física e do Esporte e a Convenção Mundial Antidopagem, ambas da Unesco.

Qual seria a mais importante dessas resoluções da ONU à nossa área? Qual teria maior impacto no ambiente esportivo?

Eu indicaria a você, leitor, que prestasse atenção a uma norma em que os brasileiros mais uma vez se destacaram na ONU. Preste atenção à Resolução A/69/L.5 da Assembleia Geral das Nações Unidas, cujo projeto foi apresentado ao órgão por 19 países, dentre eles o Brasil. Só para ajudar um pouco, naquela sigla aí em cima o “A” designa que se trata de uma norma baixada justamente pela Assembleia Geral da organização, e o “69” diz que foi na sua sexagésima nona sessão que a Resolução foi aprovada. O código final identifica a norma em si. O importante, entretanto, é que em 16 de outubro de 2014 o órgão decisório máximo da ONU, aquele em que cada país membro tem igualdade – ou seja, um Estado, um voto –, decidiu aprovar um ato internacional denominado “O esporte como meio para promover a educação, a saúde, o desenvolvimento e a paz”. Justamente essa Resolução A/69/L.5.

Por que recomendo essa norma como a mais importante no âmbito do Direito Internacional Esportivo? Vou recorrer à nota de imprensa publicada no portal de internet do Comitê Olímpico Internacional (COI) à época da aprovação da citada resolução:

“Marco Histórico: ONU reconhece a autonomia esportiva. – O Comitê Olímpico Internacional (COI) saudou na data de hoje o histórico reconhecimento pela Organização das Nações Unidas da autonomia do COI e do esporte.”

Na mesma matéria, o presidente do COI Thomas Bach assim se manifestou acerca a aprovação da Resolução da Assembleia Geral:

“O Esporte é verdadeiramente a única área da existência humana que alcançou um direito universal. Contudo, para aplicar este direito universal mundialmente, o esporte deve gozar de uma autonomia responsável. Os políticos devem respeitar esta autonomia esportiva.”

A manifestação do presidente da mais alta organização esportiva do mundo é autoexplicativa acerca do conteúdo da norma internacional aprovada em 2014. Mas vamos ao seu texto, ao menos na parte em que a Assembleia Geral se manifestou sobre o tema da autonomia:

A Assembleia Geral
[…]
8. Apoia a independência e a autonomia do esporte assim como a missão do Comitê Olímpico Internacional como líder do movimento olímpico; […]

Duas questões importantes acerca de uma possível confusão com os termos da norma (direito é linguagem, insisto). Primeiramente, ainda que empregue o termo “apoia”, trata-se de uma norma impositiva aos membros da ONU. A forma do Direito Internacional é cheia de certas sutilezas, mas o sentido é mandatório, sim. Desse modo, estamos falando acerca da obrigação dos Estados membros das Nações Unidas de obedecer à autonomia esportiva e reconhecer o COI como líder do movimento olímpico.

Outra possível fonte de mal-entendido seria o emprego de duas palavras fortes: “independência” e “autonomia” esportivas. Sabendo nós todos o que significa “autonomia esportiva”, qual seria o sentido de “independência”? Entendo que a Assembleia Geral estava simplesmente reforçando que o que chamamos Lex Sportiva existe e se governa independentemente de sua chancela ou tutela. Por isso a palavra independência.

O impacto dessa resolução da ONU, como bem frisou o presidente do COI, é de inigualável projeção histórica, mas não se coaduna com a invenção da “autonomia esportiva”. Mesmo antes da normatização dessa matéria por meio desse ato internacional, a autonomia já deveria ser observada pelos países em sua relação com as entidades esportivas transnacionais. Isso já se dava simplesmente pelo fato de que, para que as entidades que cada um deles abriga pudessem se relacionar com a Pirâmide Olímpica, o COI sempre requereria que reconhecesse a autonomia delas e dele próprio.

Enfim, com a abertura nesta coluna para falarmos acerca das normas da ONU voltadas para o esporte, convido o amigo leitor a ler, na próxima edição, uma análise de outras resoluções da Assembleia Geral que também têm importante papel no Direito Internacional Esportivo.

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